Edgar L. Wakeman.«Viagem de Nantes a Ponta Delgada».

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Uma tarde amena, depois do vento. Inventei tempo livre para traduzir o primeiro capítulo do potencial livro, nunca compilado, editado e, julgo, traduzido, de Edgar L. Wakeman. É um texto bonito, o primeiro de vários com uma interessante descrição de uma estadia em São Miguel. Foram publicados em 1889 em vários jornais americanos. À falta de título para este conjunto açoriano das suas «Deambulações», que o levaram pelo mundo e lhe deram temporariamente alguma fama, chamei-lhes «Deambulações nos Açores em 1889». A este primeiro artigo-capítulo, chamei «Viagem de Nantes a Ponta Delgada». O resto, claro, é do autor. Cá vai o texto:
Ponta Delgada, Açores, 24 de Outubro de 1889. — A força da antiga tradição oriental levou sem dúvida à descoberta e povoamento do continente americano. Os remotos e místicos espíritos de autoridade histórica e ética que são os Puranas [textos antigos hindus], colocavam a Chandra Duipa [ilha ou continente sagrado], ou «Ilhas Sagradas do Ocidente», entre as ondas e a vastidão do Atlântico. Píndaro descreveu o lugar de repouso dos heróis gregos como as Ilhas dos Bem-Aventurados ou Ilhas Afortunadas:
Aí sopram as brisas oceânicas
em volta das Ilhas dos Bem-Aventurados.
Brilham flores de ouro,
umas no chão, outras nas árvores resplandecentes.
A água cria outras ainda.
Com elas entrelaçam as mãos com grinaldas […]
[A tradução inglesa da II.ª Ode Olímpica de Píndaro (476 a.C.) que é usada no texto original surge no livro «Ireland: Its Scenery, Character, &c, Volume 3» de Samuel Carter Hall e Mrs. S. C. Hall, publicado em 1843 pela How and Parsons. A tradução portuguesa que aqui usamos é de Maria Helena da Rocha Pereira e encontra-se na página 29 do livro «Obras de Maria Helena da Rocha Pereira: Traduções do Grego», editado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Imprensa da Universidade de Coimbra em 2017, e também no livro «Sete Odes de Píndaro», da mesma autora, editado pela Porto Editora em 2003.]
Os antigos bardos irlandeses cantaram repetidamente a Hy Brazil (ou Brasil) [ou Ilha de São Brandão, ilha mítica] como terra de sol perpétuo, oculta pelo oceano, com nobres rios, montanhas e vales, cheios de verdura perene, terra livre de cuidados e de decadência. Os lendários heróis celtas, tais como Oisin mac Fionn [guerreiro antigo, caçador, bardo e poeta; filho de Fionn (o Finn)], eram transportados por poderes sobrenaturais para esta Tír na nÓg [um dos paraísos celtas], a terra da perpétua juventude e ilha dos imortais. A compensação pelo triste destino do Rei Artur em Camelford [vila e paróquia civil (freguesia) da Cornualha que tem sido identificada por alguns como a lendária Camelot] chegou através do transporte, por mãos carinhosas, da sua alma magoada e do seu corpo ferido para a «ilha-vale de Avalon» [ilha lendária da lenda arturiana], de onde «virá de novo» e dará à sua amada Inglaterra um reinado de justiça e paz. O mal-aventurado Tasso, na sua gloriosa «Gerusalemme Liberata» [poema épico de Torquato Tasso, publicado em 1581], localiza os encantamentos de Armida sobre Rinaldo — quando este deveria ter estado com Godofredo lançando pedras às cabeças dos pagãos sobre os muros da velha Jerusalém — nas «Ilhas Felizes, as Afortunadas», colocando as ilhas, mesmo tão tardiamente quanto 1570 [Tasso iniciou o seu trabalho no poema em meados da década de 1560 e completou-o em Abril de 1575], a Oeste e a Sul de Gibraltar [as Colunas de Hércules]. [Em 1864 a Typographia Universal publica uma tradução para português do poema épico de Tasso por José Ramos Coelho (Lisboa, 7 de fevereiro de 1832 — 15 de setembro de 1914; historiador, conservador da Biblioteca Nacional e da Torre do Tombo, tradutor e poeta). O troço referido por Wakeman encontra-se nas páginas 352 a 354, e vale a pena reproduzi-lo aqui:
Serão os marcos d’Hercules um nome,
Fabula para o nauta; e d’estes mares
E reinos que a distancia ignota some,
Inda ouvireis as famas singulares;
Então, sem que temor e p’rigo o dome,
O lenho mais audaz, por mil azares,
A terra ha de medir, do sol radiante
Arrojado rival e triumphante.
