Francisco Madruga, A outra face do homem (Malaca Casteleiro)

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A outra face do homem
Algures na primeira década deste século convidaram-me para os Colóquios da Lusofonia onde o tema da Língua Portuguesa era o prato forte. Pessoas de várias latitudes e longitudes que tinham como única ligação a língua portuguesa. Na Lagoa, ilha de S. Miguel participei na apresentação do livro de Cristóvão de Aguiar “Cães Letrados”. Entrei, saí e fiz-me ao caminho. E foram 2 longas horas a pé até Ponta Delgada.
No ano seguinte recebi novo convite para ir a Bragança por iniciativa do Chys Chrystello para a apresentação de um novo livro do Vasco Pereira da Costa.
Oportunidade única para rever o amigo Jorge Nunes à altura Presidente da Câmara Municipal de Bragança. Ao final da noite saímos do Poças, rodeamos a Praça da Sé, subimos a Alexandre Herculano e paramos na Cavaleiro Ferreira. O percurso foi lento, contos, contas, anedotas e olhares cruzados com quem se tinha acabado de conhecer. Sentados numa esplanada, batidos pelo vento frio que vinha da Sanábria e se redobrava em Montesinho fui passando em memória as vezes que por ali andei com livros, folhetos, jornais e outras atividades que tais. A Concha e o Ângelo Cristóvão tinham vindo da Galiza. No nosso grupo, quase incógnito, como alguém que escuta, vinha um senhor mais velho, vestido com um fato claro de bombazine, cabelos brancos, sotaque serrano.
Não perguntamos quem éramos nem nos apresentamos. A conversa correu até que os pés já congelados nos mandavam para a cama. No dia seguinte, questionei o Chrys sobre a personagem.
– Diz lá, ele está aqui na sala?
– Sim é aquele ali.
– Oh pá, é o professor Malaca Casteleiro.
Pois é, só me resta dizer que lhe contei a história e ele contou-me outras das sua origens, dos seus pais e das suas vivências por esse mundo fora.
Tive a sorte de com ele conviver e viver em Bragança, em Santa Maria, em S. Miguel, na Graciosa, Fundão, Montalegre, Seia, Belmonte, em Brasília, S. Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e Macau.
Havia sempre uma mesa reservada para ele e para o professor Ivanildo Bechara. Acho que nunca me sentei na mesma mesa.
Porquê?
Sempre achei que aquela mesa era reservada para quem quisesse aprofundar conhecimento com estes dois eminentes senhores da língua.
Passei com Malaca Casteleiro longas horas em corredores de universidades, ouvindo a admiração dos seus pares na China, em Macau ou no Brasil.
Sabíamos os dois que o nosso mundo era diferenciado. E ele respeitava a minha presença na diferença.
Percorrer e ouvir as suas lições na Academia de Letras Brasileira no Rio de Janeiro, o Museu da Língua Portuguesa em S. Paulo era tão gratificante como na Maria do Mar em Florianópolis entre umas rodadas de caipirinha compormos o “hino da lusofonia” ou simplesmente a “canção do chouriço”. A Concha, a Isabel Rei e o Vasco Pereira da Costa trabalharam os poemas e as músicas que sobrevoaram oceanos e passaram a ser cantados em todas as ocasiões.
Em Montalegre, numa noite de 24 de Abril em que as canções homenageavam gerações de combatentes, Malaca Casteleiro viu-me a limpar as lágrimas, abraçou-me e disse:
– Cante que isso passa!
Era assim o professor. Amigo, atento, sempre disponível.
Já me esquecia da Conceição. A Conceição era a mulher, a amiga e a companheira.
Partiu o Professor, o homem do campo que amava a natureza e a sua terra. O homem que deixou uma obra impressionante, como professor e como escritor. Um homem que tratava a língua por tu. E por favor não me venham falar de acordo ou desacordo. Só pretendi falar do homem e do Amigo.
Até sempre Professor.