DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011

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DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011
DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011

 

Mero aprendiz de feiticeiro, jovem desenfreado na segunda aventura de liberdade, sem as peias constrangedoras da sociedade patriarcal em que cresci, estava disposto a gozar ao máximo o que a vida me pudesse proporcionar. O hedonismo era, sem sombra de dúvida, a Filosofia que me guiava. Demasiadas restrições, proibições, tradições invioláveis e outros tabus haviam regido a vida de infante a adolescente. Liberto das peias castradoras da sociedade ocidental e da família arreigada a tradições seculares, ia, enfim, crescer numa errância própria da era das descobertas.

Era a aprendizagem sem noções premeditadas, nem destinos certos, mas ainda, irremediavelmente, coartado pelos princípios e noções basilares recebidas de meus pais no tocante à inviolabilidade e perenidade da família. Comecei a descobrir que a vida não era como o yin e yang, entre o branco e o negro, era matizada por uma infinidade de tons cinzentos.

Também a minha vida era composta por duas forças complementares e sendo de signo Balança ou Libra, havia um equilíbrio dinâmico, que, tal como no princípio da dualidade de yin e yang, surgia o movimento e mutação, a que não me queria opor. Se uma era ativa, diurna, luminosa, quente, a outra era passiva, noturna, escura, fria.

 

Era um ocidental em busca de equilíbrio e de identidade, tal como os macaenses, em ambiente estranho e hostil. Muitas forças contraditórias me impeliam e sustinham. De Kung-Fu-Tzu (Confúcio) partilhava preocupações com a política e a pedagogia. O valor do estudo, disciplina, ordem, consciência política e trabalho são lemas que o confucionismo impôs à civilização chinesa da antiguidade e que se mantêm. Não são uma religião, nem um credo mas determinações rituais de caráter social, que permitem a liberdade de crença em qualquer sistema metafísico ou religioso que não vá contra as regras de respeito mútuo e etiqueta pessoal. Curiosamente, este paralelismo entre os valores confucionistas e os meus, deixaram aberta uma via de compreensão. À época faltavam-me muitos anos para entender, na globalidade, o verdadeiro significado do dito confucionista “Mesmo nas situações mais pobres uma pessoa que vive corretamente será feliz. Coisas mal adquiridas nunca trarão felicidade” que se tornaria no meu arquétipo após os quarenta e cinco anos.

 

A vida em Macau (1976-1983) tinha, para mim, o enorme chamamento materialista de privilegiado de que beneficiava. Por outro lado, as inovações tecnológicas que chegavam (antes da Europa e EUA) eram demasiado atraentes para as recusar. Os meus jovens anos não eram conducentes a uma prática de reflexão, mas centravam-se num hedonismo de ação e gratificação instantânea de sentidos e sentimentos. Queria ser feliz, não sabia como e pensava que o dinheiro ajudava. Ia ensaiar o velho sistema de tentar errar e confiar na proverbial sorte para o atingir.

 

Ainda não chegara – nessa era – ao ponto em que me consideraria um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo, como citei ao Prof. Lei Heong Iok, presidente do Politécnico (abril 2011), ao explicar como interpretava o interesse da China pela lusofonia. Conseguia transmutar a minha mente para um ponto de vista oriental, olvidando a lógica do pensamento ocidental, delimitando razões e ações, imbuído de um pensamento confucionista. Sem o imediatismo ocidental que busca a satisfação apressada. É difícil de explicar, mas segui basicamente o método de esquecer as premissas em que cresci e colocar-me na mente do outro, imaginar o quando, como e porquê das suas atitudes, tentar antecipá-las e usar as mesmas, se possível em proveito próprio, como forma de me precaver contra inopinadas surpresas. Nem sempre era fácil ou possível, e nem sempre levava aos resultados esperados, mas iria permitir-me, mais tarde, atingir o equilíbrio cultural entre as noções originais da minha educação e as aprendizagens orientais que cultivara nas décadas de vivência na Australásia e no Império do Meio. Isso adviria naturalmente.