Cabe a um filho da Italia o atrevimento
De se arriscar ao curso não provado:
Nem o rugido ameaçador do vento,
Nem o inhospito mar nunca sulcado,
Nem vario clima ou quanto o pensamento
Reputa mais terrível e arriscado,
O seu pensar e generoso peito
De Ábila encerrarão no curto estreito.
Colombo, tu do mundo á nova parte
Has de levar tão longe a feliz vela,
Que a fama co’as mil azas alcançar-te
Conseguirá somente. Cante ella
Embora Alcides, Bacho; para honrar-te
Basta esboçar a túa acção tão bella.
Que esse pouco dará longa memoria,
De um poema digníssima e da historia.
D’esta arte diz, e pela estrada undosa
Corre ao ponente, e dobra ao meiodia,
E vê cair em frente a luz radiosa
Do sol, e renascer atrás o dia.
Mas no momento mesmo em que a formosa
Aurora orvalho e raios desparzia,
Ao longe se lhe antolha escuro monte,
Por entre as nuvens escondendo a fronte.
Vêem-no logo, caminhando avante,
Já co’a cima de nuvens descoberta.
Ás pirâmides grandes similhante,
Pois engrossa no centro, e no alto aperta,
Fumegando como esse que o gigante
Opprime, de cratera sempre aberta,
Que lança fumo até que o sol se ponha,
E á noite inflamma o céo com luz medonha.
Outras ilhas não tanto levantadas,
E outros cumes descobrem finalmente;
As ilhas juntas são, e Fortunadas
As nomeou da antiguidade a gente;
As quaes pelo céo eram tão amadas,
Que sem arado imaginava a mente
Produzirem, e dar fructo mais bello,
Sem ter cultivo, o natural bacello [vinha].
Ali nunca a oliveira nas suas flores
Mentia; mel os robles distillavam;
Dos montes descendiam sem furores
As aguas, e suaves murmuravam;
Não faziam incommodo os calores,
Que as auras, e o rocio os mitigavam;
Ali se collocavam as famosas
Habitações das almas venturosas.
Já para estas a barca vae volvendo.
Finda é quasi a viagem, diz a dama;
As ilhas Fortunadas estaes vendo,
De que heis ouvido incerta, illustre fama.
Formosas, férteis são; porém, correndo,
O certo de mentiras se recama.
Assim fallando a prôa aventureira
Se chega á que das dez era a primeira.
] Os egípcios também acreditavam — e sobre ele cantavam — num paraíso insular similar cuja história Platão fez Crítias contar como tendo sido recebida de Sólon pelo seu avô, que teria recolhido os seus pormenores junto dos sacerdotes do Egipto. [A passagem em causa encontra-se, em português, nas páginas 229 e 230 de «Timeu-Crítias», de Platão, com tradução do grego, introdução e notas de Rodolfo Lopes, uma edição da Imprensa da Universidade de Coimbra de 2013:
«Mas antes ainda do meu discurso, impõe-se um breve esclarecimento, para que não fiqueis admirados por muitas vezes ouvirdes nomes gregos aplicados a homens estrangeiros; ouvi então a razão. Sólon, por ter pensado em utilizar esta narrativa na sua poesia, procurou o significado destes nomes e descobriu que aqueles primeiros egípcios os tinham redigido vertidos na sua própria língua; então ele, por sua vez, depois de ter assimilado o sentido de cada um desses nomes, registou-os e traduziu-os para a nossa língua. Estes escritos estiveram na posse do meu avô, e neste momento estão ainda comigo, com os quais me exercitei enquanto era criança. Portanto, que não vos cause nenhuma admiração se ouvirdes alguns nomes como estes; aí tendes, portanto, a razão. Mas vejamos agora como era o princípio daquela grande narrativa.
