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ENTREVISTA: Falta de meios e vontade institucional arrasta mediocridade em Timor-Leste – responsável
*** António Sampaio, da agência Lusa ***
Díli, 06 mai 2022 (Lusa) – A falta de meios ou de vontade política das instituições timorenses contribui para arrastar uma situação “de mediocridade” na formação de jovens, prejudicial para as suas opções e para o futuro da nação, disse um responsável educativo.
Benjamim Corte-Real, responsável do Instituto Nacional de Linguística (INL) e do Centro de Língua Portuguesa (CLP) da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), disse que isso se nota também no ensino e promoção do português, onde não se sente um empenho necessário das autoridades.
“Isto tem a ver com a instituição que trata disso. Uma instituição séria como a Igreja pode corresponder a esse dote natural [para línguas] e fazer do timorense uma entidade de grande orgulho e dignidade a apresentar-se ao mundo, como era no passado”, disse.
“Porque as instituições são destituídas de meios ou não têm atenção suficiente de quem de direito e competência para decidir, vamos arrastando a situação de mediocridade e os jovens são castigados por isso, porque não chegam a realizar todas as suas potencialidades e são injustamente culpabilizados”, sustentou.
Corte-Real, um dos linguistas timorenses mais consagrados – e cujo papel tem sido essencial na promoção das duas línguas oficiais do país, português e tétum – falava à Lusa à margem de um dos vários eventos organizados para assinalar o Dia da Língua Portuguesa.
Dados estatísticos evidenciam um aumento significativo no número de falantes de português nos últimos 20 anos, mas as carências continuam a ser evidentes em recursos humanos e materiais, fraca qualidade da formação e de pedagogia.
Apesar de pontuais declarações políticas de dirigentes timorenses em defesa da língua portuguesa, na prática, o empenho real na melhoria da situação continua a ser escasso.
“Não sei as intenções das autoridades, mas não senti ainda na pele esse maior empenho que todos nós exigimos, mas a nível de intenções deve haver. Só que não leio nas mudanças algo que tenha incisivamente a ver com o projeto da língua portuguesa”, explicou.
“Quero acreditar que ao haver mais estabilidade na governação essas coisas se podem discutir mais livremente e seremos capazes de chamar a atenção das pessoas mais responsáveis para um maior efeito. Com estas mudanças a causa da língua portuguesa perde prioridade”, disse.
O resultado da progressão conseguida nos últimos anos acaba mesmo, sustentou, por não ser só consequência dos esforços das autoridades, sem correções de problemas de fundo.
“Acho que temos a grande sorte em Timor-Leste de que, afinal de contas, a língua portuguesa está mais profundamente enraizada daquilo que possamos encontrar no desenho curricular ou no desempenho de um político que sobe ao poder. Por isso, dão-se mudanças, mas a questão permanece”, sublinhou.
Os problemas afetam a língua portuguesa como outros aspetos da formação em Timor-Leste, com carências desde o pré-primário até ao superior a prejudicarem, segundo especialistas, as potencialidades da população jovem, maioritária no país.
“O país perde com isso. De uma geração para outra tem que haver contiguidade dos objetivos para a defesa dos interesses mais sagrados do país e nação, e uma elevação de qualidade da geração prévia para a seguinte. Isso tem que ser ambição nacional”, afirmou.
E, como exemplo do que pode ser feito, apontou para a Igreja Católica, no passado com um papel central na formação geral em Timor-Leste e, especificamente, na formação em língua portuguesa e cujas escolas mostram hoje “dados mais satisfatórios do que as escolas públicas”.
Resultado, afirmou, de um trabalho com “dedicação e seriedade, na condução das tarefas” e que tem que ser transversal aos governos, com um “leque de consenso unânime para que independente de quem esteja no governo, a língua portuguesa mereça investimento permanente”.
Corte-Real insistiu na responsabilidade perante os jovens, especialmente das gerações mais velhas, notando que as crianças “merecem o atendimento das suas aspirações legítimas”, de acesso a boa educação formal, incluindo no “domínio de uma língua europeia” que permite aos timorenses “colocar-se no mundo” à vontade.
“E assim não ser sempre o sujeito inferiorizado porque ou fala mal inglês, ou fala mal português, ou diz que fala várias línguas, mas nunca uma corretamente. E isso inferioriza muito o jovem. E por isso não consegue penetrar nas disciplinas previstas no plano curricular e vai passando com muito favor”, disse.
Corte-Real pediu ação das várias gerações, com os mais velhos a ver como prioridade a possibilidade de ver os mais jovens chegar mais longe e realizar-se, porque “só assim se pode conferir a Timor a dignidade que esteja á altura da forma como lutou pela sua independência”.
“Parece que chegámos lá cima, contemplámos por uns minutos e depois voltámos à mediocridade, descemos porque não há contiguidade entre uma geração e outra”, disse.
“Os mais velhos devem ser chamados à atenção para o facto de que já é tempo demais de espera dos jovens para que transfiram esse sentimento de luta, perseverança, determinação e pertença. Os jovens têm que fazer alguns esforços de inteligentemente ganhar consciência de que pertencem a esse todo, não são uma entidade alheia, não podem descobrir um futuro seu desconectado das raízes do passado. Tem que haver uma coerência”, sublinha.
Em vez disso, porém, a sociedade parece “condicionada” a gastar energia em torno de “exibições de rutura e de alteração de governação”, com uma “polarização da atenção dos timorenses, jovens e velhos, para a questão de quem vai suceder a quem, ao invés de uma condução, uma orientação superior mais inteligente, orientada para cada jovem tirar das suas potencialidades maiores realizações possíveis”.
“Mesmo que os líderes atuais não possam vislumbrar tudo de uma vez, ao menos que formem os seus cidadãos da melhor forma possível e aí a responsabilidade para o futuro está entregue a eles”, considerou.
ASP
Lusa/Fim




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