escultor açoriano por excelência RUI GOULART

Reportagem no Correio dos Açores 2019-06-01
(Versão integral do testo)

“Ver a satisfação e o sorriso da pessoa homenageada é o maior triunfo e o maior reconhecimento que posso receber”, diz escultor Rui Goulart

O gosto pelas artes plásticas surgiu-lhe em criança e cedo percebeu que teria que fazer escolhas na sua vida para alcançar os seus sonhos. Na adolescência acabou por trocar a ilha do Pico por São Miguel, mas foi ao interromper os estudos que começou a evoluir no sentido que pretendia. Actualmente é dos escultores mais reconhecidos dos Açores e conta com uma vasta colecção de bustos e estátuas da sua autoria.

Nasceu e cresceu no concelho da Madalena, na ilha do Pico, mas chegada a altura de entrar no ensino secundário escolheu vir estudar artes para São Miguel, onde ganhou o balanço necessário para se tornar num dos escultores açorianos mais reconhecidos na área da arte pública, tendo inclusive várias estátuas, bustos e relevos espalhados principalmente pelas ilhas do Grupo Central.

Apesar de afirmar que não se imagina a viver noutro local que não São Miguel, Rui Goulart relembra que na ilha onde há vista para o ponto mais alto de Portugal a vida “era simples e tranquila”, o que lhe terá permitido explorar a sua inclinação para as artes plásticas: “A vida no Pico permitia-me fazer algumas brincadeiras simples recorrendo à natureza e foi talvez a partir daí que comecei a fazer escultura sem ter a consciência disso”, afirma.

Na escola, conta que desde cedo os seus professores perceberam que “havia nele qualquer coisa” o que fez com que o incentivassem a prosseguir o seu interesse artístico, começando assim a dar “passos seguros no desenho”.

Tendo em conta que nunca terá sido muito dedicado às brincadeiras que as outras crianças costumavam fazer entre si, como jogar à bola, o escultor adianta que optava por passar mais tempo sozinho e por “construir o seu próprio mundo”, adiantando que aos 11 anos de idade fez a sua primeira escultura em madeira, “uma figura que tinha na cabeça para experimentar uma técnica e que resultou num homem de laçarote que mais tarde um amigo meu chamou de “O pensador oprimido”, relembra.

No entanto, durante a sua adolescência ganhou consciência de que para conseguir prosseguir em direcção ao seu sonho teria que sair da Madalena, uma vez que ali seria mais difícil e mais limitador no que diz respeito aos estudos: “Sempre me abstraí das coisas de que não gosto e tive que fazer opções desde cedo, e por isso saí do Pico para continuar a estudar mas sempre senti que conseguia o que queria com naturalidade”.

Apesar do seu gosto e vocação pela expressão artística, Rui Goulart relembra que, na altura em que decidiu prosseguir o seu sonho, os pais terão receado pela sua opção, com medo de que não conseguisse de facto exercer a área de estudos a que se pretendia dedicar, salientando, no entanto, que agora esse é um detalhe recordado pela família que “tem orgulho e gosta de ver o resultado do meu esforço”.

Porém, terá sido a partir do momento em que decidiu interromper os estudos que o escultor terá começado a avançar com maior rapidez nos seus projectos: “Tomei consciência de que tinha que avançar sozinho e depois tive mais facilidade quando começou a aparecer a internet. A partir daí, aquilo que era muito difícil e a que só conseguia ter acesso nas feiras do livro – desde conseguir informação sobre escultura, como se fazem os moldes e tudo o que era preciso para avançar – passou a ser fácil”, conta.

“O retrato aconteceu naturalmente pela procura que tive”
Dedicado quase exclusivamente ao retrato, Rui Goulart adianta que é neste âmbito que surgem a maior parte dos pedidos que lhe chegam, inclusive, da diáspora: “O retrato aconteceu naturalmente mas pela procura que tive. As minhas primeiras oportunidades foram nessa área e a partir daí nunca mais parei. Estamos a falar de escultura em fundição, no bronze”.

Entre as obras que mais marcaram o seu percurso profissional enquanto escultor, Rui Goulart refere que as suas preferidas foram as estátuas e bustos que os próprios homenageados tiveram oportunidade de ver: “Uma obra marca sempre mais quando o homenageado está vivo, (…) o Dom Arquimínio, por exemplo, esteve vivo ao lado da sua homenagem, mas aí eu estava no estrangeiro e não consegui estar presente”, relembra o escultor referindo-se ao busto do Bispo Emérito de Macau, localizado na ilha do Pico.

