HÁ 4 ANOS O QUE É A LUSOFONIA, nos 20 anos da CPLP, julho 2017

1.1. O QUE É A LUSOFONIA, nos 20 anos da CPLP, julho 2017

 

“Não tenho culpa de ter nascido em Portugal e exijo uma pátria que me mereça” (Almada Negreiros)

 

Escrever é fácil: comece com uma maiúscula e termine com um ponto final. No meio, coloque ideias. (Pablo Neruda)

 

“Somos um grande povo de heróis adiados, partimos a cara a todos os ausentes…somos incapazes de revolta e agitação… (Fernando Pessoa,”Obras em Prosa”, Círculo dos Leitores, III vol. p. 292)

 

1.

Vivi, convivi e aprendo ainda a coabitar com lusofalantes, dos Orientes exóticos “Que o Sol em nascendo vê primeiro” [Divisa de Timor Português em eras coloniais} que mitos salazarentos criaram aos orientes menos exóticos que a revolução do 25 de abril (1974) esqueceu. Pugno pelos filhos que falam português qualquer que seja o país em que nasceram ou vivem, mas constato que encontrei mais estrangeiros interessados em apoiar iniciativas de preservação da língua portuguesa do que nativos da mesma. Criamos novos mundos e redescobrimos outros, sem jamais identificarmos a mesquinhez desta nossa maneira de ser que nos faz sentir grandes – talvez até maior do que somos, quem sabe? Agora que o grande desafio do século XXI nos confronta maior que um Adamastor, importa afirmar aquilo que imodestamente nunca fizemos, nem mesmo quando o Português era a língua franca de todos os comércios do mundo. Precisamos de manter viva a nossa língua e vamos precisar de todos, especialmente daqueles que forem capazes por artes e engenhos de assumir iniciativas arrojadas: que o façam sem ser em busca de louvaminhas ou encómios, sem ser em busca da vã glória e fama fugaz de que se fazem tantas carreiras, sem ser em busca de usura ou lucro. É preciso gente dedicada, mesmo com fama e nome ou simplesmente anónimos como os trabalhadores que quotidianamente constroem o nosso meio ambiente. Não precisamos apenas de iniciativas arrojadas, mas revolucionárias, mesmo que os formatos sejam os tradicionais: simpósios, conferências, seminários, colóquios, ou o de meros boletins informativos (eletrónicos ou impressos), capazes de captar ouvintes e leitores com a língua de origem lusófona que adotamos ou queremos como nossa. Mesmo que sejam os políticos bem-intencionados, mas deles não queremos as vãs e bem-soantes palavras eleitoralistas que um qualquer vento dos votos levará, queremos trabalho e o cumprimento de décadas de promessas. Queremos uma política da língua, à semelhança doutros países, que permita a sua divulgação ampla como meio fundamental de manter a independência política, cultural e linguística. Só assim manteremos acesa esta chama com que comunicamos dos Algarves D’el-rei que já esquecemos, às Índias de Vice-reis que nossas nunca foram, a Timores de quem olvidamos a existência durante cinco séculos, às Goas. Malacas e Macaus de que apenas nos lembramos quando nos queremos sentir orgulhosamente beneficiários dessa herança portuguesa que é a língua. A essência do problema é manter a língua e a cultura vivas, não interessa onde nem como.

(in Mitos da Lusofonia Revista Agália 2002)

2.

Surgiu há anos uma proposta do Embaixador Professor Doutor José Augusto Seabra para a criação de uma Cidadania da Língua Portuguesa (no Mundo) que importa analisar, pois ela contém os germes do sucesso inerentes a todas as propostas radicais e inovadoras num país como Portugal, marcado por tradicionalismos avessos a mudanças. Para quê, esta cidadania? Para que todos os lusofalantes, independentemente de outros idiomas que outros idiomas que com a língua de Camões comunguem, possam identificar-se como uma entidade única e universal, importante, capaz de sobreviver a guerras, diásporas e outras tragédias que têm assolado os lusófonos. Quem são, o que fazem, o que pensam e sentem, qualquer que seja o local a que chamam terra mãe. Será que as línguas crioulas ou Pidgin e as indígenas se sobrepõem às outras? Porque o ensino do português é oficial quererá isso implicar que ele vai suplementar as línguas nativas? Quando seremos capazes de admitir como lusofalantes que a língua a que chamamos nossa só pode sobreviver se enriquecida por outras? Dura lição esta, para aqueles, que, segundo diz o escriba “deram novos mundos ao mundo”. Se não aceitarmos esta realidade multilingue das comunidades lusófonas, criamos o conceito de ter uma língua viva com o mesmo futuro do esperanto. Estas são as perguntas que aqui se põem e que alguém – que não eu – terá de responder. Estas são questões fundamentais para a sobrevivência da Língua Portuguesa, qualquer que seja o sotaque ou a origem do país a que chamamos nosso, mesmo que o não seja.

(in Lusofonia Agonia 1, Revista ELO on-line 2002-11-15)

3.