Tal como foi dito anteriormente acerca da partilha que ocorreu entre os deuses, eles dividiram toda a terra aqui em porções maiores e acolá em mais pequenas, onde estabeleceram templos e sacrifícios em seu próprio benefício. Deste modo, Posídon, quando lhe coube em sorte a Ilha da Atlântida, estabeleceu aí os filhos que gerou de uma mulher mortal num certo local da ilha.
Existia ao longo de toda a ilha, em direcção ao mar, uma planície central, a qual se diz que seria a mais bela de todas as planícies e com uma fertilidade considerável. Nesta planície havia ainda na parte central uma montanha, baixa em todos os pontos, que distava cinquenta estádios do mar. Neste local, estava um habitante de entre os homens que aí tinham nascido dessa terra em tempos primordiais; o seu nome era Evenor e vivia juntamente com a sua mulher, Leucipe; tiveram uma filha única, Clito. Logo que a rapariga atingiu a idade de ter um marido, a sua mãe e o seu pai morreram, e então Posídon desejou-a e uniu-se a ela. Então, de modo a construir uma cerca segura, desfez num círculo o monte em que ela habitava, e construiu à volta anéis de terra alternados com outros de mar, uns maiores, uns mais pequenos — dois de terra e três de mar, no total, torneados a partir do centro da ilha e equidistantes em todos os pontos, para que fosse inacessível aos homens; com efeito, naquela altura ainda nem havia naus nem se navegava.»
] A fabulosa e vasta Atlântida da fantasia de todas essas nações pode ter existido e desaparecido; ou pode ter existido em proporções magníficas, e a sua localização ainda estar marcada por aqueles minaretes-ilhéus que, como as belas e baixas torres de castelos em ruínas, nos contam em silêncio acerca de maravilhosos esplendores e poderes antigos. Esta conjectura é, pelo menos, interessante, e ganha não pouco fascínio quando, num olhar de relance varrendo o mapa em direção a Noroeste a partir do Cabo Bojador, na costa Noroeste da África, se encontram, como possíveis elos quebrados de uma antiga e imponente cadeia continental, primeiro as Canárias, depois as ilhas da Madeira e, mais além, erguendo das ondas de safira, ao longo de centenas de milhas, os seus picos beijados pelas nuvens, aquelas gemas lustrosas de solarenga verdura e de florescimento, as Ilhas Ocidentais, ou as ilhas dos Açores.
Há muitas formas agradáveis, para os que não receiam uma saudável viagem marítima, de chegar aos Açores. Há uma linha de vapores e uma de paquetes de Boston. Certamente também uma linha de Nova Iorque, cujos navios fazem comércio com portos do Mediterrâneo e desembarcam passageiros no seu caminho. Pode-se embarcar todos os meses, ou mais menos, em robustos paquetes à vela vindos da velha e pitoresca New Bedford, a única cidade portuária americana que ainda acredita em navios americanos e marinheiros americanos. De Southampton, Inglaterra, pode-se, durante a época das laranjas, o inverno, garantir passagem num veleiro ou num vapor quase em qualquer dia da semana. De Lisboa, os vapores-correio do Governo de Portugal partem para os Açores com regularidade, a 1 e a 15 de cada mês. Estando eu na antiga cidade de Nantes, no Loire [França], e a poucas milhas do Golfo da Biscaia, tinha apenas a escolha — ou pelo menos assim o insistiram todas as sábias autoridades — entre Lisboa ou Southampton como porto de partida; mas, tendo eu encontrado algumas deliciosas laranjas embrulhadas em reveladoras cascas de milho numa das bancas de frutas da Rue du Calvaire, adoptei o papel de detetive comercial e marítimo, ao longo dos cais desde Nantes até St. Nazaire, e encontrei — pois sabia que aquelas laranjas não tinham vindo da Madeira, mas sim dos Açores, tão certamente quanto se pode seguir o rastro do «Bourbon» até ao Kentucky, e não ao Maine — um elegante bergantim bretão pronto a zarpar para Ponta Delgada, capital de São Miguel e principal cidade dos Açores. O seu capitão — uma alma afável, larga, barbuda e benigna, nada avessa a companhia amável — ofereceu-me, por uma passagem de apenas 100 francos, o seu próprio beliche e liberdade para usar a sua minúscula cabina, concordando em desembarcar-me em segurança em Ponta Delgada, onde dentro de dez dias iria embarcar uma segunda carga de laranjas, caso os ventos favoráveis prevalecessem. Ao fim do mesmo número de horas, havíamos já perdido de vista o nobre farol de St. Nazaire e, num curso Sudoeste, havíamos já avistado os sombrios rochedos de Espanha em Finisterra, quando a noite encobriu a terra, que não voltou a ser vista até se vislumbrar, na manhã do quinto dia da nossa viagem, o pico cinzento do Pico, pequena mancha no horizonte distante do Oeste e uma das ilhas dos Açores, elevando-se mais de 7 000 pés acima do mar.