 

Nem sequer me apercebi de como me tornara tão diferente dos familiares e amigos em Portugal. Estes, dificilmente entenderiam a minha mudança de nome, identidade, nacionalidade e jamais interpretariam corretamente a mudança de paradigmas pelos quais me passei a reger. A verdade é que a mudança, inicial e erroneamente localizada em Timor, se deu em Macau no confronto entre as noções e princípios da educação judaico-cristã e os mundos desconhecidos de que Marco Polo falava e ora eu conhecia. Depois de ali viver seis anos, mais o que aprendera com expatriados chineses, macaenses e de Hong Kong na Austrália, e 14 anos casado com uma macaense, tudo despertara em mim uma forma nova de encarar a vida, o presente e o futuro, para adotar uma visão mais oriental da vida.

A religião chinesa não é uma religião como o judaísmo ou o islamismo. É constituída por muitas religiões e filosofias, como o confucionismo e o taoismo. Confúcio não pretendia fundar uma religião. Pretendia propiciar instrução moral e ensinar as pessoas a viver bem, de acordo com os valores de dever, cortesia, sabedoria e generosidade. Uma das ideias mais importantes era a de que os filhos deviam honrar e respeitar os pais, em vida e após a morte. Por isso, Confúcio [551-479 a.C.) encorajava a prática do culto aos antepassados, que fazia parte da religião. Sábios posteriores [Mêncio (372-289 a.C.) e Zhu Xi (1130-1200)] transformaram as ideias de Confúcio num sistema religioso. No taoismo, o Tao é mais do que um caminho, a fonte de tudo neste mundo. Ao seguir o caminho, os taoistas aspiram à união com o Tao, e, com as forças da natureza. Isso implica livrar-se de preocupações e apego ao mundo material para concentrar-se no caminho, alcançando equilíbrio e harmonia na vida e conquistando a paz que vem da compreensão. Diz-se dos que atingem o objetivo que serão imortais após a morte física.

Considere-se como terceira religião (que não o é, propriamente dito) o budismo, que penetrou na China perto do início da era cristã, atingindo o apogeu na dinastia T’ang (618-907). Ao oferecer aos chineses uma análise da natureza transitória e sofredora da vida, o budismo oferece um caminho de libertação, introduzindo a possibilidade de que os ancestrais estejam a ser atormentados no inferno. Rituais para adquirir e transferir méritos aos mortos tornaram-se importantes, seja pela execução correta de funerais, ou outros rituais.

A religião popular é extensamente praticada e, embora diversificada, constitui uma quarta via. Os chineses em geral não sentem que devam aceitar determinada religião ou filosofia e rejeitar as demais. Escolhem a mais proveitosa, no lar, na vida pública ou nos ritos de passagem. Mesmo a ideia de transcendente não se aplica aos chineses. O pensamento chinês é imanente – tudo está, em potência, esperando ser desperto. A transcendência só existe no budismo, que acredita na libertação completa da matéria. Sei-o agora com experiência e retrospeção. Inferi que a razão por que Macau não dispusera de um capítulo, devotadamente dedicado, nos anteriores volumes da ChrónicAçores, se devia ao facto de haver pontas por unir, e que a conjugação dos fios da meada só se tornara possível ao regressar após trinta anos de ausência. Macau fora um capítulo em aberto, a história por contar, uma estória em busca de desenlace. Por vezes, só o tempo permite analisar, de forma fria e sem emoções, a relevância de factos passados. Sou definitivamente um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo.

Mero aprendiz de feiticeiro, jovem desenfreado na segunda aventura de liberdade, sem as peias constrangedoras da sociedade patriarcal em que cresci, estava disposto a gozar ao máximo o que a vida me pudesse proporcionar. O hedonismo era, sem sombra de dúvida, a Filosofia que me guiava. Demasiadas restrições, proibições, tradições invioláveis e outros tabus haviam regido a vida de infante a adolescente. Liberto das peias castradoras da sociedade ocidental e da família arreigada a tradições seculares, ia, enfim, crescer numa errância própria da era das descobertas.

Era a aprendizagem sem noções premeditadas, nem destinos certos, mas ainda, irremediavelmente, coartado pelos princípios e noções basilares recebidas de meus pais no tocante à inviolabilidade e perenidade da família. Comecei a descobrir que a vida não era como o yin e yang, entre o branco e o negro, era matizada por uma infinidade de tons cinzentos.