Ximenes Belo, pediu em Bragança um maior investimento dos governos de Portugal e Timor-Leste no ensino da língua portuguesa aos timorenses. Para o Prémio Nobel da Paz, o futuro do português, que os timorenses adotaram como língua oficial, depende dos dois governos, português e timorense, porque “há, naturalmente, vontade de aprender, de conservar, mas por outro lado precisa-se de ajuda e de políticas para a manutenção da língua em Timor-Leste”. “Tem havido apoio, mas é preciso investir mais e sobretudo investir nos timorenses, que haja mais professores de português, que haja mais bibliotecas, que haja, enfim, uma coisa intensa” disse, à margem da sessão de encerramento do IV Colóquio da Lusofonia, em Bragança, onde durante dois dias de debateu sobre a língua portuguesa em Timor-Leste. Para o antigo bispo de Dili “não chega” haver professores portugueses em Timor-Leste:”é preciso formar timorenses, é preciso criar bibliotecas, infraestruturas e, sobretudo, manter alguma rádio, televisão e diários para que se faça entrar a língua espontaneamente na mente das pessoas”. D. Ximenes Belo recordou depois ao auditório que os timorenses continuaram a batizar os filhos com nomes portugueses e a rezar e cantar em português, mesmo durante a proibição, entre 1975 e 1999, mas disse que a ocupação indonésia deixou marcas. “Vocês querem que os timorenses falem a vossa língua, mas os timorenses apanharam bofetadas, foram torturados por falarem a vossa língua”, disse. A disputa também de outras línguas, nomeadamente o inglês, compreende-se, na opinião de D. Ximenes Belo, que recordou que Timor está numa zona com vizinhos como a Austrália, Filipinas, Singapura, Tailândia, Hong-Kong, onde as pessoas falam esta língua. “Mas Timor foi sempre parcela especial com ligação a Portugal e mantendo o português constituiu uma dimensão própria daquela pequena nação”, considerou. Mesmo com o passado histórico de séculos de colonização portuguesa, D. Ximenes considera que o português não é tão fácil assim para os timorenses. “Os timorenses acham mais fácil o indonésio porque não tem conjugações, não é tão complicado como o português, mas é preciso apostar” afirmou. D. Ximenes Belo escusou-se a comentar questões políticas ou sociais do país, afirmando estar há três anos fora, em Moçambique, e ter “poucas notícias” (de Timor). Disse, no entanto, que a sua preocupação é que haja paz, tranquilidade e reconciliação em Timor e que os jovens tenham trabalho.

HFT. LUSA. Transcrito de in A propósito do 4º colóquio da lusofonia, Revista Agália 2005)

4.

Na abertura do 2º Colóquio da Lusofonia, em outubro de 2003 em Bragança, tentei alertar contra os fundamentalistas de várias cores que visam preservar uma visão estática da língua portuguesa que se opõem a quaisquer inovações da língua e às alterações que o novo dicionário da Academia de Ciências veio introduzir. Por outro lado, começam a existir movimentos ativos que podem levar a que o Português na sua variante Brasileira se emancipe. Creio ser apenas uma questão de tempo (dada a ausência duma política da Língua por parte de Portugal) para que o Brasileiro seja declarado língua e nessa altura o Português (europeu) estará condenado pois os 10 milhões de habitantes mais uns tantos milhares na Galiza (variante Galega) não serão suficientes para fazer frente a uma língua autónoma como a Brasileira com cerca de 200 milhões de falantes. Das ex-colónias portuguesas não se poderá contar com muito apoio dado o exíguo número de pessoas (para além das elites políticas dominantes) que domina a língua de Camões. Assim, a verificar-se (e creio ser só uma questão de tempo) a emancipação da variante brasileira a língua portuguesa europeia estará condenada a uma morte lenta associada a uma rápida diminuição e envelhecimento da população de Portugal que aponta para uns meros 7,5 milhões em 2050 contra os atuais 10,3 milhões. O que é preciso é que o povo se entenda, que os portugueses não se armem em detentores únicos da língua ou como temos ouvido como aqueles que falam o Português puro. Os tempos não estão para purezas nem para puritanismos, porque o português que se fala em Portugal varia da Bragança dos Colóquios aos Açores onde vivo atualmente. Todos falam Português e todos eles falam diferente de Norte a Sul, de Leste a Oeste. São lusofalantes todos aqueles que têm o Português como língua seja ela língua-mãe, língua de trabalho ou língua de estudo, vivam eles no Brasil, em Portugal nos PALOP, na Galiza, em Macau ou em qualquer outro lugar. Sejam eles nativos, naturais, nacionais ou não de qualquer um dos países lusófonos. A uniformização linguística, a redução a um mesmo denominador comum é castrante e limitadora. Ela inibe e retrai a natural expansão da língua e do conceito mais lato e abrangente da Lusofonia que professamos. O espaço dos Colóquios Anuais da Lusofonia é um espaço privilegiado de diálogo, de aprendizagem, de intercâmbio e partilha de ideias, opiniões, projetos por mais díspares ou antagónicos que possam aparentar. É esta a Lusofonia que defendo pois creio que é a única que permitirá que a Língua Portuguesa sobreviva nos próximos duzentos anos sem se fragmentar em pequenos e novos idiomas e variantes que, isoladamente pouco ou nenhum relevo terão. Se aceitarmos todas as variantes de Português sem as discriminarmos ou menosprezarmos, o Português poderá ser com o Inglês uma língua universal colorida por milhentos matizes da Austrália aos Estados Unidos, às Bermudas e à Índia. O Inglês é íngua universal, mas continuou unido com todas as suas variantes.

