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Lembro-me de no 11 ano, durante um teste de filosofia, sentir um toque no ombro e ouvir: “o que é que respondeste na terceira?”. Era o camarada da mesa ao lado que queria saber a minha opinião sobre a “alegoria da caverna”. Já o que partilhava comigo a carteira nunca perguntava nada porque, entre outras coisas, filosofava nas horas.
Antes que a professora saísse do efeito dos cogumelos mágicos, consegui dizer-lhe que “estavam todos presos e só viam sobras até que um se safou e percebeu que eram só reflexos da realidade”. Não sei se ajudei muito porque faltava a moral da história.
Mas a narrativa das sombras lembrou-me uma “realidade” que é repetida ad nauseum, por uma minoria, que em tempo de eleicões aumenta os décibeis do chiqueiral para volumes perigosos. Refiro-me ao “vivem à nossa conta” que vem associado ao RSI.
Não sei em que dimensão vivem os meus caros mas, fazendo fé nas estatíticas da Pordata, numa notíca da Lusa reproduzida pelo insuspeito de ser socialista Observador e num texto do José Soeiro no Expresso, a média por indivíduo que recebe o RSI pouco ultrapassa os 100 euros mensais.
Portanto, a primeira sugestão seria a eliminacão do “vivem”. Se é para apostar no jargão populista, incitar ao ódio e dividir ainda mais as classes sociais, sugiro que se aponte um pouco para a luz ao fundo da caverna. “Sobrevivem à nossa conta” parece-me mais adequado. Quase como aquele cartão do Monopólio “você está livre da prisão”, que permitiria que apoiantes do Chega e quicá alguns liberais mais radicais, pudessem largar as correntes e ver para lá das sombras.
Não se vive à custa de alguém com 100 euros. Quanto muito atravessa-se a estrada da sopa dos pobres para 10 refeicões quentes por mês (com alguma imaginacão e sem bifes). Ler a raiva que expressam aos beneficiários desta esmola é algo que me choca.
É sobre esta realidade, sobre estas migalhas, que o PSD aceitou um acordo nacional para que o RSI fosse cortado em 50% no arquipélago dos Acores. O distrito onde, com Lisboa, Setúbal e Porto, mais beneficiários existem.
E a turbe que já é pobre, rejubilou! Pensando que os ainda mais pobres pudessem chegar a miseráveis e com isso, obter alguma justica social. Pergunto-me que efeito terá isto nas urnas para o PSD?
Todo este populismo divide essencialmente as classes mais pobres, os que reclamam a migalha sem pensarem quem lhes anda a comer o bolo por inteiro. Uma pista, não são os beneficiários do RSI.
E este tema, este assunto residual, assume proporcões imensas numa campanha presidencial sem que as correntes que nos prendem a todos, os verdadeiros problemas, sejam por uma vez abordados.
Entre presidenciais, legislativas, autárquicas, regionais e europeias, de entre o rol de perguntas que tenho num papiro há 10 anos, ficaria eternamente grato se um político me respondesse a apenas 4 delas. A saber:
1 – Porque é que num país com a populacão envelhecida, a rede pública de creches não chega a todos como forma de incentivo à natalidade?
2 – Porque é que ao fim de 35 anos na UE, o tecido empresarial continua a procurar o lucro pelo baixo salário e as diferencas entre CEO e funcionário com o salário mais baixo são tão grandes?
3 – O que é que é necessário acontecer para o Estado parar de injectar dinheiro na banca (sem a nacionalizar) e comecar a julgar os autores do roubo?
4 – Em que altura e estágio da selva urbana vamos perceber que deixar o mercado imobiliário regular-se pelos valores dos vistos Gold, só aumentará a construcão nos subúrbios, o trânsito no acesso às cidades e a destruicão da já reduzida qualidade de vida da populacão?
Depois discutíamos outras vinte e lá para a trigésima pergunta pensávamos no RSI.
O abono de família que o governo sueco atribui por cada crianca (em média), mesmo sabendo que pai/mãe algum depende dele para comprar papas, é semelhante ao RSI que aqui se discute. Ninguém se queixa. Mesmo quem não tem filhos. Tal como eu, que apenas necessitei de um hospital duas vezes em 15 anos, fico contente de pagar para quem lá vai todos os meses.
A base de uma sociedade civilizada não é ter um pobre a querer mandar outro para a miséria, a pedido de um rico. É sim, garantir que todos têm um mínimo de dignidade e conforto e que, de alguma forma, a riqueza é distribuida dentro de certos intervalos.
No fundo, é assegurar a progressividade dos impostos e, mais importante, a correcta utilizacão das suas receitas.
Nada aqui é oculto, secreto ou difícil de compreender. E muito menos original. Está provado e comprovado.
Mas enquanto nos ocuparmos com discussões estéreis sobre temas secundários, quase sempre assentes em mentiras, dificilmente saíremos da caverna referida na alegoria.
Enquanto tentava perceber se a frase da imagem pertencia de facto ao Nietzsche, dei com outra bem mais interessante:
“I’m not upset that you lied to me, I’m upset that from now on I can’t believe you.”
Julgo ser este o destino de muitos dos apoiantes do Ventura, quando inevitavelmente perceberem que não há ideologia ou caminho tracado, apenas um projecto de poder pessoal. Os outros, em princípio, ficarão pelas sombras e aceitarão de bom grado o “do be do be do”.

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