Também a minha vida era composta por duas forças complementares e sendo de signo Balança ou Libra, havia um equilíbrio dinâmico, que, tal como no princípio da dualidade de yin e yang, surgia o movimento e mutação, a que não me queria opor. Se uma era ativa, diurna, luminosa, quente, a outra era passiva, noturna, escura, fria.

 

Era um ocidental em busca de equilíbrio e de identidade, tal como os macaenses, em ambiente estranho e hostil. Muitas forças contraditórias me impeliam e sustinham. De Kung-Fu-Tzu (Confúcio) partilhava preocupações com a política e a pedagogia. O valor do estudo, disciplina, ordem, consciência política e trabalho são lemas que o confucionismo impôs à civilização chinesa da antiguidade e que se mantêm. Não são uma religião, nem um credo mas determinações rituais de caráter social, que permitem a liberdade de crença em qualquer sistema metafísico ou religioso que não vá contra as regras de respeito mútuo e etiqueta pessoal. Curiosamente, este paralelismo entre os valores confucionistas e os meus, deixaram aberta uma via de compreensão. À época faltavam-me muitos anos para entender, na globalidade, o verdadeiro significado do dito confucionista “Mesmo nas situações mais pobres uma pessoa que vive corretamente será feliz. Coisas mal adquiridas nunca trarão felicidade” que se tornaria no meu arquétipo após os quarenta e cinco anos.

 

A vida em Macau (1976-1983) tinha, para mim, o enorme chamamento materialista de privilegiado de que beneficiava. Por outro lado, as inovações tecnológicas que chegavam (antes da Europa e EUA) eram demasiado atraentes para as recusar. Os meus jovens anos não eram conducentes a uma prática de reflexão, mas centravam-se num hedonismo de ação e gratificação instantânea de sentidos e sentimentos. Queria ser feliz, não sabia como e pensava que o dinheiro ajudava. Ia ensaiar o velho sistema de tentar errar e confiar na proverbial sorte para o atingir.

 

Ainda não chegara – nessa era – ao ponto em que me consideraria um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo, como citei ao Prof. Lei Heong Iok, presidente do Politécnico (abril 2011), ao explicar como interpretava o interesse da China pela lusofonia. Conseguia transmutar a minha mente para um ponto de vista oriental, olvidando a lógica do pensamento ocidental, delimitando razões e ações, imbuído de um pensamento confucionista. Sem o imediatismo ocidental que busca a satisfação apressada. É difícil de explicar, mas segui basicamente o método de esquecer as premissas em que cresci e colocar-me na mente do outro, imaginar o quando, como e porquê das suas atitudes, tentar antecipá-las e usar as mesmas, se possível em proveito próprio, como forma de me precaver contra inopinadas surpresas. Nem sempre era fácil ou possível, e nem sempre levava aos resultados esperados, mas iria permitir-me, mais tarde, atingir o equilíbrio cultural entre as noções originais da minha educação e as aprendizagens orientais que cultivara nas décadas de vivência na Australásia e no Império do Meio. Isso adviria naturalmente.

 

Nem sequer me apercebi de como me tornara tão diferente dos familiares e amigos em Portugal. Estes, dificilmente entenderiam a minha mudança de nome, identidade, nacionalidade e jamais interpretariam corretamente a mudança de paradigmas pelos quais me passei a reger. A verdade é que a mudança, inicial e erroneamente localizada em Timor, se deu em Macau no confronto entre as noções e princípios da educação judaico-cristã e os mundos desconhecidos de que Marco Polo falava e ora eu conhecia. Depois de ali viver seis anos, mais o que aprendera com expatriados chineses, macaenses e de Hong Kong na Austrália, e 14 anos casado com uma macaense, tudo despertara em mim uma forma nova de encarar a vida, o presente e o futuro, para adotar uma visão mais oriental da vida.

