Views: 0
O primeiro dos oito dias da festividade que assinala a vitória dos judeus no século II a.C. assinala-se esta quinta-feira, segundo o calendário gregoriano
É noite de Hanukkah e Miriam, uma avó judia, está ao telefone com o neto, que virá visitá-la no seu novo apartamento com a mulher. “Vens pela porta da frente do condomínio e tocas no 3.º A com o cotovelo”, diz Miriam ao neto. “O elevador está à tua direita e, ao entrares, usas o cotovelo para tocares no 3º. Depois, vês o meu apartamento logo à esquerda, tocas a campainha com o cotovelo e eu abro-te a porta”, prossegue. “Avó, mas…porque tenho de tocar nos botões com o cotovelo?”, pergunta o neto. Ao que Miriam responde: “Vens visitar-me de mãos vazias?”
Tal como as orações, os jogos e a comida, o humor faz parte desta festividade judia, que começa esta quinta-feira ao cair do sol e se prolonga por oito dias, até 18 de dezembro. Todos os anos a celebração inicia-se no 25.º dia do mês de Kislev ao 2.º de Tevet, meses do calendário hebraico. No calendário gregoriano, utilizado em Portugal, corresponde a datas variáveis entre novembro e dezembro.
Também chamada Festa das Luzes, no centro das tradições do Hanukkah encontra-se uma hanukkiah, ou candelabro de nove braços, especialmente utilizada para esta data. A vela central serve para acender as outras oito, uma por cada noite após o pôr-do-sol. Esta quinta-feira é a vez da primeira.
O MILAGRE DO ÓLEO
A história do Hanukkah remonta ao século II a.C, quando o rei selêucida da Síria, Antíoco IV Epifânio, subiu ao poder e, ao contrário do seu antecessor, bem mais benevolente, proibiu o judaísmo e obrigou os judeus a adorar os deuses gregos. Como nem todos os judeus obedeceram, os soldados sírios entraram em Jerusalém e, além de massacrarem milhares de pessoas, erigiram no Segundo Templo um altar para Zeus, aí sacrificando animais impuros, como porcos.
Em 168 a.C. os judeus rebelaram-se, liderados pelo rabi Matatias e os seus cinco filhos. Quando este morreu, dois anos depois, a revolta passou a ser chefiada pelo filho Judas – que ficou conhecido como Judas Macabeu, ou “o Martelo”, celebrado no século XVIII numa oratória de George Frideric Handel –, que conseguiu expulsar os sírios de Jerusalém, restituir o Segundo Templo e acender a sua menorah (candelabro), cujas velas deviam ser acendidas todas as noites.
A festividade que agora principia comemora esta vitória e a restituição do Templo, mas não só. Há um milagre envolvido, relatado no Talmud, um dos textos mais importantes do judaísmo, que pode explicar a tradição das velas. Ao que se conta, apenas havia óleo para manter as velas acesas por uma noite, mas, misteriosamente, estas terão ardido ao longo de oito.
Alguns historiadores interpretaram o Hanukkah de modo distinto, aludindo a uma luta entre dois grupos de judeus – um assimilado à cultura grega e síria, outro determinado a impor os costumes hebraicos. De acordo com esta teoria, os tradicionalistas venceram a disputa, com Judas Macabeu e os seus descendentes a tomarem controlo sobre a terra de Israel e a instaurarem um reino independente durante mais de um século.
Outros académicos consideram que o Hanukkah é a celebração tardia de outra festa, o Sucot (Festa das Cabanas), que a guerra contra os sírios teria impedido os judeus de comemorar.
DONUTS E PIÕES
Desde o século XX que o Hanukkah passou a ser equiparado ao Natal cristão, embora ocorra em datas diferentes. Além do ritual das velas, acompanhado de orações, faz parte da celebração um receituário próprio, como as panquecas de batata (latkes) e os donuts recheados de geleia (sufganiyot), fritos em óleo, noutra referência às velas.
Costuma-se oferecer dinheiro às crianças (gelt), em geral dado sob a forma de moedas de chocolate, acompanhadas pelo jogo do dreidel – um pião de quatro lados, cada um dos quais tem inscrita uma letra do alfabeto hebraico. Como se documentou em 1890, este jogo teve origem no mandato de Antíoco IV e serviu para disfarçar o estudo ilegal da Torá, que os judeus substituíam pelos dreidels quando os soldados se aproximavam. As letras nas quatro faces do dreidel formam o acrónimo hebraico da frase “Ali aconteceu grande milagre”, referência às velas e ao óleo.
A Torá, livro sagrado judeu, não faz qualquer menção ao Hanukkah, uma vez que os acontecimentos em que a festividade se baseia terão ocorrido depois da escrita dos textos. No entanto, no Novo Testamento, surge como “Festa da Dedicação”. Hanukkah significa “dedicação” ou “inauguração”, ou seja, a reconquista e nova consagração do Templo de Jerusalém.
Luciana Leiderfarb

6 comments
Like
Comment