FORTUNAS, PROMESSAS E A CULTURA QUE NÃO TEMOS maio 20º22

CRÓNICA 452 FORTUNAS, PROMESSAS E A CULTURA QUE NÃO TEMOS maio 20º22

 

O meu vizinho de infância cresceu a comprar e vender e assim enriqueceu e dividiu a sua riqueza por entre filhos e netos. Eu, que nunca tive jeito para o negócio, cresci a escrever palavras em pedaços de papel, muitos dos quais se transformaram em livros que poucos liam e que filhos e netos não apreciavam. Sempre entendi que eram fortunas e riquezas distintas havendo a probabilidade de os escritos perdurarem no tempo, enquanto os bens materiais do meu vizinho se poderiam esfumar ou serem dilapidados por filhos e netos como vi ao longo da minha vida.

A riqueza dos povos e nações é semelhante e só aqueles que cuidam da sua história, património e legado cultural estão fadados a ter um futuro, os restantes serão um mero rodapé na história tal como os Sumérios, Gregos, Troianos, Romanos e tantos mais.

Vem isto a propósito da situação calamitosa de abandono, desprezo e desdém por entidades culturais não-governamentais, de utilidade pública e demais produtores de cultura nas suas múltiplas vertentes. Para a AICL, associação dos colóquios da lusofonia, que desde 2002 realizou 36 colóquios (dois ao ano, um fora e outro nos Açores, desde 2006) a situação só não é pior pelo modelo de quotização e de pagamento de inscrições nos nossos eventos, pois se dependêssemos do investimento governamental já teríamos fechado portas. Tudo começou com o cessante Diretor Regional e Secretária Regional que receberam, comprovadamente, por escrito, as nossas candidaturas para 2021 e depois com enorme desplante declararam não as terem recebido e portanto não seríamos elegíveis. Idêntico despautério sucedeu com apoios a fundo perdido de 2021.

Não se tratava de montantes exorbitantes, até porque os apoios aos colóquios raramente excedem mil euros !!!! que nos permite pagar a deslocação e estadia a um autor de fora da região e nada mais. Trata-se do ato em si, repulsivo, castigador talvez por sermos críticos de uma região onde a cultura é tratada como um dano colateral da governação.

Nada disto seria importante se não tivéssemos programado para 2022, ano em que celebramos 20 anos de colóquios, um enorme evento em outubro, em Ponta Delgada com mais de 50 autores açorianos presentes e pela primeira vez necessitávamos de um apoio condigno. Sabemos pela comunicação social que os apoios deste ano (que já vai quase a meio, e se deveriam ter tornado públicos em janeiro) que nem apoios, nem comissão de análise dos mesmos, nem data prevista seja para o que for. nem tampouco foi nomeado um novo diretor na nova Direção de Assuntos Culturais no seio da Secretaria da EDUCAÇÃO.

Ótimo cartão de visita para quem quer Ponta Delgada como capital da Cultura 2027…relembro as palavras sinceras do Presidente do Governo Regional na cerimónia de abertura do 34º colóquio junho 2021 em Ponta Delgada, onde pela primeira vez esteve presente um Presidente do GRA), o Dr José Manuel Bolieiro salientou o “mundo sem geografia” que é a Lusofonia..O Governo dos Açores, prosseguiu, “estará ao lado” da AICL para “todas as realizações de futuro”, asseverou ainda o Presidente do Governo. Iniciativas como esta “valem pela qualidade que representam” na literatura e também na “identidade lusófona”, até porque “transportam para o presente todo o legado poético” e “inspiram novas gerações a darem valor e a conheceram aqueles que deram raiz à Açorianidade, Portugalidade e Lusofonia”. José Manuel Bolieiro elogiou ainda a “resiliência” da AICL, presidida por Chrys Chrystello, elogiando ainda a “simbólica data” de arranque do colóquio deste ano e o “inspirador lugar” do mesmo: o Centro de Estudos Natália Correia, na Fajã de Baixo.

Perguntarei, parafraseando Drummond de Andrade “E agora, José?”

 

 

 

Chrys Chrystello, drchryschrystello@journalist.com

Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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