A religião chinesa não é uma religião como o judaísmo ou o islamismo. É constituída por muitas religiões e filosofias, como o confucionismo e o taoismo. Confúcio não pretendia fundar uma religião. Pretendia propiciar instrução moral e ensinar as pessoas a viver bem, de acordo com os valores de dever, cortesia, sabedoria e generosidade. Uma das ideias mais importantes era a de que os filhos deviam honrar e respeitar os pais, em vida e após a morte. Por isso, Confúcio [551-479 a.C.) encorajava a prática do culto aos antepassados, que fazia parte da religião. Sábios posteriores [Mêncio (372-289 a.C.) e Zhu Xi (1130-1200)] transformaram as ideias de Confúcio num sistema religioso. No taoismo, o Tao é mais do que um caminho, a fonte de tudo neste mundo. Ao seguir o caminho, os taoistas aspiram à união com o Tao, e, com as forças da natureza. Isso implica livrar-se de preocupações e apego ao mundo material para concentrar-se no caminho, alcançando equilíbrio e harmonia na vida e conquistando a paz que vem da compreensão. Diz-se dos que atingem o objetivo que serão imortais após a morte física.

Considere-se como terceira religião (que não o é, propriamente dito) o budismo, que penetrou na China perto do início da era cristã, atingindo o apogeu na dinastia T’ang (618-907). Ao oferecer aos chineses uma análise da natureza transitória e sofredora da vida, o budismo oferece um caminho de libertação, introduzindo a possibilidade de que os ancestrais estejam a ser atormentados no inferno. Rituais para adquirir e transferir méritos aos mortos tornaram-se importantes, seja pela execução correta de funerais, ou outros rituais.

A religião popular é extensamente praticada e, embora diversificada, constitui uma quarta via. Os chineses em geral não sentem que devam aceitar determinada religião ou filosofia e rejeitar as demais. Escolhem a mais proveitosa, no lar, na vida pública ou nos ritos de passagem. Mesmo a ideia de transcendente não se aplica aos chineses. O pensamento chinês é imanente – tudo está, em potência, esperando ser desperto. A transcendência só existe no budismo, que acredita na libertação completa da matéria. Sei-o agora com experiência e retrospeção. Inferi que a razão por que Macau não dispusera de um capítulo, devotadamente dedicado, nos anteriores volumes da ChrónicAçores, se devia ao facto de haver pontas por unir, e que a conjugação dos fios da meada só se tornara possível ao regressar após trinta anos de ausência. Macau fora um capítulo em aberto, a história por contar, uma estória em busca de desenlace. Por vezes, só o tempo permite analisar, de forma fria e sem emoções, a relevância de factos passados. Sou definitivamente um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo.

DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011
DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011

 

Mero aprendiz de feiticeiro, jovem desenfreado na segunda aventura de liberdade, sem as peias constrangedoras da sociedade patriarcal em que cresci, estava disposto a gozar ao máximo o que a vida me pudesse proporcionar. O hedonismo era, sem sombra de dúvida, a Filosofia que me guiava. Demasiadas restrições, proibições, tradições invioláveis e outros tabus haviam regido a vida de infante a adolescente. Liberto das peias castradoras da sociedade ocidental e da família arreigada a tradições seculares, ia, enfim, crescer numa errância própria da era das descobertas.

Era a aprendizagem sem noções premeditadas, nem destinos certos, mas ainda, irremediavelmente, coartado pelos princípios e noções basilares recebidas de meus pais no tocante à inviolabilidade e perenidade da família. Comecei a descobrir que a vida não era como o yin e yang, entre o branco e o negro, era matizada por uma infinidade de tons cinzentos.

Também a minha vida era composta por duas forças complementares e sendo de signo Balança ou Libra, havia um equilíbrio dinâmico, que, tal como no princípio da dualidade de yin e yang, surgia o movimento e mutação, a que não me queria opor. Se uma era ativa, diurna, luminosa, quente, a outra era passiva, noturna, escura, fria.

 

Era um ocidental em busca de equilíbrio e de identidade, tal como os macaenses, em ambiente estranho e hostil. Muitas forças contraditórias me impeliam e sustinham. De Kung-Fu-Tzu (Confúcio) partilhava preocupações com a política e a pedagogia. O valor do estudo, disciplina, ordem, consciência política e trabalho são lemas que o confucionismo impôs à civilização chinesa da antiguidade e que se mantêm. Não são uma religião, nem um credo mas determinações rituais de caráter social, que permitem a liberdade de crença em qualquer sistema metafísico ou religioso que não vá contra as regras de respeito mútuo e etiqueta pessoal. Curiosamente, este paralelismo entre os valores confucionistas e os meus, deixaram aberta uma via de compreensão. À época faltavam-me muitos anos para entender, na globalidade, o verdadeiro significado do dito confucionista “Mesmo nas situações mais pobres uma pessoa que vive corretamente será feliz. Coisas mal adquiridas nunca trarão felicidade” que se tornaria no meu arquétipo após os quarenta e cinco anos.