Foi uma viagem curiosa, com aqueles velhos homens do mar bretões. Encontravam-se neles alguns hábitos singulares. O seu vinho azedo e vil, que consumiam aos galões, o seu alho, caviar e peixe salgado, o seu pão branco de pedra de trigo, os seus guisados e sopas, e café negro de tinta, e a sua cozinha sobre o convés nos velhos utensílios de há dois séculos, a todas as horas do dia e da noite, à maneira dos pitorescos navios costeiros cubanos que outrora conheci, são todos de memória pouco agradável. Mas a boa camaradagem entre mestre e homem, a total ausência da brutalidade ululante sob a máscara da «disciplina» dos navios americanos, a constante urbanidade entre os camaradas, e a polida humildade do capitão para com os marinheiros, com o seu esplêndido físico, o vestuário e agrupamento pitorescos da tripulação, o seu cabelo encaracolado, barbas finas e brilhantes, peitos tremendos e rostos francos, livres e solares, voltando-se sempre para nós em deferência respeitosa ou sorriso agradável, eram todos como versos melodiosos para um idílio encantador do mar.
Naquela agradável viagem houve também tempo para reunir em antecipação algumas notas sobre os Açores; e porque há pouco sobre estas ilhas que se encontre nos livros, vale a pena aqui registar alguns factos dessas notas de forma inteligível e breve: Os Açores, nomeados a partir do açor, ou do falcão, são nove ilhas situadas num extenso grupo que abarca, na direcção geral de Noroeste a partir de Santa Maria, a ilha mais meridional, à latitude de Gibraltar, cerca de 350 milhas até ao Corvo, a ilha mais setentrional, à latitude da Filadélfia. As nove ilhas compreendem três grupos. O Sudoeste inclui Santa Maria, com 36 milhas quadradas e 9 000 pessoas; São Miguel, a maior ilha açoriana, com 224 milhas quadradas e cerca de 112 000 habitantes; e as Formigas, um grupo de rochas expostas, escondidas da vista por nevoeiros e excepcionalmente perigosas durante o inverno. O grupo central consiste no Faial, com 40 milhas quadradas e cerca de 28 000 almas; a Terceira, com 180 milhas quadradas e talvez 60 000 almas; a Graciosa, com 32 milhas quadradas e 13 000 pessoas; São Jorge, com cerca de 90 milhas quadradas e 19 000 almas; e o Pico, com possivelmente uma área de 80 milhas quadradas e 26 000 habitantes. Há apenas duas ilhas no grupo Noroeste, as Flores e o Corvo, a primeira com cerca de 130 milhas quadradas e 12 000 almas, e a última com não mais de 40 milhas quadradas e 1 500 pessoas. Os Açores, portanto, têm uma área total de 850 milhas quadradas, ou três quartos da do menor [estado] dos Estados Unidos, e uma população combinada de 280 500, mal excedendo a de Rhode Island, conforme dada pelo censo deste último estado para 1880.
A forma mais clara e simples de localizar geograficamente os Açores na nossa mente é lembrá-los como um grupo disperso, ou como grupos separados, situados no Atlântico quase na rota dos vapores com destino à Europa, cerca de 2 000 milhas a Leste da Filadélfia e de Nova Iorque, 750 milhas a Oeste da Espanha e de Portugal, e 1 100 milhas a Oeste do Sul da Inglaterra. Historicamente considerados, os Açores são quase desprovidos de interesse, a sua relação com as fábulas das lendas orientais superando em muito o realismo da sua real descoberta e povoamento pelos portugueses por volta de meados do século XV. Em geral, os Açores têm sido verdadeiras Ilhas de Paz. As terríveis ​​lutas entre Espanha e Portugal quase nunca chegaram com efeitos nocivos a estas costas encantadoras; e o resmungo ocasional de um vulcão ou o desabamento de uma montanha, adicionados talvez de uma disputa igualmente pouco frequente com navios de guerra britânicos, ou com um pirata argelino, acerca dos despojos de algum pequeno e sonolento porto, terão sido as piores aflições que este povo simples e solar teve ou conheceu.
