GEOLOGIA DO ALENTEJO

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UMA OUTRA VISÃO DO ALENTEJO
Como geólogo e alentejano, ocorreu-me dissertar, de forma simples, acessível ao comum dos meus concidadãos, acerca da natureza geológica da paisagem desta importante parcela do território que, em vez de lhe chamarmos Alentejo, deveríamos chamar-lhe Aquentejo, pois que é com o lado de cá do grande rio que nos identificamos.
Trata-se de uma visão bem menos divulgada do que as imensas no domínio da Literatura e outras referentes a diversas áreas do conhecimento, como sejam a História, a Etnografia, a Economia ou a Sociologia, mais do agrado da maioria dos agentes de cultura e dos media.
O Alentejo é a região mais rebaixada do que resta de uma velha cadeia de montanhas que da Alemanha se dirigia para ocidente, pela França e sul de Inglaterra, de onde arqueava para sul, pelo que é hoje a Península Ibérica, continuando-se por Marrocos, no norte de África, e pelo continente norte-americano, então ainda unido à Europa. Os Montes Apalaches, no leste do Canadá e dos Estados Unidos, representam a continuação dessa grande cadeia, hoje do outro lado do Atlântico.
Esta antiga cadeia ou conjunto montanhoso, talvez mais vasto e imponente do que os Alpes, foi a expressão de uma importante orogenia (do grego, “oros”, montanha; e “genesis”, origem), que uns geólogos baptizaram de Varisca, outros de Hercínica. Esta imensa convulsão que fechou um grande e antigo oceano e mudou a geografia do planeta, teve lugar em resultado do movimento das placas tectónicas, entre finais do Devónico (há cerca de 380 milhões de anos) e meados do Pérmico (há cerca de 280 milhões de anos), por enrugamento de sedimentos ainda mais antigos, depositados no dito oceano que então aqui existiu, em vez das terras que hoje pisamos.
O trabalho da erosão, na imensidade do tempo que se seguiu à formação desta grande cordilheira, acabou por destruí-la, reduzindo-a à superfície planáltica, bem definida na Península, que dá pelo nome de Meseta Ibérica, basculada para sudoeste, de que o Alentejo é, como se disse, a parte mais rebaixada. Nestes terrenos assim arrasados, onde persistem alguns relevos mais resistentes à erosão, são visíveis os vestígios da dita cadeia, representados pelas camadas rochosas intensamente deformadas.
Podemos afirmar que o Alentejo nasceu do mar há algumas centenas de milhões de anos, que conserva, no seu subsolo, as raízes da dita grande cadeia de montanhas saída desse mar e que é hoje, por vicissitudes várias, a região mais baixa e aplanada do país, a ponto de, em linguagem comum, se falar da planície alentejana, em contraste com o norte montanhoso.
Imagine o leitor um tempo imensamente antigo, de há mais de 600 milhões de anos. Nessa época a Península Ibérica não existia nem, sequer, grande parte da Europa. Tudo aqui era mar. Um grande e muito antigo oceano, nas margens do qual e no fundo do qual, durante milhões e milhões de anos, se acumularam milhares de metros de espessura de sedimentos oriundos das terras que dele emergiam ou que o limitavam, à semelhança do que está a acontecer em qualquer dos oceanos actuais. Tais sedimentos contêm fósseis dos seres vivos de então, todos eles indicadores do tempo e do ambiente marinho em que viveram.
Toda a gente fala da planície alentejana, dos intermináveis campos de trigo, da paisagem a perder de vista, da monotonia sem fim das estradas rectilíneas. Então como é que se pode dizer que estas terras faziam parte de uma cadeia montanhosa?
A resposta é só uma. Erosão!
Quando esta cadeia atingiu a sua maior imponência, ainda não havia Península Ibérica, nem tampouco a Europa. O que havia era um único e recém-formado supercontinente que reunia, coladas umas às outras, todas as antigas terras emersas. Foi bem no interior desse supercontinente, conhecido por Pangeia, que, durante muitos e muitos milhões de anos, teve lugar a maior parte da citada erosão. São, pois, as raízes desta cadeia de montanhas que constituem o subsolo da Europa central e ocidental, incluindo a Península Ibérica.