 

A vida em Macau (1976-1983) tinha, para mim, o enorme chamamento materialista de privilegiado de que beneficiava. Por outro lado, as inovações tecnológicas que chegavam (antes da Europa e EUA) eram demasiado atraentes para as recusar. Os meus jovens anos não eram conducentes a uma prática de reflexão, mas centravam-se num hedonismo de ação e gratificação instantânea de sentidos e sentimentos. Queria ser feliz, não sabia como e pensava que o dinheiro ajudava. Ia ensaiar o velho sistema de tentar errar e confiar na proverbial sorte para o atingir.

 

Ainda não chegara – nessa era – ao ponto em que me consideraria um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo, como citei ao Prof. Lei Heong Iok, presidente do Politécnico (abril 2011), ao explicar como interpretava o interesse da China pela lusofonia. Conseguia transmutar a minha mente para um ponto de vista oriental, olvidando a lógica do pensamento ocidental, delimitando razões e ações, imbuído de um pensamento confucionista. Sem o imediatismo ocidental que busca a satisfação apressada. É difícil de explicar, mas segui basicamente o método de esquecer as premissas em que cresci e colocar-me na mente do outro, imaginar o quando, como e porquê das suas atitudes, tentar antecipá-las e usar as mesmas, se possível em proveito próprio, como forma de me precaver contra inopinadas surpresas. Nem sempre era fácil ou possível, e nem sempre levava aos resultados esperados, mas iria permitir-me, mais tarde, atingir o equilíbrio cultural entre as noções originais da minha educação e as aprendizagens orientais que cultivara nas décadas de vivência na Australásia e no Império do Meio. Isso adviria naturalmente.

 

Nem sequer me apercebi de como me tornara tão diferente dos familiares e amigos em Portugal. Estes, dificilmente entenderiam a minha mudança de nome, identidade, nacionalidade e jamais interpretariam corretamente a mudança de paradigmas pelos quais me passei a reger. A verdade é que a mudança, inicial e erroneamente localizada em Timor, se deu em Macau no confronto entre as noções e princípios da educação judaico-cristã e os mundos desconhecidos de que Marco Polo falava e ora eu conhecia. Depois de ali viver seis anos, mais o que aprendera com expatriados chineses, macaenses e de Hong Kong na Austrália, e 14 anos casado com uma macaense, tudo despertara em mim uma forma nova de encarar a vida, o presente e o futuro, para adotar uma visão mais oriental da vida.

A religião chinesa não é uma religião como o judaísmo ou o islamismo. É constituída por muitas religiões e filosofias, como o confucionismo e o taoismo. Confúcio não pretendia fundar uma religião. Pretendia propiciar instrução moral e ensinar as pessoas a viver bem, de acordo com os valores de dever, cortesia, sabedoria e generosidade. Uma das ideias mais importantes era a de que os filhos deviam honrar e respeitar os pais, em vida e após a morte. Por isso, Confúcio [551-479 a.C.) encorajava a prática do culto aos antepassados, que fazia parte da religião. Sábios posteriores [Mêncio (372-289 a.C.) e Zhu Xi (1130-1200)] transformaram as ideias de Confúcio num sistema religioso. No taoismo, o Tao é mais do que um caminho, a fonte de tudo neste mundo. Ao seguir o caminho, os taoistas aspiram à união com o Tao, e, com as forças da natureza. Isso implica livrar-se de preocupações e apego ao mundo material para concentrar-se no caminho, alcançando equilíbrio e harmonia na vida e conquistando a paz que vem da compreensão. Diz-se dos que atingem o objetivo que serão imortais após a morte física.

Considere-se como terceira religião (que não o é, propriamente dito) o budismo, que penetrou na China perto do início da era cristã, atingindo o apogeu na dinastia T’ang (618-907). Ao oferecer aos chineses uma análise da natureza transitória e sofredora da vida, o budismo oferece um caminho de libertação, introduzindo a possibilidade de que os ancestrais estejam a ser atormentados no inferno. Rituais para adquirir e transferir méritos aos mortos tornaram-se importantes, seja pela execução correta de funerais, ou outros rituais.

