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ERA UMA VEZ UM DIÁRIO ILHÉU: A LITERATURA DIARÍSTICA DE FERNANDO AIRES um trabalho de ANA DA SILVA, ESE, IP Santarém.
Embora muitas obras da literatura açoriana, das quais se destacam por exemplo Não Percas a Rosa de Natália Correia, O Jornal do Observador de Nemésio, Memórias da Cidade Futura ou Memórias das Ilhas Desafortunadas de Manuel Barbosa, Os Amores da Cadela Pura de Margarida Vitória, Gente Feliz com Lágrimas de João de Melo, Raiz Comovida de Cristóvão de Aguiar, tivessem um cariz autobiográfico, não havia, antes de Fernando Aires, diários açorianos. O próprio Fernando Aires, numa entrevista de Vamberto Freitas avançava uma tentativa de explicação: “Este gosto pelo interior, tão nosso, tão carateristicamente nosso (…) leva-me a estranhar a ausência de diaristas nas ilhas. O meio demasiado estreito e censurado pode explicar isso. O refúgio na poesia intimista também pode ser a explicação.”
Fernando Aires, então assistente convidado da Universidade dos Açores, onde lecionava História, já com uma notoriedade consagrada pelos seus trabalhos de investigação académica e pela sua colaboração em jornais e revistas açorianos, publicava a sua primeira obra literária em 1988: o volume I do seu Diário, Era uma vez o tempo. Concordamos com Vamberto Freitas ao dizer: “Publicar um diário sem obra criativa previamente feita é um ato arrojado, não pode haver falhanço, a credibilidade do autor depende por inteiro da arte com que os pessoalíssimos, gentes e coisas são aí retratados. Não existem aqui nem o refúgio num narrador fictício nem, uma vez mais, em outras obras que possivelmente tenderiam a colocar o leitor em predisposição para tudo acreditar ou perdoar.”
O facto é que Fernando Aires conseguiu despertar um grande interesse e curiosidade por parte não só do público como da crítica que beneficiaram de uma maior visibilidade no mercado por terem sido publicados na capital. Desde então, mereceu a admiração de críticos como Eugénio Lisboa, Aníbal Pinto de Castro, José Augusto Seabra e Luís Amaro. No meio académico, passou já a ser objeto de teses universitárias.
Na sua introdução às Páginas do Diário Íntimo de José Régio, Eugénio Lisboa refere-se a Fernando Aires como sendo “autor de um dos mais belos e sensíveis diários em língua portuguesa”. Por estarmos de acordo com esta afirmação, pretendemos analisar, neste trabalho, que retoma um antigo trabalho que realizei, em 1999, para o seminário de Literatura Autobiográfica (Professora Doutora Clara Rocha), do Curso de Doutoramento em Ciências Literárias da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa), algumas das caraterísticas que fazem deste diário uma obra-prima e que farão, sem dúvida, de Fernando Aires o iniciador e o impulsionador de uma diarística açoriana, com escritores como António João Marinho Matos, que publicou o seu Diário I, Jornal do Ocidente (1996-97), na sua própria editora Espaço XXI, em 1998; e Cristóvão de Aguiar, escritor açoriano já consagrado, autor de Passageiro em Trânsito, que publicou, em 1999, o diário que já vinha escrevendo desde 1964: Relação de Bordo (1964-88).