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Um assunto inquietante, tratado com um enorme sentido de justiça pela minha prima Ana Monteiro a quem agradeço a clareza e justa preocupação
1 de Dezembro de 2020 – Pela restauração do bom senso
Carta enviada há uns meses ao ex-presidente do Governo Regional Vasco Cordeiro e que torno agora aberta e dirigida também ao Sr Presidente da Câmara e vereadores de Lajes das Flores, aos senhores deputados da ilha e a todos os que têm responsabilidades passadas, presentes e futuras em relação ao lugar da Ponta da Fajã.
Precisamos de coragem e da Luz da ciência.
Não precisamos de mais pequenez, inveja e mesquinhice. A Ponta é um lugar Grande que torna a Ilha maior.
Foram enviadas aos proprietários cartas de aviso de corte de fornecimento de electricidade e o município tem intenção de proceder ao corte do abastecimento de água na mesma altura em que a proibição de corte, durante o primeiro semestre de 2021, de serviços essenciais como fornecimento de água, luz ou gás natural foi aprovada por unanimidade na especialidade do Orçamento do Estado para 2021. O século XXI não chegou portanto ao ponto mais ocidental da Europa.
Não são também autorizadas manutenções das casas existentes, nem sequer telhas levadas pelo vento, o que contribui para a degradação do edificado.
A rede de beneficiação eléctrica da Ponta da Fajã pela EDA foi efectuada por decisão da própria empresa e os contratos são cumpridos pelos proprietários dos imóveis.
O que se pede é empenho em alterar um decreto que foi mal redigido e que é obsoleto face aos dispositivos que actualmente dispomos quer de monitorização quer de sistemas de aviso por parte da Protecção Civil.
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Foi pedido pela Câmara Municipal das Lajes das Flores um estudo geológico detalhado da Rocha ao Laboratório Regional de Engenharia Cívil (LEREC) para aferir a possibilidade de determinar zonas diferenciadas de acordo com o nível de risco, desde a parte a norte da Igreja até ao outro extremo, próximo da Fajã Grande (à semelhança, por exemplo, do que acontece na freguesia da Ribeira Quente). O estudo focou-se na cicatriz do movimento de vertente ocorrido na Ponta da Fajã a 19 de Dezembro de 1987 e a partir daí faz uma generalização até à Fajã Grande.
Li noutro dia, no Jornal Expresso, um artigo de onde retirei esta frase: “Só investigação fundamental de qualidade, que lida com o imprevisível e descobre o improvável, permitirá criar conhecimento e ferramentas para fazer face aos desafios futuros e imprimir no futuro a concretização das nossas aspirações.
Para a “academia científica” de Engenharia Civil dos Açores, a melhor solução que tem a oferecer, no século XXI – uma era de ciência e tecnologia sem precedentes – é decalcar um relatório de 1987 e sugerir a demolição de um edificado de um lugar que existe, pelo menos, desde 1767, que integra o Parque Natural de Ilha e que chegou a ter cerca de 300 pessoas. A melhor solução é não apresentar qualquer solução.
Além disso, faz uma colagem de um evento de “1964” que consta do Plano Municipal de Emergência. E a colagem é tal que o relatório do Plano Municipal contém um erro na data do evento que, na realidade ocorreu no dia 8 de Setembro de 1961. Bastaria aos Técnicos do LEREC terem feito uma pesquisa histórica de forma mais rigorosa do que simplesmente copiar ou procurarem falar com pessoas antigas da freguesia.
Ao mesmo tempo que pretendemos enviar foguetões para o espaço, a partir de Santa Maria, propomos coisas básicas como o corte de abastecimento de água e de electricidade na Ponta da Fajã e deixamos que um relatório “técnico” recomende a demolição de um edificado histórico e cultural.
Mais estranho é que o LEREC, responsabiliza o Município de Lajes das Flores mas afasta de si qualquer responsabilidade no acompanhamento e monitorização do perímetro em causa. Seria de esperar que um local de “alto risco”, onde passam centenas de pessoas por ano, no trilho mais frequentado da ilha, tivesse acompanhamento permanente, desde 1987, por parte do LEREC e da Universidade dos Açores, até como ferramenta de estudo que seria muito útil a outras Fajãs do Arquipélago. A ciência faz-se fazendo-se.
Estranho é também o relatório técnico do LEREC não recomendar qualquer medida de mitigação, como por exemplo, a monitorização contínua dos caudais das ribeiras que integram a zona de risco, medidas que reduzam a impermeabilização e erosão dos solos na parte superior da Rocha (introdução de coberto vegetal, se necessário, como por exemplo turfeiras), a manutenção, limpeza e desobstrução dos leitos das ribeiras, estudar formas de evitar a concentração de águas pluviais na parte superior dos taludes considerados instáveis, manutenção dos antigos acessos à Rocha, incluindo muros de suporte, construídos pelos antepassados, que são minimamente mantidos pelas empresas e praticantes de canyoning e raramente por entidades oficiais.
Leio as conclusões do relatório e vem-me à memória o episódio da destruição de Palmira pelos talibãs, mas aqui são açorianos que sugerem a outros açorianos a destruição do seu património.
