Os turistas não são o maior problema de Lisboa. O problema de Lisboa são os capuccinos. Eu tenho uma teoria. Os capuccinos foram o motor para a subida em flecha
dos preços em cafés e restaurantes. Por causa deste galão glorificado, por causa desta meia de leite com chapelinho, tudo se desmoronou. A culpa não é dos italianos. A culpa é do tuga. Não sabemos vender o que temos de bom e único. À exceção do pastel de Belém, o gémeo gorduroso e mole do pastel de nata, temos vergonha de promover o que fazemos realmente bem. Fazemos imitações manhosas de croissants franceses mas não enaltecemos o croissant brioche. Fazemos as melhores torradas do mundo (o conceito tripartido com 2 andares nem sequer existe em mais lado nenhum) mas o que se vê na carta de brunches são bagels, french toast (que são rabanadas mas com nome estrangeiro) e baguetes. Nada contra as referidas importações, mas dá para destacarmos o que é nosso?
O galão. O glorioso galão. Um ou dois cafés num copo alto com nervuras para não escorregar ou escaldar a mão. Leite previamente fervido na máquina, o suficiente para ficar espumoso mas não demasiado. O galão perfeito tem um chapelinho de espuma, suficiente para formar um bigodinho giro mas não demasiada ao ponto de formar uma barreira só ultrapassável à colherada.
O que fizemos ao glorioso galão, ao perfeito galão? Cagámos uma tosta para ele e passámos a fazer capuccinos como quem faz manguitos no IC19 em hora de ponta. Porque somos pobres, parolos mas espertos. Porque sabemos que se fizemos um galão numa chávena grande, lhe botarmos uma salpicadela de chocolate em pó do Mini Preço, as básicas podem pegar com as duas mãos para a foto do insta
#brunchcazamigas e já podemos cobrar 4,50€ em vez de 1,50€. Somos tão envergonhados do que sabemos fazer que não temos coragem de dizer a um americano ou alemão “olhe amigo, capuccino não temos, mas temos uma coisa bem melhor chamada galão. Queres experimentar?”. Imaginem chegar a Berlim ou a Chicago e pedir um galão num café. What? Was? Exato. O capuccino, esse hábito de gente chata que tem medo de beber um café em condições mas emborca álcool como quem bebe água, foi o pontapé de saída para se passar a cobrar quantias ridículas por tudo e um par de botas, desde garrafas de água a sandes com duas fatias de queijo flamengo do Pingo Doce.
Volvidos estes quase 10 anos de boom turístico, ainda não conseguimos, à exceção do bacalhau e desse irmão chato do pastel de nata que é o pastel de Belém, transformar em marca o que é bom e nosso: croquetes, rissois, bifanas, bolos de arroz, bitoques, pataniscas. A lista é infinita.