HAVERÁ ACORDO?

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Paz em tempos de guerra.
Notam-se tímidos sinais de paz. O caminho está encetado.
A China, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, declarou estar disponível para promover as negociações de paz e ser mediadora no conflito.
Não se consegue pensar em melhor mediador.
Zelenskii, numa entrevista à estação de televisão ABC News, afirmou ser possível um compromisso para a Crimeia e para o Donbass (que integra as regiões separatistas de Lugansk e Donetsk).
Declarou igualmente um recuo na sua pretensão de adesão da Ucrânia à NATO.
Desde o início ficou clara, para quem quis dar atenção aos antecedentes desta guerra, a importância da possibilidade de adesão à NATO na infeliz decisão de Putin.
Do lado de Putin – e atendendo à lista de condições para a paz que a Rússia deu a conhecer – parece ter existido a desistência da suposta desnazificação e a concretização da solução pacífica assente nos exatos pontos (apesar de em moldes diferentes) que Zelenskii referiu na entrevista;
Putin insiste no reconhecimento da independência das regiões separatistas e numa revisão constitucional que impeça a Ucrânia de aderir à NATO, ficando obrigada a manter a sua neutralidade.
Parece que nada é dito sobre a UE, o que indicia que poderá ser mais uma razão de entendimento.
A Ucrânia pretendia essa adesão.
Falta muito para um entendimento e existem claros sinais que apontam para a intensificação do conflito.
Mas hoje vamos continuar a falar sobre a possibilidade da paz.
Ela pode chegar só depois de mais mortes e de mais destruição, mas acabará sempre por chegar.
Diz-se no ditado: “Não há bem que sempre dure, não há mal que não se acabe”.
Esta expressão da sabedoria popular parece indicar que o futuro é mais risonho para quem está mal do que para quem está bem.
É certo que traz bom augúrio para quem mais precisa.
O bom senso costuma exigir que se privilegiem os esforços para a paz; que seja valorizado cada pequeno avanço.
Por estranho que pareça este é um tema entre nós.
E é também esse o tema aqui e não uma qualquer adivinhação acerca do bom ou mau desfecho destas negociações: porque é que tão poucos acreditam nas negociações?
Porque se nota apego pela ideia da derrota militar de Putin em detrimento da solução pacífica?
Dá-se o improvável: quem está envolvido no conflito parece estar disposto a negociar.
Quem assiste não.
As negociações para a paz contrariam o princípio da maldade intrínseca e gratuita de uma das partes.
Assim sendo, contrariam quem a tem defendido.
As pessoas ficam de facto reféns das posições que defendem e ninguém gosta de perder.
Agora reparem que este é o princípio que leva à guerra e que a agudiza.
Na guerra existe sempre um derrotado, numa negociação não pode, e não deve, ser assim
Não obstante o conflito que está a decorrer, as partes entregam esforços a um propósito conciliatório.
E as negociações têm implícitas cedências.
Existe aqui a frágil possibilidade de ceder sem perder.
Uma negociação deve distinguir-se da antecipação dos resultados práticos de uma derrota.
Na guerra existe sempre um derrotado, numa negociação não pode, e não deve, ser assim.
O caminho instintivo de cada um é o da guerra, o de fazer valer as suas razões.
É sabido que quem quer ter sempre razão quase nunca tem paz.
Mas este caminho é possível, e pode até ser meritório, a nível individual.
Nada a corrigir.
Só que as soluções individuais são perigosas quando trazidas ao nível colectivo.
Recordar um excerto da Fábula das Abelhas, de Bernard Mandeville:
“Todos os dias se cometiam delitos nessa colmeia (…).
Mas nem por isso a colmeia era menos próspera porque os vícios dos particulares contribuíam para a felicidade pública”.
Será talvez o melhor a que conseguimos chegar como grupo.
Um mundo em que os nossos defeitos privados se diluem na harmonia da vida colectiva.
Salve-se essa parte.
Em tempos de paz houve quem se preparasse para a guerra.
Pois agora é justo e consolador ver que, em tempos de guerra, existe quem se prepara para a paz.
Novamente um bom augúrio para quem mais precisa.
Carmo Afonso.
Jornal Público, 9 de Março de 2022.
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2 comments
  • Helder Fernando

    Oxalá a China seja mediadora. É a única potência capaz de travar um imbecil perigosissimo como Putin.