Já no caso de Luís Carlos DecqMotta, cujo busto está situado na ilha do Faial, Rui Goulart recorda que “apesar de ele ter falecido muito recentemente aquando da inauguração da sua homenagem, continuava muito presente na memória colectiva e o trabalho acabou por emocionar muito os que ali estiveram presentes”.

Também aquando da inauguração da homenagem a Manuel Eduardo Vieira, uma estátua de corpo inteiro situada na ilha do Pico, de onde é natural “o rei da batata-doce” que construiu o seu império na Califórnia, Rui Goulart afirma ter tido uma das melhores experiências da sua vida profissional relacionada com a escultura, tendo tido a oportunidade de conhecer o homenageado instantes antes.

Apesar de considerar que fazer esculturas em homenagem a personalidades ainda vivas é “um risco absurdo”, o escultor afirma que gosta de estar presente nas cerimónias de inauguração das suas obras de arte para captar as verdadeiras reacções das pessoas: “Normalmente gosto de estar presente de uma forma quase anónima para conseguir ver as reacções genuínas das pessoas (…) e marca-me sempre ver a satisfação ou o sorriso natural da pessoa homenageada. É o maior triunfo, o maior reconhecimento”.

Contributos para o património devem ser “levados muito a sério”

Neste sentido, e tendo em conta o contributo que estes trabalhos de escultura têm para criar património que fica exposto para a posteridade, recordando personalidades, efemérides, eventos ou locais que são importantes para a história dos Açores e de Portugal, o escultor açoriano salienta que é exactamente esse o propósito das suas criações.

“Sei que estou a fazer algo para ficar, são registos para as próximas gerações e tenho que ter essa consciência e levar o trabalho muito a sério. Fazer escultura obriga-me a estudar e a conhecer as pessoas. É quase como falar com elas, e eu até posso dizer isto a brincar mas a realidade é que quando estou a trabalhar estou sempre a falar com as minhas “visitas” e só depois faço a minha interpretação delas”, explica.

Assim, e tendo em conta o trabalho envolvido para a criação de um busto ou estátua em honra de uma pessoa, Rui Goulart explica que, por ter desenvolvido a sua memória visual, depois de passar “vários dias” a estudar fotografias e a estudar a história das pessoas, acaba por ter já a imagem que vai trabalhar na sua cabeça.

“Quando começo a fazer o trabalho praticamente não preciso da referência das fotografias porque já tenho as pessoas na minha cabeça. Às vezes a dificuldade está em não fazer a interpretação adequada, e não interessa se alguém tiver muita técnica se não souber observar bem”, conta.

Por este motivo, e considerando o risco que é expor um trabalho de arte pública à crítica dos que por ali passam diariamente, considera-se um perfeccionista, embora “isso dependa também do tipo de trabalho e do estilo que se aplica à obra”, uma vez que existem trabalhos “que justificam mais pormenor e outros menos pormenor, mas tem que ficar como eu quero. Tem que ir ao encontro da imagem que tenho na minha cabeça, mas essa percepção pode ser diferente de pessoa para pessoa”, diz.

No entanto, salienta que o tempo que demora a trabalhar numa escultura não reflecte um trabalho completamente isolado do cliente, já que este “acompanha sempre o processo do trabalho, eu gosto de o partilhar e dependendo da natureza do trabalho partilho-o também com o público. Gosto de ver qual é a percepção das pessoas e, às vezes, até me ajudam por estarem mais próximos de quem está a ser homenageado e por conhecerem a pessoa melhor do que eu. Às vezes dão-me dicas que acabam por ser importantes e, no fundo, o que vai interessar é o resultado final”.

