há quem acredite que antes dos Portugueses ninguém navegava por estas águas?

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Partilho o meu artigo de opinião em resposta ao do arqueólogo André Donas-Botto, publicado no jornal Diário Insular.
Tem como título: “Argumentum ad nauseam”.

Um arqueólogo de Coimbra, André Donas-Botto, publicou recentemente no jornal Diário Insular um artigo de opinião criticando a Doutora Antonieta Costa e o senhor Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, que como toda a gente sabe não precisam que os socorra. Este meu artigo de opinião surge porque o autor faz um conjunto de insinuações que não posso deixar passar em claro.
O título do artigo em latim era “Quae Sunt Caesaris Caesari”, que facilmente se percebe que significa “A César o que é de César”, e que em última análise advoga para si e para a sua classe profissional a exclusividade de se pronunciar sobre o passado seja do que for. Isso tem sido tanta vez repetido que me fez lembrar a expressão, também em latim, do “Argumentum ad nauseam”, que é usada quando a argumentação é feita por repetição, consistindo em repetir insistentemente a mesma afirmação até o ponto de, metaforicamente, provocar náusea.
Uma das coisas que se repete insistentemente e o que Donas-Botto afirma é que: “Ora, até ao momento em que escrevo estas linhas, nenhuma prova científica, devidamente acreditada por especialistas da área, foi apresentada, com recurso às metodologias vigentes, permitindo atestar uma presença humana, anterior à chegada dos portugueses, nos Açores.”.
Essa afirmação exige que o autor clarifique o seu conceito de prova científica. Se uma prova científica é algo mensurável e passível de averiguação a qualquer momento pelos processos e instrumentos de controle, teóricos e práticos, então existem pelo menos quatro provas científicas disso: Quatro datações realizadas no âmbito de diversos trabalhos científicos (duas na ilha Terceira; uma em São Miguel e outra na ilha do Pico). Talvez o autor não concorde que provas científicas recolhidas no âmbito de investigações científicas em áreas que não são as dele sejam provas “creditadas” e que teria que ser ele ou alguém que ele conhece a creditar tais provas. Mas também é evidente que ele ou qualquer outro as pode creditar na área da arqueologia: Vai para o campo, apanha as mesmas amostras, manda-as datar e verifica se há aí ou não algum erro analítico. Na ausência desse trabalho, não interessa que seja arqueólogo ou aviador, o que não poderá dizer é que não existem provas científicas de que viveram pessoas pelo menos há 1000 anos na Terceira, que São Miguel tinha pessoas há pelo menos 750 anos e que no Pico viveram pessoas há pelo menos 1100 anos. Essas são idades mínimas para uma presença humana nos Açores.
Donas-Botto deveria ter feito o trabalho de casa e ter entrado na leitura de trabalhos científicos que são complexos para quem não é das áreas da física, química, paleontologia e palinologia.
De acordo com a lei, um critério objetivo para ser perito ou haver a intervenção de um perito, é quando os “factos reclamam conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina”. Os autores dos trabalhos que anteriormente referi (que têm datações) dominam várias dessas matérias e seria completamente improcedente que um biólogo chamasse um arqueólogo para o ajudar a identificar o pólen que encontrou ou que um físico chamasse um arqueólogo para o ensinar a fazer uma datação absoluta. É engraçado que o autor não refira, que efetivamente nalgumas investigações levadas a cabo no arquipélago, houve intervenção de arqueólogos, mas esses aparentemente não contam porque não tiveram o “agrément” do seu grupo preferido.
Em qualquer situação, qualquer pessoa pode contrariar uma valoração ou um conjunto de análises, mas para isso terá que fundamentar as divergências com argumentos técnicos ou científicos equiparados aos dos trabalhos, ou seja, fazendo uma crítica da mesma natureza material e científica/analítica e não com retórica ou pressupostos.
Qualquer perito oficial pode ser substituído, de acordo com a lei, se não apresentar provas do que diz ou tiver uma conduta negligente. Nem todos os professores são bons profissionais, nem todos os médicos são bons profissionais, nem todos os advogados são bons profissionais e nem todos os arqueólogos são bons profissionais.
Diz Donas-Botto que “Assistimos, portanto, a um conjunto de afirmações que comprovam um total desconhecimento da legislação, em vigor desde 2004, na Região, mas que é suplantado pela preocupação apresentada, a determinado momento pelo valor das coimas aplicadas a quem não cumpre as normas que regem os bens patrimoniais, sendo esta última, talvez um reflexo ou assunção pública de que alguns trabalhos realizados foram, de facto, ilegais”. Aqui o autor dá a entender que os trabalhos de sinalização de “coisas” ou de datações que têm sido realizados têm o seu quê de ilegalidade, como se alguma lei existisse que proíba as pessoas de olhar, interpretar ou analisar aquilo que ele e o seu grupo dizem que não tem qualquer valor ou importância.
Levanto aqui uma questão que também me parece ser pertinente: Porque não aplicar coimas àqueles que teimam numa não existência, quando fica provado cientificamente que essas coisas existem?
Preocupa-o a preservação do património, mas nega a sua existência. Então quem é que protege o património? O arqueólogo que nada faz e nega a sua existência, ou aqueles que assumem que é importante e tentam estudá-lo?
Creio ser sempre oportuno não se utilizar o argumentum ad nauseam para contradizer hipóteses ou resultados. A grande maioria das pessoas não está interessada em ser arqueóloga, mas também não está interessada em ter arqueólogo(a)s sempre debaixo dos pés a afirmar constantemente “eu e os meus amigos somos os únicos capazes de ver, mas aqui não vemos nada”. Se não veem nada porque se preocupam? Se não veem nada para quê insistir que se tem de chamar esses arqueólogos que nada veem para estudar coisas que não existem?

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