faleceu clara pinto correia 2

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Clara Pinto Correia: adeus, princesa,May be a black-and-white image of one or more people and people smiling

CLARA PINTO CORREIA
(30-1-1960 / 9-12-2025)
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Estamos num mundo cão, faleceu aos 65 anos, a cronista Clara Pinto Correia que ficou tristemente celebrizada numa polémica com a exposição ‘Sexpressions’, em 2010, feita pelo seu ex-marido, Pedro Palma (falecido em 2017), que incluía imagens com as suas expressões em clímax sexual, e que levou a que perdesse emprego e a casa onde vivia. Como n sua era auria eu vivia fora resolvi tentar desvendar a vida desta personagem pelo que dela encontrei na blogosfera…

Muito novinha, Clara chegou a ser grande estrela, de primeiro plano, teve o país na mão, rojando-lhe os pés e o ego. Em 1984, terminou o curso de Biologia na Faculdade de Ciências e, no ano seguinte, tornou-se assistente estagiária de biologia celular, histologia e embriologia da Faculdade de Medicina e doutoranda do Laboratório de Biologia Celular do Instituto Gulbenkian de Ciência. Publicou o seu primeiro livro – Anda uma mãe a criar filhas para isto – quando ainda era estudante, em 1983, a que se seguiu, em 1984, o seu primeiro título conhecido, Agrião!, retrato de uma família pobre de província que vem a conta-gotas para Lisboa, em busca de melhor vida. Aos 25 anos, publicou Adeus, Princesa, aclamado pelos críticos mais distintos, que o classificaram como “um dos livros notáveis de 1985” (Vasco Graça Moura) ou “uma obra extremamente interessante, plena de irrequietude, de humor, de gozo e desfastio, e também de ternura profunda” (Urbano Tavares Rodrigues), reveladora de “uma imaginação inquieta e um extraordinário ouvido para as falas coloquiais” (Fernando Assis Pacheco). Num programa de televisão, Maria João Avillez falou de uma “obra-prima”, que em parte o era e é, sem dúvida. Depois, por uma cruel sucessão de desastres, uns próprios, outros alheios, a fama cobriu-se de lama, Clara entrou em perda e em queda, despenhou-se.

A consagração maior surgiria com Adeus, Princesa, de 1985 (adaptado ao cinema em 1991, por Jorge Paixão da Costa), e, rezam as crónicas, com E se tivesse a bondade de me dizer porquê?, este em parceria com Mário de Carvalho. Jovem e bonita, com um impecável pedigree de esquerda e um curriculum multifacetado, Clara tornou-se famosa muito nova, como a própria, de resto, não deixou de reconhecer numa entrevista a Maria João Avillez, para o programa “Interiores”, de 9/10/1992, em que confessou que teve a dita, ou desdita, de ter “crescido em público”, sob o “olhar de toda a gente”, quando só tinha 19 anos e ainda não era perfeitamente madura. Maria João perguntou-lhe se ela não teria “um lado excessivo”, se não estava a tocar demasiados instrumentos em simultâneo, ao que ela respondeu com a sua insaciável curiosidade pela vida e pelos outros, com o seu horror ao tédio, com o facto de privilegiar o experimentalismo na escrita em detrimento da repetição incessante das mesmas fórmulas e, enfim, com a reduzida dimensão do país: “Portugal é um país muito pequeno, pelo que é muito fácil a pessoa começar a ramificar para outras áreas.”