A religião popular é extensamente praticada e, embora diversificada, constitui uma quarta via. Os chineses em geral não sentem que devam aceitar determinada religião ou filosofia e rejeitar as demais. Escolhem a mais proveitosa, no lar, na vida pública ou nos ritos de passagem. Mesmo a ideia de transcendente não se aplica aos chineses. O pensamento chinês é imanente – tudo está, em potência, esperando ser desperto. A transcendência só existe no budismo, que acredita na libertação completa da matéria. Sei-o agora com experiência e retrospeção. Inferi que a razão por que Macau não dispusera de um capítulo, devotadamente dedicado, nos anteriores volumes da ChrónicAçores, se devia ao facto de haver pontas por unir, e que a conjugação dos fios da meada só se tornara possível ao regressar após trinta anos de ausência. Macau fora um capítulo em aberto, a história por contar, uma estória em busca de desenlace. Por vezes, só o tempo permite analisar, de forma fria e sem emoções, a relevância de factos passados. Sou definitivamente um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo.

DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011

 

Mero aprendiz de feiticeiro, jovem desenfreado na segunda aventura de liberdade, sem as peias constrangedoras da sociedade patriarcal em que cresci, estava disposto a gozar ao máximo o que a vida me pudesse proporcionar. O hedonismo era, sem sombra de dúvida, a Filosofia que me guiava. Demasiadas restrições, proibições, tradições invioláveis e outros tabus haviam regido a vida de infante a adolescente. Liberto das peias castradoras da sociedade ocidental e da família arreigada a tradições seculares, ia, enfim, crescer numa errância própria da era das descobertas.

Era a aprendizagem sem noções premeditadas, nem destinos certos, mas ainda, irremediavelmente, coartado pelos princípios e noções basilares recebidas de meus pais no tocante à inviolabilidade e perenidade da família. Comecei a descobrir que a vida não era como o yin e yang, entre o branco e o negro, era matizada por uma infinidade de tons cinzentos.

Também a minha vida era composta por duas forças complementares e sendo de signo Balança ou Libra, havia um equilíbrio dinâmico, que, tal como no princípio da dualidade de yin e yang, surgia o movimento e mutação, a que não me queria opor. Se uma era ativa, diurna, luminosa, quente, a outra era passiva, noturna, escura, fria.

 

Era um ocidental em busca de equilíbrio e de identidade, tal como os macaenses, em ambiente estranho e hostil. Muitas forças contraditórias me impeliam e sustinham. De Kung-Fu-Tzu (Confúcio) partilhava preocupações com a política e a pedagogia. O valor do estudo, disciplina, ordem, consciência política e trabalho são lemas que o confucionismo impôs à civilização chinesa da antiguidade e que se mantêm. Não são uma religião, nem um credo mas determinações rituais de caráter social, que permitem a liberdade de crença em qualquer sistema metafísico ou religioso que não vá contra as regras de respeito mútuo e etiqueta pessoal. Curiosamente, este paralelismo entre os valores confucionistas e os meus, deixaram aberta uma via de compreensão. À época faltavam-me muitos anos para entender, na globalidade, o verdadeiro significado do dito confucionista “Mesmo nas situações mais pobres uma pessoa que vive corretamente será feliz. Coisas mal adquiridas nunca trarão felicidade” que se tornaria no meu arquétipo após os quarenta e cinco anos.

 

A vida em Macau (1976-1983) tinha, para mim, o enorme chamamento materialista de privilegiado de que beneficiava. Por outro lado, as inovações tecnológicas que chegavam (antes da Europa e EUA) eram demasiado atraentes para as recusar. Os meus jovens anos não eram conducentes a uma prática de reflexão, mas centravam-se num hedonismo de ação e gratificação instantânea de sentidos e sentimentos. Queria ser feliz, não sabia como e pensava que o dinheiro ajudava. Ia ensaiar o velho sistema de tentar errar e confiar na proverbial sorte para o atingir.

