esclarecimento sobre as mortes no Nordeste

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Li uma publicação no facebook, onde é afirmado que o Senhor Diretor Regional de Saúde assumiu que os idosos do Nordeste morreram por “opção” da Autoridade de Saúde e que, devido a outras patologias, não era necessário irem para a unidade de cuidados intensivos criada para a Covid 19 no Hospital de Ponta Delgada. Tal publicação não corresponde ao que, efetivamente, foi afirmado pelo Senhor Diretor Regional, pelo que me sinto no dever de, enquanto cidadã e profissional de saúde, manifestar a minha posição.
A este propósito gostaria de introduzir aqui o conceito de “tratamentos fúteis”, “obstinação terapêutica”, “encarniçamento terapêutico” ou “distanásia” que mais não é do que prolongar a vida de uma pessoa através da utilização de meios desproporcionados de tratamento que lhe podem provocar sofrimento acrescido. Saliento que, nestes casos, a quantidade de vida é aumentada, muitas vezes à custa de muito sofrimento.
Assim sendo, os tratamentos desproporcionados, ou seja, aqueles que trazem mais prejuízo do que benefício, mais desvantagens do que vantagens e, que por isso, são denominados de “tratamentos fúteis” não devem, sequer, ser iniciados e acrescento, independentemente da idade.
Após este esclarecimento cito o que foi dito pelo Senhor Diretor Regional de Saúde: “Não são mortes súbitas, são mortes contextualizadas dentro daquilo que é patologia crónica que muitos doentes tinham e dos efeitos provocados pelo novo corona vírus (…) maioritariamente acima dos 70-80 anos de idade de pessoas que por via dessa faixa etária têm maior fragilidade, maior vulnerabilidade para infeções respiratórias, sobretudo provocadas por este novo coronavírus, às quais se associa as patologias crónicas que já possuíam e que terão também elas contribuído para este desfecho (…) São pessoas cuja perspetiva, cujo prognóstico, em alguns dos casos, já era reservado logo no momento da admissão, da unidade hospitalar, de um meio mais diferenciado… em alguns dos casos… não justificava o investimento e a submissão a uma pessoa, se calhar com um maior sofrimento, de colocá-las com medidas mais invasivas
Perante esta citação, fica claro que o senhor Diretor Regional se está a referir à intenção de evitar a obstinação terapêutica, ao afirmar que não se justificava o investimento e a submissão de uma pessoa a medidas invasivas e, provavelmente, com sofrimento. O Senhor Diretor Regional refere-se a uma boa prática de cuidados de saúde pois, tal como afirmam vários autores, pessoas fragilizadas necessitam de cuidados adequados às suas necessidades e não de terapêuticas agressivas e fúteis (Neves e Osswald, 2007; Pacheco, 2014; Nunes, 2016).
Sou enfermeira e trabalhei em Cuidados Intensivo. Por isso sei do que fala o senhor Diretor Regional, quando se refere à opção de não se utilizarem medidas invasivas em pessoas idosas, com patologias associadas e com prognóstico reservado. Cuidei de muitos doentes ligados a um ventilador, com entubação endotraqueal, a serem aspirados frequentemente. Alguns recuperaram, outros acabaram por morrer.
Todos sabemos que muitas vezes se prolonga a vida à custa de muito sofrimento….
Para além disso, sou Mestre em Teologia e Ética da Saúde, tendo a minha dissertação sido sobre a pessoa em fase terminal numa perspetiva ética. Durante o mestrado e após o mesmo (já lá vão muitos anos), tenho refletido muito sobre estas questões e, efetivamente, há vidas que não devem ser prolongadas uma vez que o sofrimento por que passam essas pessoas não o justifica.
As orientações gerais baseiam-se em princípios da Bioética: respeitar a autonomia das pessoas, agir em benefício e sem prejudicar as pessoas e agir com justiça. E é exatamente por isso que a nossa ação se deve pautar respeitando a vontade da pessoa, mas, quando ela não está em condições de a manifestar, agindo em seu benefício e evitando, sempre, provocar-lhe sofrimento.
Porém as decisões têm de ser, sempre, contextualizadas. Assim sendo, qualquer decisão deve ter por base os princípios éticos, a legislação, regulamentos específicos (como é o caso dos códigos de ética profissional) e, também, a situação concreta. Para além disso, e como muito bem e já por várias vezes afirmou o Senhor Diretor Regional da Saúde, as decisões não são tomadas de ânimo leve. Acrescento que existem Comissões de Ética, nomeadamente no Hospital do Divino Espírito Santo, para que as decisões mais complexas sejam tomadas da forma mais adequada.
E volto a citar o senhor Diretor Regional:
“A partir de determinado momento, a questão dos cuidados intensivos e do número de ventiladores evitaram males maiores…. Não quero dizer, volto a dizer… um eventual foco que possa vir a ser detetado na região que atinja uma franja da população mais jovem e que possa vir a ocupar outros recursos”
Concordo em absoluto com esta afirmação que não traduz, de modo nenhum, a intenção de abandonar os idosos à sua sorte nem de privilegiar os jovens. Traduz sim a sua preocupação em evitar males maiores, ou seja, a sua preocupação com uma coisa que se chama “bem comum”.
O princípio da beneficência defende uma tomada de decisão e uma ação com a finalidade de beneficiar a pessoa, mas não nos podemos esquecer que, neste contexto, corríamos e podemos correr o risco de pôr em causa o bem de uma comunidade. Qualquer pessoa não está isolada, vive num tempo e num espaço em que os recursos têm de ser assegurados a todos e em que muitas vezes o bem da comunidade se sobrepõe ao bem individual.
Fundamental evitar o sofrimento em toda e qualquer circunstância.
Termino dando os parabéns ao Senhor Diretor Regional por confiar nos profissionais de saúde que se encontram na linha da frente e que tomam as decisões em contexto. Sim, porque as orientações são dadas, mas as decisões são tomadas em contexto.
Suzana Pacheco
Doutora em Enfermagem
Mestre em Teologia e Ética da Saúde
Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica
Enfermeira