Na manhã do sétimo dia a partir de Nantes avistámos São Miguel. Ao meio-dia estávamos lado a lado com os seus picos rochosos e promontórios basálticos a Noroeste; e, após várias horas de navegação agradável quase por baixo das muralhas ameaçadoras das alturas das Sete Cidades, da Candelária e do Pico do Vigário, contornámos a ponta Delgada e ancorámos dentro do porto artificial da principal cidade e porto de São Miguel, a pitoresca e sonolenta Ponta Delgada, a terceira cidade em tamanho e importância em Portugal e nos Açores. O porto em si é apenas uma ligeira reentrância dentro de um grande braço semicircular do mar, eternamente exposto a ferozes, embora balsâmicos, ventos do Sudoeste. A cidade estende-se para a direita e para a esquerda das docas por mais de uma milha, e sobe graciosamente por caminhos agradáveis de verdura e de floração de início de inverno em direcção a um grupo externo e circular de colinas altas e serrilhadas. Existe mesmo aqui uma certa sensação de elegância e brilho desde a ponta extrema do tremendo quebra-mar, onde ainda se despejam grandes pedras das pedreiras de Santa Clara, contornando os cais escorregadios, aqui e ali encimados por belas estruturas dóricas, e continuando pelas ruas ensolaradas, sombreadas de vez em quando por uma cúpula maciça, um zimbório desajeitado ou um minarete delicado — pois toda a arquitetura antiga tem aqui exemplos variados e caprichosos — avançando, passando a torre da igreja ou o antigo campanário, até às distantes e encantadoras vilas e quintas dos ricos, manchas brancas contra as encostas montanhosas cobertas de queiró. O pequeno porto está também um tanto animado. Acolá estão barcas e navios da Inglaterra, esperando por «charters», ou já carregados e atrasando-se na espera por ventos favoráveis. Uma visão cara a um coração americano é a nossa própria bandeira sobre o convés de um elegante paquete de New Bedford — uma daquelas embarcações acolhedoras ​​e convenientes que há não muito tempo navegavam pelos Açores, vigiando os fogos de sinalização à noite e as vizinhas cargas de portugueses fugitivos que, à glória questionável do serviço militar açoriano, preferiam tornar-se pescadores de New Bedford e Gloucester até aos 36 anos de idade; e ao lado do paquete está um daqueles baleeiros de New Bedford que desafiam as tempestades e percorrem o globo aquático em busca de gordura e osso, regressando ao porto de origem algures entre um a três anos depois! Ali adiante está o vapor-correio do governo de Lisboa, baixo, atarracado e sujo, com as suas chaminés sombrias quase escondidas em grinaldas de fumo, pois está quase pronto para zarpar na viagem de regresso a Lisboa, tudo na maior confusão à sua volta. Uma embarcação de aparência estranha, com mastreação de escuna, toda convés e popa, está logo atrás. A sua tripulação é um grupo hirsuto, todos armados com selvagens aguilhões de bois, como as lanças dos picadores espanhóis na praça de touros; está carregada de bom e elegante gado da ilha de Santa Maria, 40 milhas a Sul, trazido para os carniceiros de Ponta Delgada. Parecem dar-se conta disso, pois os seus berros e as picadas dos piqueiros são terríveis. Ao lado da escuna de gado está uma embarcação ainda mais estranha. É modelada tanto como um batelão de Havana quanto como uma barcaça de rio do Norte de Nova Iorque, com altas cabinas de três andares debruçando-se à popa e à proa, acima de lemes duplos, um pouco como antigos galeões de antigas e desvanecidas gravuras. Está armada para uma vela, e essa vela, parte em pano e parte numa leve esteira de verga, bate ociosamente sobre outra tripulação de rosto castanho e peito hirsuto, deitada em todos os tipos de posturas pitorescas sobre uma carga toda ela de cerâmica nativa, também de Santa Maria. O meu capitão bretão diz-me que esta estranha cerâmica, de um tipo usual para a cozinha, embora muitas peças sejam de forma extremamente graciosa, é amplamente exportada de Santa Maria para as outras ilhas dos Açores, e até para Espanha, para a Bretanha e para as Índias Ocidentais, e é levada em cargas, tal como a vimos na embarcação, sem embalagem e sem quebra, de tão bem feita. Os diferentes recipientes são pintados com um ocre avermelhado brilhante, antes de cozerem, dando-lhes uma cor alegre e acrescentando muito à aparência extravagante das belas donzelas açorianas, quando alegres procissões delas trazem água de nascentes e de poços distantes.