(in Mitos da Lusofonia, Jornal Primeiro de janeiro fev 2006)

Com a chegada em 2007 dos patronos Malaca Casteleiro (Academia de Ciências de Lisboa) e Evanildo Bechara (Academia Brasileira de Letras) chegou a altura de passarmos a uma fase mais atuante da nossa intervenção, como membros da sociedade civil numa área que o poder político descura e evita. Apraz-nos dentro da nossa independência e subsídio-independência, constatar o apoio de alguns politécnicos e universidades, que vem premiar o esforço abnegado e dedicado duma mão cheia de pessoas que acreditaram na vitalidade dum projeto sem paralelo no âmbito da Lusofonia. Esta noção de Lusofonia abrangente sem distinção de credos, raças, nacionalidades ou outros fatores de distinguo, tem-nos permitido congregar esforços e vontades, criando sinergias e desenvolvendo mecanismos em rede, sem paralelo. Falta apenas convencer os PALOP de que não somos nenhuma ameaça nem uma quinta coluna dum novo Império cultural, antes pelo contrário. Devemos aceitar a Lusofonia e todas as suas diversidades culturais sem exclusão que com a nossa podem coabitar.

(in Diário de Trás-os-Montes novembro 2007)

6.

Ressalto do historial dos Colóquios da Lusofonia a sua ação na divulgação da açorianidade literária ou de como ainda é possível concretizar utopias num esforço coletivo. Um exemplo da sociedade civil num projeto de Lusofonia sem distinção de credos, nacionalidades ou identidades culturais. Em 2001, os Colóquios brotaram do intuito de criar uma Cidadania da Língua, proposta radicalmente inovadora num país tradicionalista e avesso a mudanças. Queríamos que todos se irmanassem na Língua que nos une. Pretendíamos catapultar a Língua para a ribalta, numa frente comum, na realidade multilingue e multicultural das comunidades que a usam. A nossa noção de LUSOFONIA abarca os que falam, escrevem e trabalham a língua, independentemente da cor, credo, religião ou nacionalidade. Em 2010 passamos a associação cultural e científica sem fins lucrativos e, em dezembro de 2015 passamos a ser uma entidade cultural de utilidade pública. Cremos que podemos fazer a diferença, congregados em torno de uma ideia abstrata e utópica, a união pela mesma Língua. Partindo dela podemos criar pontes entre povos e culturas no seio da grande nação lusofalante, independentemente da nacionalidade, naturalidade ou ponto de residência. Desconheço quando, como ou porquê se usou o termo lusofonia pela primeira vez, mas quando cheguei da Austrália (a Portugal) fui desafiado pelo meu saudoso mentor, José Augusto Seabra, a desenvolver o seu projeto de Lusofalantes na Europa e no Mundo e aí nasceram os Colóquios da Lusofonia. Desde então, temos definido a nossa versão de Lusofonia como foi expresso ao longo destes últimos anos, em cada Colóquio. Esta visão é das mais abrangentes possíveis, e visa incluir todos numa Lusofonia que não tem de ser Lusofilia nem Lusografia e muito menos a Lusofolia que, por vezes, parece emanar da CPLP e outras entidades.

Ao aceitarem esta nossa visão muitas pontes se têm construído onde hoje só existem abismos, má vontade e falsos cognatos. Felizmente, temos encontrado pessoas capazes de operarem as mudanças. Só assim se explica que depois de José Augusto Seabra, hoje, os nossos patronos sejam Malaca Casteleiro (Academia das Ciências de Lisboa), Evanildo Bechara (Academia Brasileira de Letras) e a Academia Galega da Língua Portuguesa representada por Concha Rousia.

 

Depois, acrescentamos como SÓCIOS HONORÁRIOS E PATRONOS DOM XIMENES BELO EM 2015 E EM 2016 JOSÉ RAMOS-HORTA (os lusofalantes do Prémio Nobel da Paz 1996), a que se juntaram (em 2016) Vera Duarte da Academia Cabo-Verdiana de Letras e José Carlos Gentili da Academia de Letras de Brasília.

 

Aguardamos a adesão da Academia Angolana a este projeto. A Academia Angolana ainda não se junta a nós no 28º colóquio como estava previsto por motivos internos, mas promete fazê-lo em breve. O espaço dos Colóquios da Lusofonia é um espaço privilegiado de diálogo, de aprendizagem, de intercâmbio e partilha de ideias, opiniões, projetos por mais díspares ou antagónicos que possam aparentar. É esta a Lusofonia que defendemos como a única que permitirá que a Língua Portuguesa sobreviva nos próximos duzentos anos sem se fragmentar em pequenos e novos idiomas e variantes que, isoladamente pouco ou nenhum relevo terão.

J Chrys Chrystello preside à AICL-Colóquios da Lusofonia desde 2001