FÉLIX RODRIGUES, QUARENTENA

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Partilha-se entrevista que concedi a jornal Diário Insular:
“FÉLIX RODRIGUES, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO: Alguém será tentado a procurar culpados”.

Como está a decorrer a experiência de isolamento ou relativo isolamento social?
Passei por uma fase de quarentena auto imposta por razões que não vou explicar. Antes de a começar já me tinha preparado um pouco psicologicamente para ela. Depois de efetuar as contas de segurança comunitária e com todas as probabilidades, também concluí que já não estou de quarentena apesar de continuar a fazer praticamente o mesmo. A quarentena tem muito a ver com o nosso estado de espírito e com as metas diárias que nos impomos a nós próprios. Há que arranjar novas rotinas quando tal é necessário.

Este não é um modo de vida que tenha a ver com o modelo de sociedade que construímos…
Este não é nem modo de vida nem tão pouco é o modo do ser humano viver. Somos seres sociais. Qualquer alteração na sociabilidade dos seres humanos destrói um pouco da nossa natural humanidade. A guerra também não é um modo de vida e nada tem a ver com “natural humanidade”, mas quando a temos que viver, temos que arregaçar as mangas e ir à luta. O que se está a passar no mundo é muito próximo de uma guerra, com traumas grandes, que estão sempre associados a estar perto de vítimas ou sermos nós próprios as vítimas. Quanto maior for o período de isolamento, mais frias serão as relações entre as pessoas e maiores serão os seus distanciamentos sociais. Na saída do isolamento social, não existirão abraços, festas ou comemorações. Haverá desconfiança, existirão ressentimos e tentativas de procurar culpados por tudo isso. Que se perceba desde já: os culpados somos todos nós e isso resulta do estilo de vida que escolhemos nas últimas décadas como coletividade.

Estamos, também, perante um teste à consistência do ambiente familiar e à solidez dos casamentos ou outro tipo de uniões?
Claro que sim. Isto é um teste a tudo o que é social: Um teste aos políticos e a tudo o que disseram e vão dizer. Penso que isto obrigará a que se procure cada vez mais a verdade. É um teste à solidariedade e ao egoísmo. É uma altura onde vêm ao de cima o egoísmo e a solidariedade, atitudes que quando tomadas neste período, dividirão os indivíduos, tenham eles relações de amizades ou relações familiares. Será difícil a cada um esconder-se no meio da multidão como muitos fizeram até agora sem terem responsabilidades sociais.

No tempo pós-COVID19, o que podemos esperar? Uma mudança de atitude do Homem face e ele próprio e à natureza? Mais do mesmo e ainda pior?
Esta pandemia obrigará pessoas e Estados a repensar as suas políticas em muitas áreas, nomeadamente: Soberania alimentar. Soberania farmacológica. Política de saúde. Controlo de portos e aeroportos. A política de investigação científica. A política do turismo. Segurança e Defesa. Segurança Social. Mais União Europeia ou pelo contrário o fim da União Europeia. Política ambiental. Política de trabalho e teletrabalho. Quanto mais tempo levarmos a derrotar o vírus e a morte por ele causada, maiores serão as “intensidades” das transformações políticas e sociais.
Dificilmente as pessoas e os Estados esquecerão quem é que esteve ao lado de quem. Creio que já todos percebemos que haverá uma nova ordem mundial, onde os Estados Unidos perderão a liderança. Muito se deve à atitude do Presidente Trump, mas também às escolhas dos Americanos. Os Estados Unidos não serão menos poupados a este flagelo do que a Europa. Assim, o estilo de vida ocidental, cujo espelho eram os Estados Unidos, desaparecerá. Vai-se perceber se Estados valorizaram mais as pessoas ou a economia, mesmo que se conceba que essa escolha é muito difícil. Os Estados servem as pessoas que é que fazem a economia. Vai-se perceber que numa sociedade, o papel de todos e cada um é importante e como tal não creio que se possa, depois disso, tolerar a irresponsabilidade de um único indivíduo. Serão novos tempos que vão exigir muito mais de cada um de nós.

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