FÉLIX RODRIGUES EXPLICA A LETALIDADE

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Relativamente à Covid-19, os Açores registaram ontem a quinta morte por essa doença, resultado da entrada da infeção no Lar de idosos do Nordeste na ilha de São Miguel. A letalidade no Arquipélago (4,9%) é maior do que a letalidade nacional (3,3%), no entanto há que ter muito cuidado na leitura dessas percentagens para não cairmos na tonteria de comentários como os do fármaco-epidemiologista de Oxford, Pedro Caetano,cuja opinião foi publicada ontem no jornal Observador. Adiante criticarei essa visão.
Quando sairem os dados de hoje dos Açores atualizarei o post.
Atingimos hoje em Portugal os 18580 infetados, mais do que ontem, ou seja, inverte-se de novo a tendência que passa de decrescimento para crescimento da velocidade de propagação da infeção. São hoje mais 258 casos do que aqueles que eram previstos.
No que se refere à mortalidade atingimos um acumulado de 629 mortes, um valor inferior ao estimado em cerca de 10 mortes. Também aqui se verifica uma tendência ligeira de crescimento da letalidade que passa de 3,31% para 3,33%.
Em número de infetados e mortos no país, temos hoje mais 750 novos casos e 30 mortes.
A nossa trajetória poderia ser melhor, mas não é sem dúvida a pior e isso deve-se ao comportamento dos portugueses. Aumentámos no país, em média, 23% o tempo que passávamos em casa relativamente ao que tinhamos a 23 de fevereiro. A região campeã do recolhimento domiciliário em Portugal é os Açores, com um aumento de 31% (ver gráfico do post-dados do relatório da mobilidade da Google).
Ora, no jornal “Observador” de ontem, o cientista fármaco-epidemiologista de Oxford, Pedro Caetano, diz que “Portugal é um dos piores países do mundo em número de casos confirmados de doentes infetados com Covid-19”. Segundo ele, ninguém sabe fazer no país a normalização dos dados por milhão de habitantes, coisa que até o filho dele, de cinco anos, faz muito bem. Diz também que Portugal tem um dos maiores números de mortes por Covid-19 por milhão de habitantes. Esse senhor por mais especialista que seja não percebeu que o crescimento da epidemia é exponencial na maioria dos países e que essa dita normalização que propõe nem sentido faz neste momento. Dei-me ao trabalho de fazer esses cálculos com os dados de ontem em vez dos dados de 14 de abril que ele usa, e só aí, já se notam enormes diferenças relativamente às conclusões que tira.
Por ordem crescente de infeção normalizada à população por milhão de habitantes teríamos (usando os mesmos países que ele refere, a que se acrescenta o Reino Unido onde ele vive), a seguinte seriação:
Brasil (135), República Checa (584), Reino Unido (1493), França (1546), USA (1934), Portugal (1760), Itália (2736) e Espanha (3784). De facto, dessa ordenação Portugal estaria mal localizado, só estando melhor do que a Itália e Espanha. Esquece-se o fármaco-epidemiologista de dizer que tal normalização exige que a distribuição da doença se deve encontrar uniformemente distribuída nos territórios dos países para que tais números façam algum sentido.
Se fizermos a mesma conta por número de mortes normalizados por milhão de habitantes, teríamos a seguinte ordenação:
Brasil (8,28), Republica Checa (15,59), USA (54,66), Portugal (58,27), Reino Unido (193,46), França (256,58), Itália (358,6) e Espanha (398,55). Nesta ordenação normalizada a França e o Reino Unido passam-nos à frente. Aqui, o Reino Unido, onde o senhor vive, é muito pior do que Portugal, ou seja, é 3,3 vezes pior do que Portugal.Também essa normalização não faz sentido porque o número de mortes não está uniformemente distribuído nos territórios.
Se usarmos a letalidade para a ordenação, pois essa depende dos infetados e das mortes diagnosticadas pela doença, a ordenação passa a ser outra:
Republica Checa (2,67%), USA (2,83%), Portugal (3,31%), Brasil (6,1%), Espanha (10,53%), Reino Unido (12,96%), Itália (13,11%) e França (16,60%). Aqui Portugal está no pelotão da frente, com uma letalidade três vezes inferior à do Reino Unido e metade da do Brasil, que o senhor acha ser uma grande referência. Analisar os dados por letalidade é o que faz sentido neste momento, pois a doença ainda não se tornou crónica.
Neste momento os países com potencial mais “mortífero” por Covid-19 são o Brasil, USA e Reino Unido, países esses que o fármaco-epidemiologista acha que são boas referências ou exemplos.
Ainda poderíamos fazer outro exercício de normalização, que seria por exemplo perceber quanto tempo decorre desde ontem a infetar 20% da população de um país tendo em conta o ritmo de crescimento da epidemia em cada um deles. A ordenação produzida seria a seguinte:
Brasil (60 anos), Republica Checa (58 anos), Itália (12 anos), Portugal (11 anos), Reino Unido (8 anos), USA (7 anos), França (7 anos) e Espanha (5 anos). Aqui estaríamos a meio da tabela.
Não há qualquer métrica ou normalização que se faça neste momento que nos permita dizer que o Brasil é o melhor país do mundo a lidar com a Covid-19 ou que Portugal é o pior país do mundo no que a esse flagelo se refere. Esse senhor deveria saber um pouco mais e ter, em arrogância, um pouco menos.

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