divagações a votos (novº 2007)

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Decidi abdicar da habitual dose de ficção. A realidade já é mais inverosímil que a fantasia. No jardim à beira-mar, as liberdadezinhas são ameaçadas e cidadania já é sinónimo de coragem. Há uma crise de instituições que ninguém nega. A democracia de abril resvalou para a demagogia. Os eleitos, sem ideias e sem horizontes, que não sejam os dos benefícios pessoais e dos mais próximos. Esta teia intrincada de corrupção e nepotismo coloca em causa a democracia, nota-se no abstencionismo generalizado. Os ataques à liberdade começaram com a autocensura, dos poderes económicos que dominam a comunicação.

Os ataques à liberdade começaram com a autocensura, dos poderes económicos que dominam a comunicação. Depois, num processo mundial, centrado no politicamente correto, assiste-se à criação do ser imperfeito: agora é o fumador, daqui a uns tempos os obesos, depois os carnívoros, e por aí adiante….até que todos estejam controlados à distância por um microchip. Tudo será tão grave como não pagar impostos. As represálias irão fazer-se sentir sobre os que exercem um mero ato de cidadania…

O Quarto Poder, a imprensa do célebre Watergate na década de 1960, deixou de funcionar em prol das liberdades e direitos dos cidadãos. Já não faz denúncias. Acostumou-se a manipular, mentir e “orientar” com notícias falsas (fake news) guiando os cidadãos como os patrões mandam e apontam. Pactua e esconde-se sob a ameaça velada das restritas leis que obrigam um jornalista a fornecer as fontes sob pena de ir para a cadeia ou pagar indemnizações milionárias. Os grandes grupos gabam-se de conseguirem eleger governos e presidentes e quando não o conseguem vale sempre a batota, no voto eletrónico ou noutra falcatrua de quem cria o software… Ninguém sabe quantas guerras e milhares de mortos foram causados por tais eleições. E os grupos económicos que os apoiavam aumentaram desmesuradamente a influência, poder e lucros. Nem só de petróleo vivem os EUA. São o novo quarto poder que nos comanda a todos da sombra sem escrutínio. Aqui fica o alerta para acordarem. Todos. Mesmo os que têm a consciência pesada pelas atoardas com que diariamente vos metralham na comunicação social ou que temem que tudo o que escrevo é fruto das teorias de conspiração (não é por minha culpa que a maioria se venha a comprovar verdadeira…).

 

É preciso haver jornalistas que não se calem nem verguem ao peso das conveniências, sem atenuantes ou consequências. Têm – agora, mais do que nunca – que ser arautos dos que não têm voz. Cada vez é maior o número dos desprovidos. Necessitam uma probidade e ética inultrapassável para afrontar tudo e todos, sem encolher os ombros cómodos, tal como os antepassados fizeram. Hoje não há debates, mas fachadas de pretensa discussão, veículos de propaganda governamental da democracia “guiada”, e comentadores, principescamente pagos pelos canais de TV, para fazerem publicidade gratuita aos partidos e guiarem o povo nas suas escolhas. Este cinzentismo acéfalo e monocórdico da comunicação social foi enriquecido pelo aparecimento dessa droga legal chamada “imprensa cor-de-rosa”. É soporífera e causa danos irreversíveis à mente humana. Nenhum governo quer legislá-la, proibi-la ou sancioná-la. Pelo contrário, encontram nela um valioso aliado no obscurantismo que estão empenhados em criar e alastrar, para que o povo pense que está a ser bem governado enquanto bem se governam. Resta o mundo subterrâneo dos blogues para saber o que é importante. Quando os políticos falam não são eles, mas as agências de comunicação e os grandes grupos que os sustentam, isto quando não são os seus mandatários a criar sítios e tweets de notícias falsas, repetidas por bots e outros algoritmos…. Quer-se, teoricamente, um cidadão culto e educado, para ter a liberdade de fazer opções em liberdade, mas criou-se um pateta manipulado. Pensa que vive em democracia e é livre, participante involuntário numa fraude democrática. Como se diz em inglês “read my lips”…

 

