em louvor das fajãs SÃO JORGE

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Numa altura em que são cada vez mais os que visitam as fajãs de São Jorge, importa relembrar o texto EM LOUVOR DAS FAJÃS, escrito por Norberto Ávila em 1991, na Fajã de São João, e que foi prefácio do seu álbum fotográfico AS FAJÃS DE SÃO JORGE, numa edição da Câmara Municipal da Calheta (1992):

“Na ilha de São Jorge, invulgarmente alongada e de costas abruptas, as fajãs e o mar são indissociáveis. E, na vasta diversidade paisagística açoriana, constituem inegavelmente lugares únicos, que por isso mesmo importa preservar. Trata-se de faixas costeiras, de extensão e inclinação muito variáveis, mas quase sempre em forma de pronunciado anfiteatro, que certamente resultam de muito antigos abatimentos, de derrocadas de serras altaneiras, ou, paralelamente, da acumulação de materiais de aluvião, trazidos pelas inúmeras ribeiras, algumas de águas perenes.

Estão estas fajãs – cerca de 4 dezenas – umas, voltadas a norte, outras a sul, (que mais exato seria dizer-se: a noroeste e a sudeste. Ainda há pouco o acesso às mais importantes se fazia por caminhos de bagacina vermelha, partindo da estrada principal – do Topo aos Rosais – e serpenteando pelas vertentes, ricas dos mais diversos matizes de vegetação, caminhos esses que hoje conhecem o benefício e a comodidade do asfalto, o que permite a utilização do automóvel em condições mais que razoáveis. Às outras, às mais humildes e recônditas, continuar-se-á a descer por atalhos de pé posto, alternando algumas vezes com degraus incrustados ou talhados na própria rocha.”

Leia na íntegra em https://bit.ly/2MYW832

*Na imagem, a Fajã de São João, na Ilha de São Jorge.

EM LOUVOR DAS FAJÃS

Na ilha de São Jorge, invulgarmente alongada e de costas abruptas, as fajãs e o mar são indissociáveis. E, na vasta diversidade paisagística açoriana, constituem inegavelmente lugares únicos, que por isso mesmo importa preservar. Trata-se de faixas costeiras, de extensão e inclinação muito variáveis, mas quase sempre em forma de pronunciado anfiteatro, que certamente resultam de muito antigos abatimentos, de derrocadas de serras altaneiras, ou, paralelamente, da acumulação de materiais de aluvião, trazidos pelas inúmeras ribeiras, algumas de águas perenes.

Estão estas fajãs – cerca de 4 dezenas – umas, voltadas a norte, outras a sul, (que mais exato seria dizer-se: a noroeste e a sudeste. Ainda há pouco o acesso às mais importantes se fazia por caminhos de bagacina vermelha, partindo da estrada principal – do Topo aos Rosais – e serpenteando pelas vertentes, ricas dos mais diversos matizes de vegetação, caminhos esses que hoje conhecem o benefício e a comodidade do asfalto, o que permite a utilização do automóvel em condições mais que razoáveis. Às outras, às mais humildes e recônditas, continuar-se-á a descer por atalhos de pé posto, alternando algumas vezes com degraus incrustados ou talhados na própria rocha.

Há o habitante permanente da fajã, tal como há o que, residindo habitualmente em povoações mais populosas (vilas e freguesias, por exemplo), tem numa fajã um residência secundária, de veraneio ou de apoio a qualquer vinha ou quinta. Em alguns casos, estas vinhas são constituídas por sucessivas porções de terreno arável ou não, ligadas entre si por escaleiras, em socalcos, onde crescem videiras, figueiras, bananeiras, laranjeiras, macieiras, nespereiras, nogueiras, castanheiros, anoneiras e muitas outras espécies. Algumas fajãs da costa sul (a dos Vimes e a de São João, nomeadamente), produzem, muito embora em quantidade modesta, um café altamente apreciado.