Em 1989, fixou-se nos Estados Unidos como visiting scientist do laboratório de Sabina Sobel, na Universidade de Nova Iorque, em Buffalo, para execução do projeto de doutoramento. Além de razões académicas, a ida para o estrangeiro teve motivos pessoais, ou existenciais, de novo ligados ao peso de ter sido uma figura pública precoce: “a questão de uma pessoa ter crescido em público não é impune para essa pessoa. Uma pessoa começa a crescer em público aos 20 anos e aos trinta pergunta-se: ‘mas que pessoa é que eu sou? Sou eu ou sou a minha imagem?’ Hoje em dia, penso que sou uma pessoa muito mais madura, muito mais definida e muito mais em paz comigo própria do que antes de ir para a América.” Regressou a Portugal em 1992, para se doutorar com louvor unânime no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto, mas, logo a seguir, voltou para a América como postdoc, iniciando aí o período mais fecundo da sua carreira, sobretudo quando decidiu trocar a Biologia pela História da Ciência e, tendo por mentor Stephen Jay Gould, assinou aquele que é o seu livro científico mais importante, O Ovário de Eva – Ovo e esperma e preformação (The University of Chicago Press, 1997; Relógio D’Água, 1999). Não por acaso, a sua entrada na Wikipédia faz uma listagem das obras que citam o seu Ovário e, bem assim, das recensões que foram feitas àquela obra, muito mais numerosas do que as de outros trabalhos seus, como Return of the Crazy Bird – The sad, strange tale of the dodo, versão anglófona de Dodologia – Um voo planado sobre a modernidade. Por essa altura – mais precisamente, em 1996 -, criou, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, a licenciatura em Biologia e o mestrado em Biologia do Desenvolvimento. Manteve, porém, a ligação à América, como Research Associate de Stephen Jay Gould no prestigiado Museum of Comparative Zoology da Universidade de Harvard, e, bem assim, como professora da Universidade do Massachusetts, em Amherst. Em 2002 e em 2001, respetivamente, abandonaria esses dois cargos e, em 2004, prestou provas de agregação em História e Filosofia das Ciências, na Universidade de Lisboa, catedrática da Lusófona. Foi cronista do “Diário de Notícias” e da revista “Visão”, apresentava programas na rádio e na TV (“Domingueiro”, 1982; “Música para Camaleões”, na Comercial, 1986; “Rumo à Lua”, na RTP2, 1996, Morfina”, na CNL, 1999-2000; “Travessa do Cotovelo”, na RTP2, 2001), continuava a publicar livros atrás de livros, a uma cadência de quatro ou cinco por ano. Em 1990, foi galardoada com o Prémio Máxima e são infindáveis as vezes que apareceu na televisão, onde começou por fazer, em 1982, a “Quinzena Teatral”, depois passou para a redação do telejornal de domingo, com Carlos Pinto Coelho, a seguir no concurso “Vamos Caçar Mentiras, de Fialho Gouveia, etc. Nos arquivos da RTP, há registo de entrevistas de vida com Isabel Bahia (“Uma Boa Ideia”, 1986), Joaquim Letria (“Já Está”, 1987), Maria João Avillez, já citada, Carlos Cruz (“Carlos Cruz – quarta-feira”, 1993), Pedro Rolo Duarte (“Falatório”, 1997), Júlio Isidro (“O Amigo Público”, 1999), Rita Ferro Rodrigues (“A Ferro e Fogo”, 1999) ou Francisco José Viegas (“Ler para Crer”, 1999), para não falar dos inúmeros debates em que opinou sobre temas variados, desde o modelo ideal de família ao estado da ciência em Portugal, passando pela clonagem, o 25 de abril, os hábitos de leitura, o fado marialva, os animais de estimação, a alma da nação portuguesa, o neofascismo, o consumo de drogas, a morte de Cristo, as grandes mudanças do milénio, o genoma humano, a figura paterna, a Barragem do Alqueva, a criminalidade em Portugal ou o pontificado de João Paulo II. Em 2017 optou finalmente por uma vida de maior reclusão e recato, foi viver para o Alentejo, mantendo um pé na América. Retomou as crónicas, mas agora no jornal “24 Horas” e, depois, mais recentemente, no “Página Um”. Em julho de 2018, em coautoria com Scott Gilbert, lançou um livro de ciência Fear, Wonder and Science in the New Age of Reproductive Biotechnology, na prestigiada chancela da Columbia University Press, o qual não despertou o interesse dos editores portugueses. Pela mesma altura, iniciou a publicação de uma trilogia intitulada “A Tirania da Distância”. Clara Pinto Correia foi e tem sido uma vítima não-inocente do país onde nasceu, terra de sentimentos impensados e extremados, que tanto faz endeusamentos súbitos como, logo a seguir, procede a defenestrações implacáveis, não raro motivadas por inveja (e, no caso dela, por atávica misoginia). A pequenez do “meio” (se quisermos, o parolismo do seu paroquialismo), aliada à consabida ignorância da classe jornalística, ou de uma parte substancial dela, propiciam estas genializações instantâneas, rapidamente convertidas em unânimes: uma vez “descoberto” um talento, todos se acotovelam para o louvar, convidando-o a falar sobre tudo e mais alguma coisa, na mira de abocanharem também um quinhão da “aura” da nova estrela.

