escravos em lisboa (podia ser noutra qualquer capital da época)

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Desconhecia por completo que foram vendidos em Lisboa escravos japoneses e até mesmo indígenas do Brasil.
Se quiserem conhecer um pouco mais sobre um capítulo pouco discutido da história portuguesa segue um texto que não é da minha autoria mas que julgo bastante interessante.
Se considerarnos que houve cerca de 400.000 africanos introduzidos em Portugal é possível imaginar que boa parte desses indivíduos tiveram relações entre si e com a população portuguesa e que seus descendentes podem ser alguns dos nossos antepassados.
A escravidão em Portugal: uma longa história
Arlindo Manuel Caldeira.
“Pode parecer bizarro que o anúncio seguinte fosse publicado por um jornal de Lisboa em Fevereiro de 1723:
“A Diogo Reymondo, morador à entrada da calçada que vai do Rossio para o Colégio de Sto Antão, fugiu em 13 do corrente um preto cativo chamado
António dos Santos que tinha comprado há pouco tempo a Manoel Ramires Esquível, corpo espigado e bem feito, de 28 até 30 anos de idade. Dará
alvíssaras a quem o apanhar ou disser parte certa em que esteja.”
E que, alguns anos depois, um comerciante de escravos, com loja no Bairro Alto, em Lisboa, mandasse anunciar no mesmo periódico: “Quem
quiser comprar escravos e escravas boçais que vieram nesta monção de Cacheu [Guiné], podem-nos vir ver à casa de Patrício Nolan, no meio da rua das Flores.”
Nada de estranho. No século XVIII, a escravidão continuava a ser uma prática habitual em Portugal, onde, aliás, tem de ser vista como um fenômeno de
longa duração, uma vez, que, sobretudo mercê das guerras da chamada “Reconquista cristã”, nunca desapareceu do território peninsular durante a Idade
Média, ao contrário do que aconteceu em alguns países da Europa do Norte.
No entanto, se a presença de escravos nunca se interrompeu em Portugal, o seu número cresceria de forma exponencial com a expansão portuguesa, que se iniciou em 1415, com a conquista de Ceuta (Marrocos), e se alargou depois por toda a costa de África, pela Ásia e pela América.
Desta forma, iriam chegar a Lisboa escravizados de todas essas origens: azenegues das costas da Mauritânia, naturais da África subsariana ocidental e
oriental, habitantes da Índia, do Japão, da China e da América do Sul (ditos brasis). Estes últimos foram os menos representados, pelas dificuldades de
sobrevivência no clima europeu e porque o seu comércio cedo foi proibido.
Aliás, no mesmo ano em que D. Sebastião legislou sobre a liberdade dos índios do Brasil, vedou também, por alvará de 20 de Setembro de 1570, a compra
e venda de escravos japoneses,, o que, mesmo que a medida não fosse cumprida com rigor, tirou significado a esse tráfico.
Embora escravos mouriscos, chineses, indianos, javaneses e de múltiplas outras origens cruzassem as ruas de Lisboa nos séculos XVI a XVIII, a principal
origem dos escravos que chegavam a Portugal foi, ao longo de mais de três séculos, a África transariana, sobretudo a costa ocidental. Essa proveniência majoritária levará, a médio prazo, a uma “cromatização” da escravatura, de que decorreram, inevitavelmente, preconceitos racistas e ações discriminatórias.
Foi em 1444 que chegou ao sul de Portugal o primeiro grande contingente de escravos, resultante das viagens de expansão. Neste, como nos desembarques imediatamente posteriores, os escravizados eram africanos do Sudão (trazidos pelas caravanas transarianas) e azenegues, obtidos, uns e outros, através de acções de pilhagem. No mesmo ano de 1444, as caravelas portuguesas atingiam o litoral
da África Negra, mas as formas de captura não mudaram.
A partir de 1448, porém, o infante D. Henrique, que patrocinara a maioria das expedições, proibiu formalmente as razias n acosta africana.
