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Bom dia, amigos.
Há pouco, quando fui tomar café, observei um vizinho a tirar o carro do estacionamento.
Uma pequena marcha-atrás, marcha-à-frente, marcha-atrás e lá foi à vida dele.
Estas coisas da condução são para mim um mistério e fico sempre intrigado quando vejo tamanha habilidade.
Já aqui o disse, e repito, que sou um nabo a conduzir.
É verdade que nunca tive um acidente grave, mas confesso que devo ter algum problema de percepção espacial, especialmente no que se refere às manobras.
Tudo isto leva a que odeie conduzir, o que nem sequer faço, pois tenho a sorte de a minha mulher ser prima da Michèle Mouton.
Perguntar-me-ão como consegui tirar a carta.
Foi fácil.
Eu explico.
Comecei tirar a carta aos vinte anos e obtive-a aos trinta e seis.
Tive de ir a exame catorze vezes.
Aquilo já era uma odisseia.
Pelo meio tinha tido dois acidentes e partido as trombas a outros tantos examinadores.
Nem sequer vale a pena contar esses episódios porque não são relevantes.
Basta cingirmo-nos ao último exame.
Achava tudo aquilo uma coisa para atrasados mentais.
O que quer dizer este sinal?
E aquela regra?
Engate a terceira.
Meta a segunda.
Olhe que stop é para parar.
Não vê que está num corredor bus?
Chateava-me.
Fui expulso de várias escolas de condução.
Diziam que estragava os carros.
Mentira.
Árvores, postes e coisas do género é que estavam sempre no lugar errado.
Acabei por ser aceite numa, de Ermesinde.
Ali não me conheciam.
Lá chegou o dia do tal exame.
Mais exactamente a tarde.
Uma bela tarde de sol.
Estava acompanhado pelo instrutor, um tipo bacano, à espera que chegasse o examinador, o senhor engenheiro, como esses idiotas gostam de ser tratados.
Engenheiros de quê?
Só se for das obras feitas.
Vi aproximar-se um velho magro, ar de fuinha.
O instrutor abanou a cabeça.
Que estava com azar.
Vinha aí o pior examinador da Direcção-Geral.
Ai vinha?
Então deixá-lo vir.
Estava mesmo decidido a tirar a carta naquele dia.
Arregacei as mangas da T-shirt e deixei a tatuagem e os músculos bem à mostra.
Na altura ainda não tinha barriga.
Mas tinha cabedal.
Despedi-me do instrutor e entrei no carro com o fuinha, que nem sequer me cumprimentou.
Mandou-me ligar o motor e ficou a olhar para a papelada que trazia.
Fez hum-hum e grunhiu que já era uma série de vezes que vinha fazer o exame.
Eu desliguei o motor, olhei-o de soslaio com ar de mau e pus uma voz cavernícola.
O que é que queria dizer com aquilo?
O fuinha mirou-me um segundo, talvez dois.
A voz dele ficou logo fininha.
Nada, nada.
Vamos lá então, se fizer o favor.
Arranquei devagar.
Claro que sabia conduzir.
O meu problema era o estacionamento, a marcha-atrás, o ponto de embraiagem e o travão de mão.
Aliás só muito mais tarde soube para que servia um travão de mão.
Volta e meia voltava-me para o fuinha e perguntava, sempre com voz cavernícola e ar de maluco acabado de sair do asilo, se achava se ia bem.
E o fuinha respondia, já a suar, que ia bem. Ia mesmo muito bem.
E eu punha um ar ainda mais maluco e dizia: É que estas coisas põem-me nervoso, com vontade de partir tudo!
O homem a suar em bica e a alargar o nó da gravata.
O exame acabou por ser sempre a direito.
E foi rápido.
O fuinha acabou por me mandar estacionar de marcha-atrás, com a recomendação de que era a última manobra.
Diga-se, em abono da verdade, que não me lembro de ter feito mais nenhuma.
Claro que estacionei.
Não havia trânsito, nem postes, nem árvores, nem carros atrás.
Fiquei a um metro do passeio.
Bem bom.
Voltei-me para o fuinha e perguntei, sempre com voz de pirata e ar esgazeado, se achava que estava bom.
Estava bom, não estava?
O fuinha, branco como a cal, abriu uma porta a medo e mediu a distância.
Estava muito bom.
Então tinha passado, não tinha?
Ai, que já me estava mas era a passar dos carretos, carago!
O fuinha a nadar em suor.
Claro que tinha passado.
Muitos parabéns.
Deu-me a guia para levantar a carta, despediu-se e fez menção de sair do carro.
Então não queria que o levasse à Direcção-Geral?
Não, não.
Preferia ir a pé.
Enfim, cada um é para o que nasce.
Uma boa terça-feira para todos.
(da página do FaceBook de Jorge Alves).

Comentários
Um comentário a “FOI ASSIM QUE TIREI A CARTA DE CONDUÇÃO”
Pois ,caro amigo , de acordo com a sentença do meu instrutor quando “meti” recuo pela 1a vez e à primeira disse: “a menina quando tiver problemas de trânsito faça marcha a trás, porque anda melhor para trás do que para a frente”.