FRANCISCO MADRUGA, RECORDAÇÕES DE INFÂNCIA

Francisco Madruga

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As Férias na Aldeia


Acabado de chegar recebi a visita do Altino Pires e família.
Amigo de infância e de férias, correspondentes num tempo, mais lento e longínquo. As cartas iam e vinham de França para Portugal e vice-versa. Ainda me lembro da morada, 5 Rue des Hendriettes, Paris.
Eram as notícias do futebol, dos estudos e o relembrar das tropelias. Era assim todos os anos!
Chegados a casa do meu Avô a correria era para casa do Tio Camilo. Lá me esperavam todos! Se não tinha comido, tinha que comer. Se já tivesse comido, tinha que comer igualmente.
Depois de muitos abraços e saltos esfusiantes de alegria pelo reencontro congeminávamos a estratégia para os dias seguintes.
Verificar o estado das “rateiras”, fazer novas e de arame mais forte para as melras.
Um salto à cozinha para verificar o estado das latas do fermento. Se estavam meias juntavam-se. Se estavam muito cheias despejavam-se na caldeira da “vianda” para os porcos.
Um pulo até à adega, martelo em punho, prego na tampa da lata e toca a furar.
Mais uma escapadela à cozinha e farinha para dentro da latinha do fermento.
A noite vai chegando, o calor aperta, mantas estendidas na varanda e na entre-sala. Os feijoeiros vão sendo espalhados, partem-se umas talhadas de melão e melancia. O serão vai ser animado.
Mãos habilidosas descascam a vagem enquanto outras as partem.
– Cuidado, não misturem o feijão. Casulas para um lado feijões, para o outro.
Para nós o trabalho estava lá para os lados de Algoso.
Tínhamos que negociar a dormida. Por estratégia e porque não podíamos todos dormir em caso do meu avô.
Noite dormida, com estórias pelo meio que nos impediam de desligar.
O cheiro a lavado dos lençóis de estopa ou de linho, a luz da candeia que se apagava.
Ficava-mos entregues a nós e á noite!
Mal clareava o dia, toca a levantar. Nada de comida que isso era um luxo com tanto trabalho!
– Começamos por onde?
– Pela Canelha e vamos até ao Prado!
O Caminho de Nogueira e as Eiras ficavam para trás enquanto o diabo esfregava um olho!
O “saxo” ia ao ombro, as “rateiras” metidas no ante-braço.
Saltada a primeira parede para o Lameiro, um ia para as bostas das vacas apanhar os grilos enquanto o outro “saxava” para apanhar as formigas de asa que eram mais eficientes pois davam mais nas vistas… aos pássaros.
Era necessário procurar os “cagadouros” dos pássaros. Lá estava o galho!
Toca a armar a “rateira”!
Uma pequena “sachadela”, “rateira” com a formiga no isco, uma tapadela para disfarçar o arame e assim vamos saltando de parede em parede até esgotarmos o arsenal de caça!
Já tínhamos passado Vale Cortiços.
– Não temos material para chegar ao Prado!
– Não faz mal, anda pra lá o João da Fonte com a Vacas e anda a fazer o mesmo.
Com uma cambalhota ficávamos de costas a mirar os raios de sol por entre os galhos dos frondosos freixos.
– Enquanto fazemos horas podíamos ir nadar para o Poço da Pia!?
– Aquilo é muito fundo. Só o Alípio Reis consegue “xegar” ao fundo!
– Vamos ver se encontramos algum ninho de rola.
– Ainda é cedo prós ninhos!
Mais um pulo e estávamos de pé prontos para o regresso e para recolhermos o pecúlio da arte, da sorte ou da natureza.
Uma após outra, fomos apanhando, os pássaros presos nas “rateiras”.
– Esta não tem nada, foi melra!
Cada um que apanhávamos era atado ao outro, pata com bico, até fazer um cinto orgulhosamente exibido pelo “povo” a dentro.
Chegados a casa, caldeira ao lume com água quente.
Nova tarefa. Depenar os pássaros, tirar as tripas e salgar.
O lume estava pronto para a sertã.
– Então “querendes” os pássaros com quê? Com ovos?
“Escaxavam-se” os ovos na malga, batiam-se e vira para a sertã onde os passarinhos já “chilreavam” no azeite!
Divino. Um “carolo” de pão, um garfo, um prato… muitas estórias, muita amizade e companheirismo.
Hoje voltamos a recordar tudo isto!
A mulher do Altino perguntou:
– O Senhor Madruga ainda escreve?
– Não eu não escrevo. Publico o que os outros escrevem!
– Mas tem um livro com o seu nome!
– Foi um trabalho coletivo, eu só escrevi o que os outros fizeram!