Clara Pinto Correia era mãe e avó de netos e, ao que parece, vivia afastada das luzes da ribalta. Talvez não por vontade própria, mas com óbvios benefícios, sobretudo para ela, a quem bem se aplica o célebre dito de Nietzsche: “como te renovarás, se antes não te tornares em cinzas?” Já no início deste ano, em entrevista confessava:

“Fiquei sem emprego, sem qualquer espécie de trabalho. Primeiro que começasse a receber o subsídio de desemprego foram quase dois anos. Nas filas da Segurança Social olhavam para mim de esguelha. A minha senhoria da casa no Penedo [perto de Colares, Sintra] pôs-me uma ordem de despejo. Há 30 anos que lhe arrendava a casa e dava-me lindamente com ela”, revelou com mágoa na entrevista à Sábado, em janeiro de 2025.”

Rui Zink descreveu-a assim, de forma magistral

A CLARA (1960-2025) – Não era “a melhor de nós”. Ninguém é, nem mesmo na hora da morte. A sua ascensão vertiginosa na literatura pública e no jornalismo nos anos 80 só tem par no modo estrondoso com que caiu. (Eu ia a acrescentar “e escandaloso”, até para rimar com estrondoso, mas seria impreciso – ela sempre foi escandalosa.) O seu primeiro romance a sério, ADEUS PRINCESA, era o favorito de Vasco Pulido Valente (enfim, de entre os portugueses). O Vasco repeti-lo-ia várias vezes ao longo do tempo. E percebe-se porquê: havia uma alegre malícia no romance (ou mesmo humorada maldade) que agradava a quem não apreciasse moralices nos livros. (Nota: eu aprecio.)

Quando caiu, lembrou-me o “bota pedra na Geni / ela é boa de apanhar / ela é boa de cuspir”. Literalmente, estava a pedi-las. “Até a selva estava à espera daquele momento”, como diz o tenente Willard de Marlon Brando no ‘Apocalypse now’. Isso explica como ficou sem rede por um pecadilho chato (plágio de crónicas alheias, mais vale enfrentar o boi pelo nome) mas não mortal, quando outros e outras que fizeram o mesmo levitaram sobre as águas. Foi, num meio murcho onde a carreira é passar por entre os pingos da chuva, escandalosa, brilhante, atrevida, insolente, impertinente e pertinente. Tinha lata, muita lata. Coragem também, além de (já disse?) lata. Num país onde a inteligência ainda não é a cores, foi garrida, atrevida e maior que a vida, até que a vida (como um dia fará a todos nós) lhe tirou o tapete.

Foi encontrada morta, só. Morre-se de doença, de tristeza, de solidão, como expressou Teresa Martins Marques. Fascinante ou talvez não, a sua vida retrata de forma exemplar a pequenez mental deste país onde nasci e vivo. Teve fama mas nunca uma vida fácil… a ela se poderia aplicar a celebre paráfrase dos King Crimson ”There´s no end to my life. No beginning to my death. Death is life. (Não há fim para a minha vida. Não há início para a minha morte. A morte é vida.)”

 

 

 

 

 

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