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12.6. DO ENSINO AO JORNALISMO, CRIAMOS UMA MASSA CINZENTA DE CARNEIROS AMESTRADOS crónica 47 novembro 2007
É importante, e (se bem que quase ninguém me leia e ninguém me ouça) há muito que ando a dizer nos labirintos esconsos das crónicas: o ensino em Portugal (como a democracia) segue o rumo globalizado de privatização. No futuro, haverá acesso universal ao ensino, de má qualidade e sem grande futuro. A alternativa será o privado, levando as pessoas a engrenagens de dívidas perenes e endividamento, sem hipótese de saírem desse círculo vicioso. Entretanto, as elites, com poder de compra, irão optar apenas por escolas privadas, donde sairão os futuros dirigentes da nação que elejam não estudar no estrangeiro (sempre é mais fino). Ter-se-á assim um país a duas velocidades. A das massas, o antigo proletariado, com melhores condições que na ditadura, ostentando títulos académicos (doutor, engenheiro, arquiteto,) sem que isso represente emprego ou profissão. A das elites (à semelhança da outra senhora) terá o privilégio de nomear os eleitos para todos os níveis de chefia a partir do intermédio. Com a passagem de todos os alunos, vai Portugal baixar o coeficiente de iletrados. Ao contrário do que pensam, não vai deixar de os ter, o que vai ter é analfabetos com diplomas. Nada disto é à toa, nem por uma questão de birra. Mas não se iludam, não é só cá, é em todo o mundo ocidental. Já acontece nos EUA, na Austrália e no Reino Unido, onde há escolas secundárias (o antigo Liceu) que custam tanto ou mais que universidades privadas…Teremos um país dos que têm e dos que não têm. Ninguém se preocupa com desempregados vitalícios que começaram a surgir (no fim da década de 80 na Austrália e agora em Portugal). Ninguém perde o sono ou o apetite, pelos sem-abrigo, que se propagam nas ruas das cidades esvaziadas de Humanidade, autênticos desertos à noite. Isto enquanto o camartelo municipal não chega para demolir as casas que irão ser “gentrificadas” para condóminos de luxo. Os subúrbios do povo e classes menos abastadas passam a áreas VIP. O interior desertificado e abandonado do Portugal pequenino será a coutada de férias de ricos e poderosos.
Decidi abdicar da habitual dose de livros de ficção. A realidade não para de se exceder e tornar-se mais inverosímil que a fantasia. Neste pequeno jardim à beira-mar plantado, as liberdadezinhas são ameaçadas e cidadania já é sinónimo de coragem. Há uma crise de instituições que ninguém ousa negar. A própria democracia de abril resvalou para a demagogia. Os representantes eleitos estão, sem ideias e sem horizontes, que não sejam os dos benefícios pessoais e dos mais próximos. Esta teia intrincada de corrupção e nepotismo coloca em causa a democracia, e isso nota-se no abstencionismo generalizado. Os ataques à liberdade começaram há muito com a autocensura, imposta pelos poderes económicos que dominam os meios de comunicação. Depois, seguindo um processo, a nível mundial, centrado no politicamente correto, assiste-se à criação do ser imperfeito: agora é o fumador, daqui a uns tempos serão os obesos, depois os carnívoros, e por aí adiante….até que todos estejam controlados à distância por um microchip. Tudo será tão grave como não pagar impostos. As represálias irão fazer-se sentir sobre os que exercem um mero ato de cidadania. Os jornalistas não ousam criticar a menos que “mandados”. Já não há espírito de missão nem a profissão pode ser levada a sério. Portugal nunca foi um país de “jornalismo de investigação”, agora ainda menos. A sociedade civil não se pronuncia e os jornalistas raramente o fazem. Os que querem ser esclarecidos contentam-se com o mundo “underground” dos blogues e das “fake news” que muitas vezes nem o são, assim como as teorias da conspiração que os donos disto tudo propagam para desacreditar essas mesmas teorias. O progresso tecnológico galopante, nas últimas décadas, permitiu um acesso alargado à informação, mas as pessoas estão menos informadas. Vive-se a miragem da multiplicidade de canais, um excesso de “infoentretenimento) que retira o tempo e capacidade para discernir. Os telejornais são decalcados uns dos outros, só os apresentadores e a ordem das notícias muda. Os grandes grupos económicos que dominam os meios de comunicação (e os livreiros) promovem um cartel monopolizador da “verdade”, onde a independência e isenção são palavras vãs que se arriscam – em qualquer momento – a serem trucidadas. Os assalariados (leia-se jornalistas) hipoteticamente livres para escreverem sobre qualquer assunto, de qualquer forma ou feitio, só serão publicados se o conteúdo for conveniente aos interesses dos donos (leia-se patrões). Este tipo de censura é a pior. Cresceu incomensuravelmente e já me preocupava em meados de 80 na Austrália. É quase invisível. Mais brutal que o velho “lápis azul” do SNI que eliminou muitas das 100 páginas do meu primeiro livro de poesia em 1972 (Crónica do Quotidiano Inútil) para ficar elegantemente reduzido a 32.