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Rosélio Reis
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Ângela Loura
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O Rapaz de Veludo:
Francisco Enes Pereira
Confesso que aquelas lápides, de que pus aqui as fotografias, que estão ao abandono no cemitério de Vila do Porto, nunca mais me saíram do pensamento. Já as tinha visto há anos e nunca cheguei a perceber o seu significado.
Há dias resolvi escrever aqui um artigo sobre o Cemitério dos Americanos e pensei que as lápides pudessem ter alguma ligação com o assunto. Fui ao cemitério e, para minha surpresa, estavam ainda no mesmo sítio. Só que eram nomes portugueses e não tinham absolutamente nada a ver com o cemitério dos americanos.
Mas não foi tudo em vão. A Ângela Loura, uma investigadora de arquivos históricos antigos, viu o meu artigo e esclareceu-me. Dois daqueles senhores morreram afogados na nossa Prainha. O Francisco Enes Pereira era radiotelegrafista e o Luis Lopes Pinto Gomes era teletipista, e tinham chegado a Santa Maria há três ou quatro meses para trabalhar no aeroporto. Vim a saber que um deles, o Francisco Enes Pereira, tinha apenas vinte anos de idade e que era natural de Montedor, Carreço, Viana do Castelo. Pelos vistos era muito querido da população daquele sítio. Reconheciam-lhe alma de poeta embora fosse de tenra idade.
No jornal paroquial “Voz de Carreço” de Outubro de 1968 há um artigo muito interessante sobre ele, escrito quase 20 anos depois da sua morte. Ainda não estava esquecido e o artigo que publicaram é disso uma grande prova. Ali Adalberto S. Enes, depois de fazer um relato do que eram as festas no tempo do Francisco a cantar e a declamar, e da alegria que espalhava entre os colegas de mocidade, recorda que as festas depois do passamento do amigo já não tinham a mesma alegria.
“Tinha-se perdido um cantor, um poeta, um homem grande ainda muito novo, mas que ficará com os seus poemas que tanto cantou na sua terra que sempre amou.”
“Morreu nos Açores” – não refere a ilha de Santa Maria – “onde estava no início da carreira.”
E continua:
“Passados anos víamos chegar à estação de Montedor – onde não só chegam os vivos e a alegria – os restos mortais do nosso amigo de infância. Descrever, embora em transição momentânea, o que nos passou pelo cérebro vendo-o na vida que foi e no momento a que assistíamos, seria dramaticamente intolerável para o leitor.”
Maria Manuela Couto Viana, a famosa atriz, declamadora e escritora, natural também de Viana do Castelo, era amiga do Francisco. No seu “Romance do Rapaz de Veludo” refere-se a “uma despedida no seu pobre entender. Uma morte abstrata. Talvez de um tempo. Talvez do próprio tempo! E na última quadra, a autora confessa a sua dúvida:
“Minha noite de Ameaça
O meu punhal de ciúme,
Só não sei se foi o mar,
Se fui eu que o matara”
Também Pedro Homem de Melo, poeta, professor e folclorista português, dedicou-lhe este texto:
“FRANCISCO
Trazia-nos o mar quando cantava…
Era seu canto a própria maresia!
Contudo, em sua boca, uma flor brava –
Rosa de carne – à terra, ainda o prendia.
Nos seus dedos, as sombras das gaivotas
Poisavam sem poisar…
Mastro perdido! Inverosímeis rotas
Que nunca mais hão-de recomeçar!
Seria frágil? Sim, porque era forte.
Seria bom? Não sei… mas era puro.
Tinha a beleza que anuncia a morte
Do lírio prematuro.
Quadril enxuto. E o peito? – Asas redondas
Com que se voa mais que se respira!
Corpo de efebo no cristal das ondas.
Em vez de vermes, algas de safira…”
Não sei que atenção lhe dedicaram os marienses aquando desse falecimento. Mas aquela romagem é prova de que não passou em claro. E, da parte que me cabe neste processo, fico finalmente em paz com a minha consciência.
Dos outros dois falecidos não consegui saber mais nada. Suponho que também seriam colegas de serviço. Mas nem as várias horas de pesquisa que passei na internet me trouxeram alguma informação.


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- Parabéns
Roselio,valeu a pena pesquisar,que eles estejam em Paz.
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