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Há uma vaga no país…
Como muitos os que aqui seguem esta página sabem sou filha de dois engenheiros florestais. Isso não me torna especialista em árvores, naturalmente, como cientista social o meu contributo é outro – como as relações económicas, sociais e laborais determinam as opções desastrosas da monocultura do eucalipto e da agricultura intensiva. Os meus pais porém sabem qualquer coisa de florestas, clima, território, além de pensarem a sociedade como um todo (coisa que ainda há gente das ciências exactas e das engenharias a fazer, pensar socialmente). A minha mãe é uma das especialistas mundiais do sobreiro, e ainda vai com 70 anos em missões da FAO para as montanhas da Argélia (Carolina Varela), o meu pai (Fernando Varela) foi subsecretário de Estado da agricultura, fez entre outros o Plano de Reflorestação de Monchique, e escreveu dezenas de artigos, muitos públicos nos jornais, sobre o eucalipto, a floresta, o ordenamento do território e o abandono agrícola. Quem o conhece sabe que vai de olhos fechados de Setúbal ao Algarve quase por terra batida, não precisa de GPS (a rigor deve confessar que nunca teve telemóvel smart ou computador). Qualquer um deles, como grande parte dos da escola deles, da idade deles, olha a floresta como um todo, incorporando saberes sociais e económicos, geografia humana. A luta contra a eucaliptalização do país marcou opções laborais e política dos dois, que fizeram uma carreira impoluta no Estado, em defesa do interesse público.
O que ele comenta sobre este inferno é impublicável…Devem sentir o mesmo que os médicos que construíram o SNS e vêm os seus escombros. Raiva, desilusão, impotência. Quando foi Pedrógão e pouco depois Monchique disse-me, e publico-o com a sua autorização, “em breve podem começar a arder cidades, Coimbra, Viseu, entre outras estão em risco, não vão ser só aldeias”. Porque, explica, é cada vez maior o abandono agrícola e a mancha de eucalipto. Ou se para com o eucalipto e se faz políticas agrícolas de fixação de culturas sustentáveis, que servem de barreiras naturais à progressão dos fogos, ou todos nós estamos em risco. É o que ele e uma dúzia de grandes técnicos que este país teve (e tem, sem serem ouvidos) defendem. Regou-se o país com gasolina – abandono agrícola mais eucalipto. Hoje abri a TV e vejo Almancil, Palmela, o inferno na terra. As cidades rodeadas pelo fogo. Até quando vamos acusar o tempo quente e natureza pelos erros humanos económicos?
Escrevi isto em 2017: ” Ribeiro Teles, Gomes Guerreiro, Azevedo Gomes, Maria Carolina Varela, Eugénio Sequeira, Jorge Paiva, Fernando Varela, Fernando Henriques (que foi para o MIT), Tito Costa. Fazem parte dos defensores das florestas em Portugal, do campo, de uma economia para as pessoas, que foram proscritos pelas celuloses, foram, como disse Jorge Paiva no Público, «vilipendiados, cilindrados» por defenderem os serviços florestais que antes de serem extintos já estavam destruídos pelo velho método – arrasar com o mérito ou transferi-lo para o sector privado. É isto que se passa com a gestão das florestas, dizem eles que sabem. “
Há uma vaga no país, que dura há 40 anos, que surfa negócios e mediocridade política, leva-nos ano após ano ao inferno.
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