Do mesmo modo que um qualquer edifício em ruínas deixa, nas respectivas fundações, os testemunhos da sua existência, do mesmo modo que uma árvore cortada rente ao solo é testemunhada pela respectiva raiz cravada no terreno, também as montanhas deixam no subsolo as suas raízes e essas são, entre outras, as camadas rochosas (inicialmente horizontais) dobradas, pregueadas, fracturadas, deslocadas e esmagadas. São essas deformações, bem visíveis nos taludes das estradas ou nas arribas do litoral, que nos permitem imaginar os alterosos relevos que aqui existiram. Também os granitos são testemunhos desta cadeia. Gerados no fogo interior das suas entranhas, o afloramento destas rochas à superfície só foi possível porque a erosão varreu milhares de metros de espessura dos terrenos que lhes ficavam por cima e, portanto, os ocultavam.
Aos nossos olhos e à escala temporal das nossas vidas, a erosão é um fenómeno muito lento, quase imperceptível. Todavia, os muitos milhões de anos que nos separam da cadeia montanhosa que aqui tivemos, foram suficientes para a transformar numa vasta planura. Logo, este intervalo de tempo, uma pequena parte da história da Terra, é mais do que suficiente para justificar este “ver ao longe” da paisagem alentejana.
Foi no decorrer desta longa história que, como se disse atrás, começou no mar, há mais de 600 milhões de anos, que ficaram definidas as características do subsolo alentejano.
Foi nas margens desse mar que, há uns 400 milhões de anos, em regime de plataforma de tipo recifal, se acumularam as espessas camadas de calcário, posteriormente transformadas nos mármores das regiões de Estremoz – Borba – Vila Viçosa, pedra nobre cuja exploração representa a maior parcela de toda a indústria extractiva nacional.
Foi nesse mesmo mar que se acumularam milhares de metros de espessura de vasas de que resultaram os xistos e grauvaques que fazem a pobreza dos solos, ditos esqueléticos, alentejanos.
Foi também nesse mar que teve lugar importante actividade vulcânica que deu origem às enormes acumulações de pirites e outros sulfuretos metálicos, ao ouro e à prata, desde sempre intensamente explorados na Faixa Piritosa do Alentejo, unidade geológica que começa nas proximidades de Grândola, passa por Aljustrel e Neves-Corvo e se prolonga até Huelva, no país vizinho, depois de passar a fronteira em São Domingos.
Explicada a razão de ser da chamada “planície” alentejana e apontados os principais tipos de terrenos sobre os quais ela foi esculpida, deve acrescentar-se que nela persistem alguns relevos designados localmente por serras. Se a serra de S. Mamede, na vizinhança de Portalegre, com os seus 1025 metros de altitude, tem a sua expressão vigorosamente saliente na paisagem, outras, como por exemplo as serras de Grândola e de Portel, resumem-se a porções maiores ou menores de terreno levemente soerguidas acima da superfície geral. Tal é a visão do especialista.
Todavia, para o homem que escalou a pé todos estes acidentes do relevo, na luta que travou pela subsistência, quaisquer cem metros de desnível já lhe mereciam a classificação de serras. Não obstante a ideia generalizada de planície alentejana, que vem em muitos livros, nos jornais ou nas frases dos políticos, para o homem da terra o que não faltam aqui são serras. Marvão, Ossa, Monfurado, Adiça, Portel, Grândola, Vigia e Caldeirão são as mais salientes e conhecidas, de entre muitas outras serras, referenciadas na toponímia local.
Todas elas correspondem a elevações pontuais, essencialmente de dois tipos, separadas por extensas áreas aplanadas. Ou bem que são relevos residuais, resultantes da existência de rochas mais resistentes à erosão, como os quartzitos, o que se pode exemplificar com as serras de S. Mamede e de Alcaria Ruiva, ou correspondem a blocos de terrenos limitados por falhas e soerguidos, como se se tratasse de teclas de piano mais altas do que as restantes, como é, nomeadamente, o caso da serra de Grândola, face à falha do mesmo nome, que a limita a norte, e o da serra de Portel ou do Mendro, ladeada a sul pela falha da Vidigueira.
Na imagem, a discordância angular da Praia do Telheiro (Vila do Bispo). Sobre as camadas pregueadas do Carbonífero (que aqui exemplificam as raizes da grande cadeia de montanhas) assentam, em discordância, as damadas da base do Mesozoico (Triásico)
May be an image of nature