HABITAR NA VELHICE, TERESA TOMÉ

Views: 0

Teresa Tomé shared her first post.

Habitar na Velhice
Tudo na “Vida” tem um propósito e não posso deixar de pensar no propósito de tantas mortes em Lares de idosos, começando pelo caso mais próximo dos Açorianos no Lar do Nordeste. Dos treze casos mortais da Covid nos Açores, nove ocorreram na residência para idosos do Nordeste.
Em Portugal, até agora, quarenta por cento da mortalidade provocada por este vírus verificou-se em Lares de idosos. Países houve em que se atingiram para já taxas de cinquenta por cento.
Alguma coisa está mal!
Alguma coisa precisa de ser mudado, para que nunca mais algo de semelhante possa repetir-se.
Há alguns anos atrás visitei uma destas instituições na Califórnia. No decurso da minha profissão de jornalista, fui lá entrevistar a mãe de um proeminente Senador português. Numa primeira impressão não pude deixar de ficar impressionada com o luxo que marcava tanto o exterior como o interior do edifício. Fomos próximo da hora do chá e muitos dos idosos esperavam em áreas comuns a hora da abertura da sala de jantar, onde empregados de casaco branco e luvas preparava um requintado serviço de mesa. Uma das pessoas que me acompanhava, comentou com um dos residentes: – Isto é que é vida! Ao que este respondeu: – Um! Estamos aqui à espera da morte!
A morte faz parte da vida, mas passar a vida a esperar a morte!?
A boa impressão caiu por terra!
À medida que a minha própria idade avança e especialmente agora com estes números catastróficos de mortalidade Covid, não consigo parar de pensar no assunto.
É preciso repensar a forma de habitar na velhice e é urgente promover um amplo debate social que nos inspire a encontrar formas de acabar com estas antecâmaras da morte. Numa entrevista recente à TVI, o cardeal D. Tolentino Mendonça, chamou aos Lares: – “parques de estacionamento para a morte.”
Talvez, tudo passe, por voltar a atribuir valor aos idosos, porque segrega-los em instituições, por Deus, começa a estar provado que não o é.
Ao longo dos tempos, os membros mais idosos das sociedades mantiveram-se integrados no seio das sociedades. Os idosos eram respeitados por possuidores de um valor absoluto importante, a experiência. Constituíam mesmo a classe dominante, em termos de detenção do poder e da tomada de decisões dos grupos, fosse nas famílias, fosse até mesmo na governação das sociedades. Eram os “anciãos” e a palavra revestia-se de uma forte conotação apreciativa, muito diferente do sem valor “idoso”, para já não falar do “velho”, que caiu no domínio de não pronunciável numa sociedade cheia de hipocrisia, que se retrai quando se trata de chamar os bois pelos nomes.
Em tempos ainda bastante recentes os anciãos mantinham a sua condição social de um modo compatível com a progressiva deterioração física até praticamente ao momento da morte. Realizavam tarefas que exigiam capacidade física durante bastante tempo e só mais tarde passavam a contar com a ajuda dos membros mais jovens da comunidade os quais, passavam então a assisti-los.
A partir da Revolução Industrial, sobretudo nas sociedades mais avançadas, produziram-se alterações sociais e familiares de monta que progressivamente conduziram a uma diminuição do valor intrínseco dos idosos. A produção e a administração da sociedade passou a ser responsabilidade dos grupos mais jovens e estes deixaram de ter disponibilidade para tratar dos idosos.
A este fator veio adicionar-se um grande aumento na esperança de vida média, decorrente dos avanços da medicina e em poucos anos, deparamo-nos com o aparecimento, de uma nova classe dentro dos grupos sociais estabelecidos. Pessoas habituadas a terem vidas independentes às quais já não lhes passa pela cabeça habitarem com os filhos novamente. Trata-se de um grupo de pessoas já afastadas da vida ativa mas ainda com muitos anos de vida pela frente – os reformados – os pré-habitantes dos lares de idosos. Aqui, começa um verdadeiro drama social, pois na maior parte dos casos, os reformados não sabem o que fazer consigo próprios. Quando têm poder económico viajam, fazem exercício físico, dedicam-se a um sem número de atividades, entre as quais, se torna imprescindível o convívio social, o manter a mente ativa, blá, blá, mas no meio de tudo isto, que no fundo não representa nenhum desafio realmente válido, a entropia espreita e mais velozmente do que se pensa instala-se, primeiro insidiosamente nas mentes e depois nos corpos, por muito estilo de vida saudável que se pratique. No fundo as pessoas começam por não se sentir uteis, numa sociedade que na realidade deixou de as valorizar.