Apesar dos vários ciclos por que passou na sua vida profissional e artística, iniciada primeiro pela via do desenho, Rui Goulart salienta que com a escultura, e mesmo tendo evoluído dos bustos para as estátuas de corpo inteiro, nunca sentiu o mesmo tipo de saturação que sentiu no início da carreira. “Com a escultura nunca senti isso. Tive momentos em que fiz muitos bustos e agora estou a tomar o gosto pelos monumentos e pelas estátuas, mas não é pelo tamanho, é pelo desafio que é diferente. O busto tem que retratar a pessoa, conseguir a expressão certa, mas, por exemplo, o meu trabalho mais recente, uma estátua, deume muito entusiasmo e foi um desafio que me correu bem porque li toda a documentação sobre a pessoa e fui aos sítios onde a pessoa viveu”. Mesmo tendo um trabalho a tempo inteiro para além da escultura, adianta que todos os seus trabalhos são feitos a partir de casa com o apoio de uma equipa que o auxilia com a realização dos moldes sempre que tem esse tipo de dificuldades, o que lhe permite “rentabilizar mais o tempo e correr menos riscos”, salienta. Apesar de ter a escultura como uma grande paixão, o açoriano adianta que ter um trabalho durante o dia permite-lhe continuar a ter paixão por aquilo que faz: “Gosto de fazer escultura por prazer e ninguém consegue ter prazer durante dez horas seguidas com o mesmo tipo de concentração. Assim consigo fazer escultura quase todos os dias sem nunca ir até um ponto de saturação, porque ao chegar a casa trabalho cerca de duas horas, por exemplo. É pura satisfação”, diz. Acabou recentemente uma estátua que será brevemente instalada numa ilha do Grupo Central, e tem também diversos trabalhos à espera do respectivo financiamento para que possam avançar, dedicados sobretudo a temas da história açoriana, tais como a baleação, a emigração ou os ex-combatentes. A maior parte das suas obras encontram-se fixadas nas ilhas do Grupo Central, principalmente na ilha do Pico e na ilha do Faial, sendo na ilha de São Miguel que tem o menor número de peças. “Em proporção São Miguel não é a ilha onde tenho mais trabalhos. Talvez tenha a ver com o facto de ser natural do Grupo Central, mas também pode ter a ver com o meu feitio, uma vez que não sou de impingir nada a ninguém. Em São Miguel, pelo tamanho da ilha e pela sua circunstância económica e cultural acho estranho não ter mais trabalhos, mas temos que perceber que existem mais escultores. Já houve algumas iniciativas mas parece-me que algumas foram até bloqueadas”, conta o escultor.

“Não me imagino a viver noutro sítio”

Porém, considerando a relação de proximidade que tem com os concelhos de Ponta Delgada e Ribeira Grande, Rui Goulart não se imagina “a viver noutro sítio” mas considera que “o mais importante é trabalhar, ter encomendas e dar o meu melhor em cada uma delas, independentemente da cidade”, adianta.

“Se não o fizer cá faço-o na Califórnia e está tudo bem, não me é menos dignificante. Posso trabalhar para qualquer parte do mundo e já tive contactos da Coreia e de Timor. Não são trabalhos todos com a mesma dimensão mas escultura é escultura e artes plásticas são artes plásticas. Faço o que estiver dentro do meu campo de acção”, explica, adiantando ainda que “o mais importante é não parar”.

“Consigo fazer escultura quase todos os dias e nunca chegar a um ponto de saturação”

O escultor prepara-se para apresentar ao público no final deste mês a sua mais recente estátua que será colocada numa das ilhas do Grupo Central. Para o artista, o mais importante é “não parar e continuar a dar o seu melhor” em todos os seus trabalhos.

Apesar do trabalho amplamente divulgado, é em São Miguel que tem o menor número de obras, contando apenas com dois bustos em bronze. A grande parte dos seus trabalhos estão nas ilhas do Pico e Faial, começando também a ser requisitado para trabalhos nos países da diáspora açoriana.

Entre as suas obras mais conhecidas estão a estátua de Gilberto da Silva Mariano, figura de extrema importância para a Madalena do Pico, o busto em homenagem ao Papa Francisco, uma das suas obras mais mediáticas, o busto do Monsenhor Júlio da Rosa, que se encontra na ilha do Faial, ou os vários bustos de bronze de personalidades como John BassDabney, Charles William Dabney e Samuel WyllysDabney que se encontram na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.

Joana Medeiros / Correio dos Açores / 1 de Junho de 2019

https://www.linkedin.com/…/urn:li:activity:6542129580398923…

veja aqui um projeto de RUI GOULART apoiado pela AICL em busca de mecenas….

 

error

Enjoy this blog? Please spread the word :)

RSS
Follow by Email
Twitter
YouTube
LinkedIn