O povo quer é revistas com escândalos dum pseudojetset e pseudonobreza sem sangue azul, só fama fácil. O que o bom povo quer é mortes, violações, abusos, desgraças, inundações, incêndios, bombas, guerras e tragédias longínquas, desde que sejam dos outros. As suas não lhe interessam. O povinho (bem retratado por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão (bem atuais) quer ver as vergonhas dos outros para que não vejam a sua, “é disto que o meu povo gosta” diria Pedro Homem de Mello, referindo-se ao folclore… Assim se explica que a maioria dos bons jornalistas portugueses se encontre desempregada sem ser por opção ou por reforma antecipada. Não eram fabricantes de notícias sensacionalistas para abrir o telejornal, empolando banalidades em transmissões diretas que se arrastam penosamente. Nunca o país viu aumentar tanto e em tão pouco tempo, o fosso entre ricos e pobres como nas últimas décadas. As pensões e reformas são das mais baixas da Europa, os Executivos portugueses ganham mais do que os congéneres norte-americanos. Ninguém escreve sobre isto? Limitam-se todos a passar secretamente as notícias em e-mail aos amigos. Uma idosa que roubou um produto avaliado em menos de 4.00€ foi levada a tribunal pelo supermercado, e o banqueiro x (e outros ladrõezinhos que existem por aí) nem sequer a tribunal vai? Claro, que o roubo de milhões não é senão um investimento falhado e o de uns cêntimos é crime de lesa-majestade. Gostava de escrever a palavra REVOLTEM-SE, mas pode ser crime de traição ou de apelo ao terrorismo, face às novas leis, pelo que me coíbo de o fazer.

 

A ideia da educação é fazer com que os professores estejam cada vez menos preparados e criem alunos ignorantes. É a teoria do mínimo denominador comum. Não interessa a nenhum governo uma população culta, educada e lida…depois era mais difícil regê-los. Segue-se a versão da máxima salazarista “quanto mais ignorantes mais felizes…” ou como o amigo Daniel de Sá lestamente me avisou, no formato original, era: “Um povo culto é um povo infeliz.” Sejamos felizes, sejamos incultos. A razão de todas as infelicidades reside na santa cultura que tanta dor pariu. Depois criam-se artificialmente linhagens (sempre fomos um país de castas). Começaram com a dicotomia entre professores primários, secundários e os universitários. Vasos não comunicantes e estanques. Para mim o erro foi acabar com a Escola do magistério e criar as ESE… que fabricam diplomados com ignorância e falta de preparação …até dói. Já basta haver programas que pouco ou nada ensinam (curtos, inúteis e fúteis, cheios de imagens para contrabalançar a falta de conteúdo, para contrapor a asserção vigente no meu tempo de aprender coisas que para nada serviam). Claro que a falta de preparação dos professores aplicada na educação de massas, caraterizada pelo mínimo denominador comum, vai perpetuar o ciclo descendente de conhecimentos, e cada vez haverá mais burros. Isso é altamente importante para os políticos. Quanto mais iletrados professores e alunos, melhor serão conduzidos os cordeiros do rebanho da nação. Há uma fábrica de analfabetos para ensinar mais analfabetos. Nada mais perigoso que uma pessoa que lê e estuda.

Os portugueses habituaram-se ao goze agora e pague depois, se não morrer antes. Não se importam com os que roubam, governo ou privados, até os invejam e gostariam de fazer o mesmo. Os que se aproveitam das crises, das benesses do governo e subsídios europeus vão aos stands da Ferrari, Porsche etc. Não há rutura de abastecimentos, os supermercados oferecem milhares de artigos à escolha. A maioria dos habitantes, sem alma, não quer saber de princípios. Abomina quem os tem. De qualquer modo o que é que o homem comum pode fazer, além de falar no café e queixar-se aos amigos? Mesmo que soubesse rabiscar ideias e uns artigos, provavelmente nem seriam publicados. Vive-se numa ditadura dissimulada em que mesmo com 200 mil pessoas em manifestações de rua nada se consegue. O poder não treme nem pestaneja, coça-se como atacado por uma inofensiva pulga. É essa a opinião sobre o povo que manietam. Para quê denunciar escândalos? Raro é o dia em que um ou mais surgem nas redes, rádio e televisão. A justiça, que sempre esteve ao lado dos poderosos, parece estar ao lado dos que mais roubam e lesam o país. Viriato e Sertório foram apunhalados pelos seus conselheiros. Aprende-se mesmo pouco em Portugal..