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O ESTRANGEIRO
Aria de Encarnação arrastava os pés no chão despido. A luz do tecto deixava-lhe, na figura miudinha, um equânime facho de luz. Robert e Hannah seguiam-na pelo corredor.
– Tudo isto é muito breve mas é aqui que cabe a minha vida – disse, voltando-se para trás.
Exalava das paredes uma capa estanque de olvido e solidão. Humidade de pedras e barro. Robert, com a mão esquerda, fez sinal para que Hannah se adiantasse a ele. As duas entraram no quarto e ele ficou um instante sozinho, entre luz e sombra.
O cheiro da casa dominou-lhe os sentidos. Pensou no tempo como uma velhice, matéria insolúvel de ossos fatigados, escondidos em roupas escuras e movendo-se com as vicissitudes de um corpo frágil e ronceiro.
Não era ali que ecoavam as histórias que a mãe lhe foi contando ao longo dos anos. Era um espaço sem contornos no seu imaginário. Como descobrir a ilha que o levara ali, o mar de tantos anos revolto agora no espírito e no lirismo que foi guardando das emoções maternas? Estava perdido no vasto deserto das palavras. Não se pode regressar ao fim das coisas como a um princípio, pensou, avançando finalmente em direcção ao quarto.
Quando entrou, Aria de Encarnação abria as janelas.
– O mar parece-me sempre tão longe quando o sinto do quintal – disse, como se a nostalgia fosse uma explicação do mundo.
Robert sentiu que tinha que reinventar o próprio rosto naquele imenso e fragmentado espelho de sentimentos. Os olhos de uma mulher nunca estão fechados às imagens. Mesmo às mais escuras e distantes, concluiu em silêncio enquanto afundava as mãos nos bolsos.
– Excerto
in OUCÉMIO, livro de ficção inédito
Imagem: Image by StockSnap
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