FOI ASSIM QUE TIREI A CARTA DE CONDUÇÃO

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https://youtu.be/HYcsW48HHXM
Luis Almeida Pinto

Bom dia, amigos.
Há pouco, quando fui tomar café, observei um vizinho a tirar o carro do estacionamento.

Uma pequena marcha-atrás, marcha-à-frente, marcha-atrás e lá foi à vida dele.

Estas coisas da condução são para mim um mistério e fico sempre intrigado quando vejo tamanha habilidade.

Já aqui o disse, e repito, que sou um nabo a conduzir.

É verdade que nunca tive um acidente grave, mas confesso que devo ter algum problema de percepção espacial, especialmente no que se refere às manobras.

Tudo isto leva a que odeie conduzir, o que nem sequer faço, pois tenho a sorte de a minha mulher ser prima da Michèle Mouton.

Perguntar-me-ão como consegui tirar a carta.

Foi fácil.

Eu explico.

Comecei tirar a carta aos vinte anos e obtive-a aos trinta e seis.

Tive de ir a exame catorze vezes.

Aquilo já era uma odisseia.

Pelo meio tinha tido dois acidentes e partido as trombas a outros tantos examinadores.

Nem sequer vale a pena contar esses episódios porque não são relevantes.

Basta cingirmo-nos ao último exame.

Achava tudo aquilo uma coisa para atrasados mentais.

O que quer dizer este sinal?

E aquela regra?

Engate a terceira.

Meta a segunda.

Olhe que stop é para parar.

Não vê que está num corredor bus?

Chateava-me.

Fui expulso de várias escolas de condução.

Diziam que estragava os carros.

Mentira.

Árvores, postes e coisas do género é que estavam sempre no lugar errado.

Acabei por ser aceite numa, de Ermesinde.

Ali não me conheciam.

Lá chegou o dia do tal exame.

Mais exactamente a tarde.

Uma bela tarde de sol.

Estava acompanhado pelo instrutor, um tipo bacano, à espera que chegasse o examinador, o senhor engenheiro, como esses idiotas gostam de ser tratados.

Engenheiros de quê?

Só se for das obras feitas.

Vi aproximar-se um velho magro, ar de fuinha.

O instrutor abanou a cabeça.

Que estava com azar.

Vinha aí o pior examinador da Direcção-Geral.

Ai vinha?

Então deixá-lo vir.

Estava mesmo decidido a tirar a carta naquele dia.

Arregacei as mangas da T-shirt e deixei a tatuagem e os músculos bem à mostra.

Na altura ainda não tinha barriga.

Mas tinha cabedal.

Despedi-me do instrutor e entrei no carro com o fuinha, que nem sequer me cumprimentou.

Mandou-me ligar o motor e ficou a olhar para a papelada que trazia.

Fez hum-hum e grunhiu que já era uma série de vezes que vinha fazer o exame.

Eu desliguei o motor, olhei-o de soslaio com ar de mau e pus uma voz cavernícola.

O que é que queria dizer com aquilo?

O fuinha mirou-me um segundo, talvez dois.

A voz dele ficou logo fininha.

Nada, nada.

Vamos lá então, se fizer o favor.

Arranquei devagar.

Claro que sabia conduzir.

O meu problema era o estacionamento, a marcha-atrás, o ponto de embraiagem e o travão de mão.

Aliás só muito mais tarde soube para que servia um travão de mão.

Volta e meia voltava-me para o fuinha e perguntava, sempre com voz cavernícola e ar de maluco acabado de sair do asilo, se achava se ia bem.

E o fuinha respondia, já a suar, que ia bem. Ia mesmo muito bem.

E eu punha um ar ainda mais maluco e dizia: É que estas coisas põem-me nervoso, com vontade de partir tudo!

O homem a suar em bica e a alargar o nó da gravata.

O exame acabou por ser sempre a direito.

E foi rápido.

O fuinha acabou por me mandar estacionar de marcha-atrás, com a recomendação de que era a última manobra.

Diga-se, em abono da verdade, que não me lembro de ter feito mais nenhuma.

Claro que estacionei.

Não havia trânsito, nem postes, nem árvores, nem carros atrás.

Fiquei a um metro do passeio.

Bem bom.

Voltei-me para o fuinha e perguntei, sempre com voz de pirata e ar esgazeado, se achava que estava bom.

Estava bom, não estava?

O fuinha, branco como a cal, abriu uma porta a medo e mediu a distância.

Estava muito bom.

Então tinha passado, não tinha?

Ai, que já me estava mas era a passar dos carretos, carago!

O fuinha a nadar em suor.

Claro que tinha passado.

Muitos parabéns.

Deu-me a guia para levantar a carta, despediu-se e fez menção de sair do carro.

Então não queria que o levasse à Direcção-Geral?

Não, não.

Preferia ir a pé.

Enfim, cada um é para o que nasce.

Uma boa terça-feira para todos.

(da página do FaceBook de Jorge Alves).

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Comentários

Um comentário a “FOI ASSIM QUE TIREI A CARTA DE CONDUÇÃO”

  1. Avatar de Ana Franco
    Ana Franco

    Pois ,caro amigo , de acordo com a sentença do meu instrutor quando “meti” recuo pela 1a vez e à primeira disse: “a menina quando tiver problemas de trânsito faça marcha a trás, porque anda melhor para trás do que para a frente”.