Esta decisão do Infante, embora saibamos que o seu cumprimento esteve longe de ser total e imediato, não deixou de constituir uma viragem histórica, pois
significava a vitória do comércio sobre as a ções armadas. Mas, a partir de então, também as autoridades locais africanas passaram a estar diretamente envolvidas e a ser, cada vez mais, parte interessada no tráfico atlântico de escravos que então se iniciava.
Durante cerca de 180 anos, entre 1444 e 1620, os portugueses praticamente detiveram o exclusivo desse comércio de “mercadoria humana”.
Ainda assim, um exclusivo relativo: quase desde o início que castelhanos, franceses e ingleses desafiavam as restrições do mare clausum decorrentes do Tratado de Tordesilhas e apareciam a negociar no litoral africano.
Os primeiros dois séculos foram ainda, em volume e em estrutura, uma pequena amostra do tipo de tráfico que viria a seguir, embora já cerca de três mil
escravizados tenham sido vendidos em cada ano.
Os destinos principais eram, durante as primeiras décadas, o continente europeu e os arquipélagos atlânticos onde tinha sido introduzida a produção de
açúcar (Madeira, Canárias, São Tomé). A partir de Portugal, um grande número de escravos era, além disso, reexportado para Espanha, para as repúblicas
italianas e até para a Europa do Norte. Parte dos escravos recebidos em Espanha era depois reembarcado em Sevilha ou Cádis em direção à América Espanhola.
Porém, a partir de 1520, ou mesmo um pouco antes, passou a ser autorizado o envio direto de mão-de-obra escrava de África para a América Espanhola, tornando-se os arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe os entrepostos onde os navios portugueses (e alguns espanhóis) se iam abastecer.
Portugal passou a ser um destino de chegada mais do que secundário no tráfico negreiro, desembarcando aqui, durante oséculo XVI, apenas alguns
contingentes de escravos em navios com cargas mistas: escravos, couros e outras mercadorias. “
CALDEIRA, Arlindo Manuel. Escravos e traficantes no Império Português.
Não é fácil determinar, mesmo por estimativa, o número de escravos entrados em Portugal durante todo esse período. O historiador Vitorino
Magalhães Godinho avançou com o número de 2000 a 3000 para os escravos entrados anualmente em Portugal durante o século XVI e, para o conjunto do
século, adiantou a estimativa global de 250.000 cativos.
.
Didier Lahon partindo, em primeiro lugar, de Godinho e do reconhecimento de que o ritmo de entradas esmoreceu nos séculos XVII e XVIII, mas esteve longe de desaparecer, calculou, para os escravos da África subsariana entrados na Península Ibérica entre 1450 e 1750, o número de 400 mil ou mesmo
mais.
Recordou, a propósito, o historiador Alessandro Stella, o qual estima em 700 a 800 mil os escravos africanos entrados na Península Ibérica, dos quais cerca
de metade (350 a 400 mil) teriam ficado em Portugal.
.
Em artigo mais recente, Filipa Ribeiro da Silva segue o mesmo caminho. Fazendo projeções de caráter essencialmente conjectural, estima em cerca de 320
mil os escravos entrados legal e ilegalmente entre 1440 e 1763, total que a autora amplia, na estimativa final, para 300 a 500 mil, passando, em seguida, a fixá-lo no valor mais elevado, o meio milhão de escravos.
A verdade é que as fontes de que dispomos são insuficientes e quase sempre pouco credíveis, para sabermos, com um mínimo de rigor, quantos
escravos entraram em Portugal ao longo de mais de três séculos. Os registos alfandegários das entradas em Lisboa, uma vez corrigidos com uma margem
satisfatória para o contrabando, poderiam ser uma fonte fundamental, se não tivessem sido engolidos pelo terramoto e pelo tsunami de 1755.
Num balanço global, o número de 400 mil escravos entrados e fixados em Portugal, no período que vai de 1440 a 1761, é, provavelmente, exagerado,
tendo sobretudo em conta que uma parte dos escravos desembarcados em Portugal no século XVI eram reexportados.
Foto : mamelucos conduzem indígenas escravizados.
Jean-Baptiste Debret

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