honra ao perito no santo cristo

Luisa Câmara
17 de Maio às 13:47 ·
Vale a pena ler e perceber o que por aí anda de intelectuais “novos”que por vezes se esquecem talvez de estudar …
Hugo Moreira é um nome maior no culto ao Santo Cristo
Não tenho dúvidas em afirmar que ninguém na nossa terra investigou mais, estudou mais e soube mais sobre o Santuário/Convento de Nossa Senhora da Esperança, sobre o culto ao Senhor Santo Cristo dos Milagres e sobre Madre Teresa d’Anunciada do que o saudoso e ilustre historiador e genealogista micaelense dr. Hugo Moreira. Se alguém ousar dizer o contrário comete uma imensa injustiça e uma enorme ingratidão.
Hugo Moreira, que nasceu em 1918 em Ponta Delgada e faleceu em 2001, foi aluno do velho Liceu Nacional desta cidade. Após completar o curso liceal, ingressou na Administração Pública, passando pelos Serviços Florestais, Instituto Geográfico/Cadastral e Instituto de Estatística. Mais tarde licenciou-se em História e Ciências Sociais na Universidade dos Açores (então ainda com a designação de Instituto Universitário dos Açores), onde fez também uma pós-graduação como técnico de Arquivos e Bibliotecas. Acabou, muito justamente, como diretor da Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada, instituição cultural que, de resto, conhecia muito bem, pois ali desenvolveu durante décadas muita investigação, nomeadamente, sobre História e Genealogia. Foi, de facto, um investigador incansável e muito rigoroso. Associando essa qualidade à de grande devoto do Senhor Santo Cristo dos Milagres, dedicou muitas e muitas horas a investigar e a estudar tudo o que se relaciona com o referido culto, nomeadamente o Convento, o Santuário e a vida de Madre Teresa d´Anunciada, a impulsionadora dessa impressionante manifestação de fé, com mais de 300 anos.
Os valiosos trabalhos de Hugo Moreira sobre essa matéria tão da sua predileção, que estavam dispersos em jornais e revistas, foram reunidos num livro com o título “O Convento de Nossa Senhora da Esperança – Imagem e Culto do Senhor Santo Cristo dos Milagres – colectânea de artigos”, editado em 2000, por oportuna iniciativa e feliz patrocínio da Irmandade do Senhor Santo Cristo dos Milagres, prestando, assim, uma homenagem ao autor, que, de resto, foi membro dessa associação de fiéis, com estatuto jurídico, canónico e civil, que tem como principal objectivo promover e divulgar o culto ao Senhor Santo Cristo dos Milagres. Essa obra é o que há de mais vasto e completo sobre a temática em causa. Repito e realço: essa obra é o que há de mais vasto e completo sobre a temática em causa. Outros historiadores e investigadores históricos – nomeadamente, o dr. Luís Bernardo Leite de Athayde, o dr. João Bernardo de Oliveira Rodrigues e o professor Luciano de Resende Mota Vieira – interessaram-se também pelo assunto, é verdade, mas nenhum deles foi tão longe quanto o dr. Hugo Moreira, um nome ilustre de intelectual micaelense, açoriano e português que não poderá, de modo algum, ser esquecido ou menorizado.
Apesar de o dr. Hugo Moreira possivelmente não ter esgotado o assunto quanto à temática de tudo o que se relaciona com o Senhor Santo Cristo dos Milagres, pois naturalmente novos elementos históricos poderão ser sempre descobertos, parece óbvio que será muito difícil alguém, por mais mérito que possa ter, superar o trabalho que ele deixou, pela sua profundidade, amplitude e rigor.
Nas celebrações e iniciativas que se têm realizado nos últimos dias sobre e a propósito do culto ao Senhor Santo Cristo dos Milagres não vi ou não me apercebi de qualquer referência ao dr. Hugo Moreira, que tive a honra de conhecer pessoalmente. O objectivo deste modesto artigo é precisamente lembrar o seu nome e evidenciar a extraordinária obra que nos deixou, fruto da sua meticulosa investigação e da sua vincada seriedade intelectual. A História não pode ser reescrita e não podem ser ignorados os grandes valores da nossa terra!
Não resisto em contar aqui um episódio a que assisti protagonizado pelo notável investigador histórico e distinto genealogista dr. Hugo Moreira. Há muitos anos, num dia à noite, na sala de leitura da Biblioteca Pública de Ponta Delgada, ainda na Rua Ernesto do Canto, de repente ele levantou-se da cadeira exultando de alegria porque, como explicou, tinha finalmente encontrado, após muita procura, um elemento relacionado com a vida pessoal e familiar da rica morgada Helena Vitória Máxima da Câmara e Noronha Machado de Faria e Maia (1778-1867), que está na origem da conhecida e numerosa família Machado de Faria e Maia ou apenas Faria e Maia. Penso que o atual provedor da Irmandade do Senhor Santo Cristo dos Milagres, Carlos Alberto da Costa Faria e Maia, pertence a essa família, que ao longo das gerações produziu muitos intelectuais, políticos e empresários, entre outros. Através de dois casamentos – primeiramente com Bernardo António Cymbron Borges de Sousa e depois com Vicente José Ferreira Cardoso da Costa -, penso que Helena Vitória teve 14 filhos, todos com os sobrenomes Machado de Faria e Maia. “Esta senhora tem-me dado muito trabalho”, realçou Hugo Moreira, num misto de felicidade e de humor, tão à sua maneira de ser. Esse momento mostra bem como ele levava com muita determinação as suas pesquisas históricas e genealógicas. Ele assumiu o estudo como uma missão da sua vida, pelo que a sua memória merece o maior respeito e a mais sentida consideração.
Do seu longo e intenso trabalho de investigador ficámos apenas em forma de livro com a obra de incontornável referência “O Convento de Nossa Senhora da Esperança – Imagem e Culto do Senhor Santo Cristo dos Milagres – colectânea de artigos”, já acima citada. Todo o outro rico manancial de informação histórica e genealógica que ele recolheu e escreveu ao longo de muitos anos encontra-se à guarda da Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada. Esse rico material histórico merece ser trabalhado e também reunido em livro ou livros, tal a sua amplitude e óbvio interesse.
Muito obrigado, dr. Hugo Moreira, por ter sido tão genuinamente açoriano e tão defensor das riquezas patrimoniais da nossa terra! Que o seu louvável exemplo sirva de lição e seja seguido por todos, nomeadamente por aqueles que pensam que sabem tudo e que podem fazer quase tudo, atentando, por vezes, contra património de séculos, como, infelizmente, temos visto. Ele hoje não exultaria de alegria perante certos factos, antes daria certamente uns gritos de justificada e viva indignação.
Tomás Quental Mota Vieira
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