Aqui e ali se despenham da rocha altíssimas quedas de água, que animam azenhas e alimentam plantações de inhame. Há as casas simples, com suas lojas de rés-do-chão transformadas em adegas; há também adegas que em pequenos períodos (particularmente em fevereiro e setembro) servem de residências. Há os lagares, que em tempo de vindimas reduzem a vinho, tinto e branco, as uvas que amadurecem no suave calor das pedras. Há os alambiques, que pacientemente destilam o espírito desse mesmo vinho. Há as casas de tear (na Fajã dos Vimes), de que saem umas colchas bem representativas do artesanato jorgense. Há o enxadrezado típico dos telhados de telha regional. Há deslumbrantes panoramas de recortes da costa sobre o mar, com inesperados enquadramentos de araucárias e dragoeiros, com ilhas quase imateriais ao fundo: Pico e Faial para as fajãs do sul; Terceira e Graciosa para as fajãs do norte. Há ainda aspetos muito particulares, como as das lagoas de beira-mar, na Fajã da Caldeira de Santo Cristo e na Fajã dos Cubres, sendo a de Santo Cristo o único sítio do Arquipélago onde se reproduzem amêijoas, justamente cobiçadas.

Séculos atrás, sofriam este lugares as indesejáveis visitas dos piratas norte-africanos e europeus. E, já no século XIX, eram veleiros dos Estados Unidos que por aqui passavam, recrutando baleeiros ou recolhendo emigrantes mais ou menos clandestinos.

Mais nos nossos dias (há cerca de 40, e mesmo há 30 anos), coisa de recordar era a passagem dos iates de cabotagem pela costa sul da ilha, das Velas à Ponta do Topo, com paragem em pequenos portos intermediários, como a Fajã dos Vimes e a Fajã de São João. Tanto como o momento, (alegre ou triste) de receber ou despedir os parentes e amigos, fica na memória a vinda ao cais dos que pretendiam entregar ao mestre do barco uma simples carta ou, sendo agosto ou setembro, uma cestinha de figos e uvas para algum ente querido da ilha Terceira.

Igualmente digna de reconstituição literária ou cinematográfica, a chamada “muda para Fajã”, quando a permanência, por parte dos moradores habituais das freguesias vizinhas, se estendia por mais de um mês. Os automóveis eram então escassos e os caminhos ainda pouco adequados a tal meio de transporte. Utilizava-se então o carro de bois, que carregava os apetrechos indispensáveis da casa, dos colchões aos utensílios de cozinha, do vasilhame às reservas de mercearia. Sentada no lugar naturalmente mais cómodo, a avó velhinha, dormitando. As mulheres conduziam as crianças. Os homens incentivavam os bois com a fina aguilhada de buxo. O cão, fidelíssimo, acompanhava-os, à sombra do carro vagaroso e guinchante.

À invulgar tranquilidade do ambiente acresce o ar puro e saudável, a temperatura quase sempre macia, a transparência das águas marinhas abundantes em peixe. E o prazer que não há na lenta navegação costeira, ao longo destas fajãs, em pleno verão! Levantam-se das pedras bandos de graciosos garajaus. Nos fios de ferro, que unem o topo à parte baixa das vinhas, zunem os molhos de erva para o gado, suspensos, nos ganchos faiscantes. Se a noite é escura, rouquejam os cagarros (supondo-se cantores), cruzando os ares, da terra para o mar. Se é noite desanuviada, sem luar, então é um deslumbramento de estrelas, um espetáculo esmagador e inesquecível, mesmo para os veraneantes menos versados em astronomia.

“Ou Paris ou Fragueira!” – dizia o maestro Francisco de Lacerda, que, nascido na freguesia da Ribeira Seca, alcançou invejável projeção internacional nos primeiros decénios deste século. E a Fragueira – pequena fajã ali bem perto da terra natal, era o seu refúgio no tempo das férias em São Jorge. Em verdade, quanto não devem os grandes artistas aos pequenos, ignorados lugares desse vasto Mundo!

NORBERTO ÁVILA

Fajã de São João, julho de 1991

*Prefácio ao álbum fotográfico As Fajãs de São Jorge, do mesmo autor. (Edição da Câmara Municipal da Calheta / São Jorge / Açores, 1992)

www.norberto-avila.eu

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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