Depois de o vapor do Governo ter saído do porto perante demonstrações frenéticas de interesse e consideração por parte dos milhares de pessoas reunidas nas praças mas baixas e ao longo dos cais, os oficiais da alfândega e de saúde, os barcos de tabaco, os barcos de pedintes e os barcos dos angariadores de hotéis pululavam agora em volta do nosso pequeno bergantim, e fomos abordados, levados, examinados, questionados e mais do que um pouco abusados, à untuosa maneira portuguesa; mas tudo com uma amplitude de polidez deferencial que excede em muito tudo que eu tenha visto em qualquer outro lugar. As vénias, os trejeitos, os levantares de chapéus e os salamaleques entre o nosso capitão e os oficiais durante as escassamente necessárias formalidades de entrada no porto foram surpreendentes. O meu capitão estava totalmente a par deles nestas cordiais ginásticas, mas o sangue frio de um clima do Norte que corria nas minhas próprias veias tornou a minha participação nestes procedimentos tão rígida e solene que fui imediatamente atacado como indubitável estrangeiro que deve ser capturado como presa; então, mais de vinte barqueiros e angariadores aparentemente semi-loucos cantaram, argumentaram e ulularam em horrível coro: «Em nome de Deus, durma na minha casa esta noite!». Mas o meu bom capitão bretão, berrando-lhes a todos «Bastante! — bastante!», salvou-me destes abutres superlativamente polidos; e, quando a noite chegou, levou-me no seu próprio bote para o cais, conduziu-me pelas suas escadas escorregadias e guiou-me por praças, pátios e sob enormes arcos em direcção a uma rua secundária, limpa e agradável, mas escura e silenciosa, até uma casa antiga, onde parámos. Aí, depois de muitas batidas e gritos, um velho apareceu. Ele e o capitão caíram nos braços um do outro e beijaram-se. Depois, prosseguindo solenemente ao longo de um pátio florido, chegámos a um apartamento onde se sentavam a esposa e a filha do velho. A primeira prodigalizou todo o tipo de saudações. A última, uma beleza açoriana de idade não imatura, sentava-se em silêncio e corou quando o grande bretão, também corando, lhe gaguejou a sua saudação. Era fácil ver que me tinha deparado imediatamente com um pequeno romance. Mas isso podia esperar; e em breves momentos toda a maravilhosa floração verbal de negociação resultara em assegurar-me uma casa, enquanto estivesse em Ponta Delgada, por apenas uma «serrilha», ou seja, cerca de 25 cêntimos em dinheiro americano, por cada dia. Sabia que o capitão ficaria a bordo, e, prometendo visitá-lo no seu bergantim no dia seguinte, desejei ao grupo um simples «Good night!», em inglês, ao que todos responderam com um untuoso «Deus o permita!», quando o idoso senhor, com uma lâmpada consistindo numa torcida a bruxulear fracamente numa bacia de banha, me mostrou um quarto confortável, cuja varanda dava para a rua abaixo. Neste, e sobre uma cama de cascas de milho tão limpa e doce como a que na minha antiga casa de quinta americana me inspirava sonhos agradáveis ​​de rapaz, passei a minha primeira noite nas balsâmicas ilhas dos Açores.
Publicado em:
1889-11-16 – Daily Morning Patriot, p. 1
1889-11-16 – The Daily Inter Ocean, p. 13
1889-11-16 – The Daily New Era, p. 6
1889-11-17 – Springfield Republican, p. 2
1889-11-17 – The Evansville Courier, p. 2
1889-11-17 – The Daily Picayune, p. 14
1889-11-17 – The Pittsburg Dispatch (2nd part), p. 15
1889-11-22 – The Lincoln Daily Call, p. 7
1889-11-20 – The Scranton Republican, p. 6
1889-11-20 – The Scranton Weekly Republican, p. 6
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