FRANCISCO MADRUGA NO PÓ DOS LIVROS

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No pó dos livros
Dos livros e dos livreiros entre outros ofícios

Fala de Freixo de Espada à Cinta
O Sr. Mesquita, conseguiu ao fim de laboriosas buscas, nesse tempo não havia computadores nem internet, descobrir o sítio onde se vendiam os livros desse autor tão procurado pelos Espanhóis. De seu nome José Saramago, natural da Azinhaga do Ribatejo, prémio Nobel da Literatura e proscrito por um Secretário de Estado da Cultura que sentava as nalgas no Palácio da Ajuda, com a conivência do professor de Boliqueime.
Conseguiu então, O Sr. Mesquita, marcar uma ida do representante da Editorial Caminho a Freixo de Espada à Cinta.
Tudo combinado pelo telefone.
– Então vem quando?
– Vou aí no mês que vem. Faço um desvio quando for de Mogadouro para Moncorvo e desço a Freixo. É rápido.
– Não senhor. Vem, mas fica cá. Faço questão. Eu trato da dormida.
No dia combinado dei entrada na residencial, jantei e preparei a lição do dia seguinte. Saí, dei uma volta pela Vila e parei em frente a um estabelecimento “Supermercado Mesquita”. Espreitei para o interior, iluminado pelo candeeiro estrategicamente colocado em frente à montra, fui identificando os produtos à venda.
Plásticos, mercearia, eletrodomésticos, produtos agrícolas, mas de livros nada.
O material marcado em português e espanhol.
O tempo arrefecia, era novembro e os habitantes estavam em confinamento que amanhã era novo dia. No café em frente, falava-se alto e combinavam-se jeiras para o dia seguinte. Entro, não entro? Não entrei.
Voltei para a Residencial pela rua paralela que ladeava o jardim.
Peguei na chave na receção, subi. Deitei-me em vale de lençóis e adormeci de imediato.
Talvez fosse o único ocupante?
Pela manhã, tratei de dar corda aos sapatos que o dia ia ser longo.
Espreitei pela janela que dava para a praça, era já uma azafama de pessoas, a sair das carreiras.
Depois de aconchegado o estômago, abri o carro, levantei o capot, verifiquei o óleo, espreitei os pneus e passei para a frente a pasta com os catálogos e documentos.
A frente do Supermercado Mesquita, já estava ocupada com toda a panóplia de artigos para venda.
Entrei. Esperei para ser atendido e apresentei-me:
– Tenho um encontro marcado com o Sr. Mesquita, agora às 10.
– Ele disse que esperasse um bocadinho, teve que ir a casa.
Passados alguns minutos, entrou um senhor baixo, careca, todo atarefado. Devia ser o Sr. Mesquita, pensei eu.
– Sr. Mesquita, está aqui o Sr. dos livros do José Saramago.
– Bom dia, como está o Sr. Madruga, dormiu bem?
– Bom dia Sr. Mesquita, prazer em conhecê-lo.
– Vamos ali ao café e conversamos um bocadinho.
Entramos e atacou a fundo:
– Vai um generoso?
Olhei para o relógio. Marcava as dez e trinta.
– Pode ser.
– Este é bom, mas tenho ali um garrafão com generoso para lhe oferecer. Já tem cinco anos, é de estalo.
– Nem pense nisso.
– Até lhe levo a mal.
A conversa iniciou-se com à vontade de quem estava ali para fazer mais um amigo.
– Sabe, eu não percebo nada disto. Nunca li nada, muito menos do Saramago. Mas há por aí uns professores do Ciclo que procuram, algumas pessoas que vêm de fora e claro os Espanhóis. Dantes compravam panos, agora só querem os livros do Saramago. Sabe, Salamanca fica aqui muito perto e até vêm de Zamora. Até já tenho livrarias de Salamanca que me dizem que vêm cá comprar.
– Mas o Sr. Mesquita quer montar uma livraria? Precisa de mobiliário e de alguma arrumação na loja para ter um espaço próprio para os livros. Tem que montar cortinas na montra para o sol não queimar as capas.
– Oh Sr. Madruga eu quero servir os clientes mas tem que ser como está.
– Também serve, o que lhe interessa é ter os livros e vendê-los.
– Então o que me aconselha?
– O Saramago é óbvio. Mas se quer a minha opinião pode colocar também os livros da Alice Vieira, da Coleção Uma Aventura e depois vamos acompanhando as vendas. Se precisar de mais telefona. Combinado?
– Pois então está bem. Vamos ao Supermercado para lhe dar o garrafão.
– E depois como lho devolvo?
– Quando cá voltar novamente.
Despedimo-nos como dois velhos amigos.
Passados alguns dias, ao passar pela receção/faturação em Miguel Bombarda, vi a Domitilia perfeitamente à nora com uma chamada.
– Oh minha Senhora, já lhe disse que queria 6 exemplares do último do José Saramago.
– Eu ouvi. Só lhe estou a perguntar se não quer 12/13?
– Não. O Sr. Mesquita diz que só quer 6.
– Mas olhe que o 12/13 é melhor. Caso não venda devolve.
– A senhora desculpe, mas olhe que estou a falar de Freixo de Espada a Cinta.
– Eu sei, é o novo cliente.
– Mas então veja bem. Já vendemos os 10 livros que vieram, se vendermos mais 6, não é nada mau. Isto é Freixo de Espada a Cinta.
– Estava difícil Domitilia.
– A culpa é tua, metes livros em todo o lado.
– Mas o que é queres, eles não têm culpa de venderem livros em Freixo de Espada a Cinta.
Passados alguns anos fui abrindo as garrafas do “Generoso” do Sr. Mesquita. Aquele era do “bordadeiro” e genuíno.
O garrafão não voltou, mas ficou a ousadia de alguém que não tendo ligação aos livros deu uma preciosa ajuda na divulgação do livro e incentivo à leitura.