Daí aos lares de idosos mesmo que de cinco estrelas vai um curtíssimo passo.
E, agora, pergunto.
Como pode sentir-se um idoso que foi lavrador toda a vida e viu as plantas crescer e desafiou ventos e tempestades para ajudar a alimentar o mundo, ver-se confinado às quatro paredes de um lar, ao baralho de cartas e à Televisão?
Como pode um comerciante habituado a ser criativo para conseguir obter e vender os seus produtos, ver-se de súbito atirado a um canto, nas mais das vezes esquecido pela família e amigos que vão morrendo?
Como pode uma professora, habituada a ensinar os alunos, ver que todo o conhecimento de uma vida perdeu valor e que já ninguém quer saber dele para nada.
Como pode um médico, um engenheiro, um qualquer profissional liberal, ver-se rotulado a zero na estatística da vida?
A lista é interminável.
E, o que peço por tudo aos novos é que se deixem de hipocrisias. Os velhos não precisam disso. O que os velhos precisam é de reformas de fundo, que levam a sociedade a perceber que existe um novo grupo social que precisa de ser levado a sério, que volte a contar com a sua experiencia para o todo da humanidade.
De outra forma, não é preciso que venha nenhum Covid para os matar, pois eles já estão mortos.
O Conceito de “Instituição necessária” precisa de acabar e ser substituído.
Que a doença do Covid 19 que tornou tão presente o conceito de confinamento possa lembrar à sociedade que os idosos desde há muito já estavam confinados.
Ainda o outro dia alguém contou que tinha telefonado à avó de noventa anos para saber como estava a lidar com o confinamento ao que esta terá respondido: – Ó, filha, há já muitos anos que eu vivo confinada.
Por este exemplo, tantas vezes replicado nas nossas sociedades, tomamos consciência do “confinamento” sem esperança a que os velhos estão votados.
Por sua vez, o conceito de residência para pessoas idosas implica uma dualidade em si própria; por um lado é uma habitação, logo tem uma condição residencial, e, por outro, tem uma condição de assistência em muitos casos hospitalar, coisa que ninguém gosta.
Os espaços arquitetónicos mudam e condicionam a vida das pessoas. Seria bom que cada vez mais se inspirassem na vida normal dos restantes membros da sociedade.
Muitos exemplos poderiam ser dados, aqui deixo um que pode servir como ponto de partida para o início daquilo que precisa ser objeto de um amplo debate social.
Aproveitando antigos conceitos de vizinhança, poder-se-ia definir ou organizar um outro de bairro interligado. Todas as moradias em rede digital e sempre que possível, uma ou duas residências comunitárias aonde se pudessem desenvolver atividades em conjunto e inter geracionais. Tantos recursos despendidos em ATL´s, e tantos avós, desejosos de adotar, que desejariam ter e não têm netos. Tanta gente com vontade de ajudar e não sabe onde está aquele que precisa de ajuda, a lista torna-se interminável, se quisermos.
Em locais onde estes conceitos já existem tem-se verificado uma grande presteza e vontade de ajudar dos integrantes da comunidade virtual. Todas as solicitações ao longo do mês, são prontamente atendidas e surgem muitos casos espontâneos de pessoas que se disponibilizam para ajudar.
A Comunidade vai-se dotando de instituições próprias, por exemplo de um jornal, onde se relatam as atividades, os anseios, dificuldades e sucessos de cada um e do conjunto. A criatividade é enorme e atinge numerosos sectores até a da oração em conjunto pelas intenções dos membros que atravessam dificuldades.
É com este pensamento, de união, presteza, colaboração e integração que termino por ora esta reflexão na esperança de que ela possa ajudar a lançar um novo olhar sobre as nossas comunidades e a dar sentido ao sacrifício de tantos velhos que estão partindo.

Image may contain: one or more people