FRANCISCO MADRUGA NO PÓ DOS LIVROS

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No pó dos livros
Dos livros e dos livreiros entre outros ofícios

Depois de ouvidos especialistas os órgãos de soberania decidiram prolongar o estado de emergência.
Estamos proibidos de sair de casa. Já ninguém se lembra dos castigos de infância. Pois eu fui vítima e costou-me bem mais nessa altura do que hoje. É que naquela altura, não havia as coisas que hoje existem. Pois então cá vai o relato do acontecimento:
“De noite todos os gatos são pardos.
Tinham-me ordenado que estava proibido de sair de casa. Os tempos eram outros. Os perigos rondavam a casa. Estava seguramente a ser vigiado. Janelas fechadas, persianas corridas, vida parada.
Ao fim da tarde ousei estender o nariz fora da porta. Lá vinha ele. Finalmente tinha-me apanhado em flagrante. Tentei esconder e destruir todas as provas. Não fui a tempo. Fui dentro com pena agravada. O crescimento para a Liberdade tinha regras e cautelas a observar. Preservem-na.”
#FIQUEM EM CASA
Nos anos 80 iniciei -me na ronda dos livros e conheci muita gente que me ajudou na minha formação e me deu preciosas lições na arte de bem entender os autores, os livros, editores e os livreiros.
Em Vila Pouca de Aguiar, terra onde tinha amigos de longa data desde a Leninha, o João, o Henrique, a Ção e respetivas famílias (todos Borges), a Ana Carvalhinho, o Zé Luís, o Zeca Vicente e tantos outros com quem fui percorrendo caminhos de esperança.
Mas conheci por esta altura, o Sr. Joaquim, cujo estabelecimento se chamava “Joaquim Alves da Fonte, Lda.”.
Vendia de tudo. Artigos agrícolas, materiais para o lar, materiais de construção civil e claro está que também vendia livros. Era o único local da terra onde se vendiam livros.
Esta área era trabalhada pelo Augusto que muitos anos mais tarde acabou por abrir ele próprio uma livraria.
Entrava-se no estabelecimento e à direita estavam as estantes metálicas que suportavam literalmente o peso dos livros, organizados por editora e por coleção.
Nessa altura, a editora preponderante era a Europa-América. Haveria naturalmente que ir conquistando espaço e confiança.
Em cada passagem íamos aumentando o espaço. Arrumávamos os livros, fazíamos as devoluções e as encomendas. No fim, esperávamos pelo pagamento. Sempre impecável e na hora, diga-se.
O Augusto sempre afoito, ia contrariando o à vontade da relação.
– Sr. Joaquim, olhe que estes livros da “Avante” não vendem, olhe que estes da “Caminho” ninguém conhece. Peça só a “Aventura” e o “Saramago”.
Nas vezes seguintes aproveitei para lhe levar um mapa onde lhe apresentava as vendas desde a última passagem, que ocorriam em média de 3 em 3 meses.
O Augusto voltava à carga com a sua mensagem negativa. Não se apercebeu que pela porta do cavalo já tinha falado com o Sr. Joaquim e apresentado o mapa de vendas.
– Oh homem, você já vende mais que a Europa-América. Temos de lhe aumentar o espaço.
– Augusto, abra aí os pacotes que o Sr. Madruga entregou e retire alguns da Europa-América e exponha estes novos.
– Sr. Joaquim mas olhe que temos estes que não vendem. É necessário devolver.
– Faça o que lhe digo. Veja este mapa. Vendem-se ou não. Vá ali atender que há gente à espera. O Sr. Madruga trata das devoluções e depois vamos almoçar.
Era assim o trabalho junto de pessoas que nos permitiam divulgar livros e ideias.
Ao longo dos anos tudo isto foi mudando. Deixaram de vender livros, fecharam livrarias e apareceu a grande distribuição. Isso já vocês conhecem.
Hoje, vivemos os tempos mais difíceis para as Livrarias Independentes. Ou se tomam medidas imediatas ou acabaremos esta crise sem Livrarias.