 

Ainda não chegara – nessa era – ao ponto em que me consideraria um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo, como citei ao Prof. Lei Heong Iok, presidente do Politécnico (abril 2011), ao explicar como interpretava o interesse da China pela lusofonia. Conseguia transmutar a minha mente para um ponto de vista oriental, olvidando a lógica do pensamento ocidental, delimitando razões e ações, imbuído de um pensamento confucionista. Sem o imediatismo ocidental que busca a satisfação apressada. É difícil de explicar, mas segui basicamente o método de esquecer as premissas em que cresci e colocar-me na mente do outro, imaginar o quando, como e porquê das suas atitudes, tentar antecipá-las e usar as mesmas, se possível em proveito próprio, como forma de me precaver contra inopinadas surpresas. Nem sempre era fácil ou possível, e nem sempre levava aos resultados esperados, mas iria permitir-me, mais tarde, atingir o equilíbrio cultural entre as noções originais da minha educação e as aprendizagens orientais que cultivara nas décadas de vivência na Australásia e no Império do Meio. Isso adviria naturalmente.

 

Nem sequer me apercebi de como me tornara tão diferente dos familiares e amigos em Portugal. Estes, dificilmente entenderiam a minha mudança de nome, identidade, nacionalidade e jamais interpretariam corretamente a mudança de paradigmas pelos quais me passei a reger. A verdade é que a mudança, inicial e erroneamente localizada em Timor, se deu em Macau no confronto entre as noções e princípios da educação judaico-cristã e os mundos desconhecidos de que Marco Polo falava e ora eu conhecia. Depois de ali viver seis anos, mais o que aprendera com expatriados chineses, macaenses e de Hong Kong na Austrália, e 14 anos casado com uma macaense, tudo despertara em mim uma forma nova de encarar a vida, o presente e o futuro, para adotar uma visão mais oriental da vida.

A religião chinesa não é uma religião como o judaísmo ou o islamismo. É constituída por muitas religiões e filosofias, como o confucionismo e o taoismo. Confúcio não pretendia fundar uma religião. Pretendia propiciar instrução moral e ensinar as pessoas a viver bem, de acordo com os valores de dever, cortesia, sabedoria e generosidade. Uma das ideias mais importantes era a de que os filhos deviam honrar e respeitar os pais, em vida e após a morte. Por isso, Confúcio [551-479 a.C.) encorajava a prática do culto aos antepassados, que fazia parte da religião. Sábios posteriores [Mêncio (372-289 a.C.) e Zhu Xi (1130-1200)] transformaram as ideias de Confúcio num sistema religioso. No taoismo, o Tao é mais do que um caminho, a fonte de tudo neste mundo. Ao seguir o caminho, os taoistas aspiram à união com o Tao, e, com as forças da natureza. Isso implica livrar-se de preocupações e apego ao mundo material para concentrar-se no caminho, alcançando equilíbrio e harmonia na vida e conquistando a paz que vem da compreensão. Diz-se dos que atingem o objetivo que serão imortais após a morte física.

Considere-se como terceira religião (que não o é, propriamente dito) o budismo, que penetrou na China perto do início da era cristã, atingindo o apogeu na dinastia T’ang (618-907). Ao oferecer aos chineses uma análise da natureza transitória e sofredora da vida, o budismo oferece um caminho de libertação, introduzindo a possibilidade de que os ancestrais estejam a ser atormentados no inferno. Rituais para adquirir e transferir méritos aos mortos tornaram-se importantes, seja pela execução correta de funerais, ou outros rituais.

A religião popular é extensamente praticada e, embora diversificada, constitui uma quarta via. Os chineses em geral não sentem que devam aceitar determinada religião ou filosofia e rejeitar as demais. Escolhem a mais proveitosa, no lar, na vida pública ou nos ritos de passagem. Mesmo a ideia de transcendente não se aplica aos chineses. O pensamento chinês é imanente – tudo está, em potência, esperando ser desperto. A transcendência só existe no budismo, que acredita na libertação completa da matéria. Sei-o agora com experiência e retrospeção. Inferi que a razão por que Macau não dispusera de um capítulo, devotadamente dedicado, nos anteriores volumes da ChrónicAçores, se devia ao facto de haver pontas por unir, e que a conjugação dos fios da meada só se tornara possível ao regressar após trinta anos de ausência. Macau fora um capítulo em aberto, a história por contar, uma estória em busca de desenlace. Por vezes, só o tempo permite analisar, de forma fria e sem emoções, a relevância de factos passados. Sou definitivamente um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo.