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e.16. vem correr comigo (à bi rua) jun. 11,12, 1970
vem correr comigo. cabelos soltos ao vento.
pernas fustigadas pelas espigas, como um poema lançado ao fogo.
o cheiro a campo, a feno.
calma na aldeia. os campos povoados.
gente afanosa de um lado para outro.
o que se semeia. o que se colhe.
as terras adubadas pelo suor.
as mãos calejadas pelo trabalho.
o pó a entranhar-se nas rugas da cara.
os dias belos, verdes e azuis, cinzentos, iguais a tantos.
os cães ao longe guardando os rebanhos.
a fome e os verdes prados.
o sol a pino, como pá ou picareta abrindo estradas,
fazendo brotar água das f(r)ontes dos lavradores.
a brisa que não corre.
a sombra que se escolhe para a merenda frugal.
comida de crianças para homens feitos.
de novo a enxada até sol-pôr.
vidas penhoradas por frutos que não serão colhidos.
ao longe passam carros sibilantes.
por cima enormes monstros dos ares
atroam a calma, violam a aldeia. o sino assustado repica a medo.
pendurados nos fios há pardais. colocadas nas fundas há pedras.
as velhas sentadas ao sol que entra nas portas abertas.
enxameiam moscas. crianças chafurdam na lama.
cães encostados às próprias sombras
sacodem as moscas, coçam as pulgas
(em todas as elites sociais há parasitas!)
cabeças se movem inquisidoras
dos lábios o cumprimento-saudação
oculta comentários inconvenientes. fica a pairar o murmúrio.
chapéus nas cabeças, mãos que se levam ao chapéu.
e nós só queríamos os verdes campos
a vontade contida de correr e saltar
a liberdade dos pássaros-homens
dos homens feitos pássaros.
as noites claras e límpidas.
as estrelas no alto como teto.
nós sentindo a terra pulsar sob nossos corpos.
com um frémito
percorrendo as suas formas, o seu calor.
coladas as bocas, juntas as mãos
o nosso bafo entrecortado
por teto as estrelas.
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e.17. para uma canção triste de embalar (à bi rua) jun 26, 1970
não vou falar de ti, de mim ou de nós.
vou cantar uma história de embalar
quando as pessoas, por exemplo, no alentejo
tinham as costas vergadas
as caras rugosamente marcadas
e o bronzeado de muitos sóis
mãos ásperas mas fortes de homens
- não vou dizer que eram fortes como as certezas
mas direi que a vida vivia lá
por entre os vagarosos extensos campos
mudos e cabisbaixos como os homens
que adormeciam entoando hinos às estrelas
eu e tu dormíamos sob um branco teto –
homens para quem as estrelas entoavam cantigas de embalar
a vida igual e os homens os mesmos
indiferentes chorávamos os nossos problemas
falávamos mas nada dizíamos
as nossas palavras lançadas à terra não germinavam
as searas dos nossos atos sem espigas para colhermos
o pão que amassávamos era feito de pedras
que tínhamos em lugar de corações
os homens calados e taciturnos continuavam
embalados entoavam cânticos
à paz universal no meio do silêncio
enquanto os campos se agitavam
as pedras floresciam e os regatos iam alegres
gargalhando segredos jamais pronunciados
eu e tu sob o teto branco por céu
e os homens que então havia dormiam
embalados pelas estrelas
as nossas mãos macias e aveludadas
o ar cansado e os olhos profundos
faziam rir de pena homens e mulheres
pelo choro dos nossos problemas
- esta a canção de embalar –
súbita e simultaneamente surgiu do nada
um metralhar impiedoso
ceifado o sangue saía em borbotões
das bocas abertas mas caladas
como balões vazios ficavam os sonhos
para quê então uma canção de embalar?
entoemos em uníssono, uma última vez
esta trova de ninar.