Percorro, através da memória e com auxílio aos órgãos de comunicação social, a cronologia recente das “aspirações” dos habitantes de lugares semelhantes à Ponta da Fajã:
Caminho de acesso a viaturas à Fajã do João Dias (fotos em anexo)
Fajã do Calhau (fotos em anexo)
Electrificação Fajã de Santo Cristo (https://www.acores24horas.pt/arquivo/86324) onde se pode ler: “Estamos perante a realização de uma ambição dos Jorgenses, que será agora implementada através da melhor solução técnica possível para um espaço ambientalmente sensível e que, como é sabido, é um dos principais pontos turísticos, não só desta ilha, mas dos Açores”; “esta é uma solução que acautela as especificidades do meio envolvente, onde foram tidas em conta as recomendações e orientações do parecer sobre a estabilidade de algumas zonas do trilho entre a Fajã dos Cubres e a Fajã da Caldeira de Santo Cristo, elaborado pelo Laboratório Regional de Engenharia Civil”. A mesma notícia refere “reabilitação do património”.
Recordo que o grupo ocidental não tem actividade sísmica ao contrário das restantes ilhas o que significa que o risco de movimento de vertente por esta via é residual.
Percorro também algumas memórias de intempéries que provocaram interrupção de acessos, destruição de património e até perdas humanas. Não as vou enumerar porque sei que as terá bem mais presentes do que eu, mas gostaria apenas de referir que, desde 1987, o acesso rodoviário entre a Ponta da Fajã e a Fajã Grande foi apenas interrompido uma vez por queda de árvore e não por movimentos de vertente.
A resposta aos indignados que perguntam “como é possível voltar a viver na Ponta da Fajã”, respondo que se volta à Ponta como se regressa à mesma casa na Agualva, na Povoação, na Ribeira Quente, no Faial da Terra ou na Fajãzinha. Que se recupera património como na Rocha da Relva ou nas Fajãs sísmicas e abruptas da costa norte de São Jorge. Que se reedifica como em Angra do Heroísmo ou um porto a partir de destroços, no mesmo lugar, nas Lajes das Flores.
A resposta passa pela frase lapidar de Nemésio quando afirmou que “a geografia, para nós, vale outro tanto como a história”. A nossa geografia é difícil, estará sempre a por-nos à prova e a esculpir-nos o carácter. É esta a História dos Açores e dos Açorianos mas não pode essa história ou essa geografia valer menos na Ponta da Fajã do que e qualquer outra ilha, independentemente de um decreto que foi mal redigido e que está obsoleto.
A História do grupo ocidental está marcada por muitas provações, abandono e injustiças legislativas, como o caso dos corvinos a implorar uma revisão legislativa a Mouzinho da Silveira) mas também da ousadia de João Lizandro a pedir a construção de uma estrada de acesso para a Ponta da Fajã (https://picodavigia2.blogs.sapo.pt/182943.html…)
Pergunto-lhe:
Serão as nossas aspirações inferiores às dos outros açorianos?
Não será o conceito de justiça anterior a qualquer decreto legislativo, ainda mais um que foi mal feito por não acautelar a equidade e situações futuras; um decreto que permitiu realojar algumas famílias mas em que apenas 17 das 52 moradias foram indemnizadas, deixando-nos actualmente com uma autêntica trapalhada jurídica entre mãos?
É justo que, por denúncias anónimas, cujo móbil é de base económica e não a preocupação com a segurança pública, não se tente resolver, de uma forma definitiva e responsável esta situação?
Nunca houve tanta tecnologia, tanta capacidade para monitorizar e possibilidade de articular competências entre a população, os municípios, a meteorologia e a protecção civil. Há 100 anos, Afonso Chaves colocava os Açores no centro da ciência mundial. Hoje assistimos a uma cultura de desresponsabilização, a instituições que não se querem dar ao trabalho de encontrar soluções para os problemas e a uma sociedade do “não-me-chateiem”, que não se quer envolver nem comprometer-se com os desafios que enfrenta. Estamos em 2020 e, felizmente, assistimos a um dia histórico em que a Proposta de alteração da Lei de Bases do Ordenamento e Gestão do Espaço Marinho foi aprovada.
Não queiram algumas instituições açorianas impor uma espécie de centralismo às suas ilhas periféricas, tal como Lisboa sempre impôs aos Açores. As leis mudam-se quando há vontade política e propostas para a sua alteração. As nossas aspirações não podem valer menos que a de outros açorianos apenas porque não temos alguém influente como alguns moradores da Fajã do Calhau ou o Sr Presidente da Câmara das Velas, orgulhoso defensor das “suas” Fajãs.
Termino, apelando a uma contestação do relatório do LEREC. Não sou geóloga mas tive formação científica. Aquilo que o LEREC conclui é o que se chama na gíria “sacudir a água do capote”.
Despeço-me, fazendo minhas as suas palavras e apelando que não ceda à visão redutora dos que acham que é possível conseguir mais tendo menos.
Antes morrer livres do que em paz sujeitos. Almas Cativas na Ponta da Fajã, não!
Ana Monteiro
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