GARCÍA MARQUÉZ MEMÓRIA DAS PUTAS TRISTES

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“Vamos às putas, que hoje é sábado”.
Falsos moralistas desandai, pudicos passai adiante, doidinhos da bola ide carpir para outro lado.
Vamos escrever sobre Portugal e os Portugueses.
No Alentejo, quando acabávamos a escola primária, os da minha geração, íam quase todos guardar rebanhos ou a caminho das oficinas.
Alguns descalços, todos com mau agasalho. Na barriga e no esqueleto.
Passávamos da escola da Dona Elsa e da sua menina dos 5 olhinhos, para a convivência áspera e bruta e a linguagem crua dos maiorais e dos mestres.
Era assim.
E a primeira pergunta que nos faziam, ainda o buço mal vicejava no lábio superior, era:
“já pintas?”
Nós, que nunca tínhamos ouvido falar no Dali, no Miró ou no Picasso.
E riam-se muito.
Depois começava a preparação.
Ouvíamos as narrativas das suas proezas, com imagens coloridas e abundâncias gestuais.
Era a febre de sábado à noite.
Sim, nesse tempo a semana de trabalho tinha 48 horas, 6 dias por semana.
 E os mestres, diziam uns para os outros:
“temos de levar lá o gaiato”.
Sim, naquela corporação existiam aprendizes, ajudantes e mestres.
E mais dia menos dia,
cotizavam-se entre eles, para levar lá o “gaiato”. Cinquenta escudos.
Era ponto de honra para um mestre iniciar um aprendiz.
Nos dias antecedentes, assustavam-nos e contavam histórias.
De alguns que tinham fugido porta fora, e nunca mais tinham aparecido, de outros que não tinham sido “capazes” e eram motivo de risota geral.
Mas o orgulho deles, era a patroa
vir dizer que o rapaz se
“portara bem…”
Temos homem!
Diziam os mestres, dando-nos palmadas nas costas, e obrigando nos a pagar a primeira rodada de cálices de aguardente, com a curta féria da semana, guardada no bolso da jaqueta.
Ascendíamos assim à mestria.
Hoje em dia, toda essa gente seria invectivada, mas eles estão todos aí e podem contar que foi assim.
A malta dos 13, 14 anos, conversava livremente e narrava os sucessos e os desempenhos que existiram apenas na sua imaginação.
Coitados dos que nunca lá tinham sido levados pelos mestres.
Eram uns coitaditos, uns pobrezinhos…
Bem sei que agora já não há disto. Podemos calcorrear à vontade a recta de Pegões, a Estrada de Manique do Intendente, a rua artilharia um, o cruzamento da Picheleira, ou a Fernão de Magalhães, que já não se lobriga nada disso…
E os jovens de 12, 13 anos, já não vão para trás dos rebanhos levar varadas dos maiorais, como o Constantino guardador de vacas e de sonhos, para as oficinas levar chapadões dos mestres e ser iniciados no sábado à noite, com putas tristes…
No Alentejo também já não há rebanhos. Nem oficinas.
Nem órfãos do Soeiro Pereira Gomes, “filhos dos homens que nunca foram meninos”
Agora só há estufas.
E os adolescentes que lá trabalham, vêm todos da Índia… Descobriram o caminho terrestre para Portugal.
E o Gabriel Garcia Marques, nunca escreverá sobre a sua iniciação.
Ao sábado.
Com putas tristes.
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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