DIRETOR REG DAS COMUNIDADES NA HOMENAGEM A ONÉSIMO

Views: 0

Intervenção de José Andrade na sessão de homenagem a Onésimo Teotónio Almeida
Colóquio da Lusofonia, Ponta Delgada, 11 de junho de 2021
A melhor maneira de prestar merecida homenagem a Onésimo Teotónio de Almeida é reconhecer o seu trabalho, enaltecer a sua obra, agradecer o seu legado.
Por isso, mais do que evocar aqui o currículo extraordinário da personalidade genial – que outros fizeram ou farão muito melhor do que eu faria – quero pedir a compreensão dos presentes e a autorização do autor para usar as suas próprias palavras.
Proponho-me revisitar e sintetizar o seu notável ensaio intitulado “Comunidades Portuguesas nos Estados Unidos: Identidade, Assimilação, Aculturação”.
Este ensaio integra o seu livro, significativamente intitulado, O Peso do Hífen – Ensaios sobre a experiência luso-americana, editado em 2010 pela Imprensa de Ciências Sociais.
Faço isso, desde logo, por três razões.
Em primeiro lugar, porque regressei, ontem mesmo, dessa “décima ilha”, que é a “L(USA)lândia”, na outra margem do “Rio Atlântico” – para usar aqui três expressões originárias da criatividade de Onésimo.
Em segundo lugar, porque é importante este Colóquio da Lusofonia poder assim constatar que um pequeno povo ilhéu foi capaz de crescer e multiplicar-se numa grande nação mundial, levando e afirmando a sua língua, a sua cultura, a sua identidade.
Em terceiro lugar, porque o nosso homenageado é, ele próprio, protagonista – dos mais ilustres – dessa capacidade de vingar em terra alheia por mérito pessoal e desígnio comunitário.
Permita-me então o autor que lhe preste homenagem com o seu próprio trabalho.
Trata-se de reconhecer e percorrer os problemas da identidade e da assimilação ou aculturação – que, neste caso, significa “américanização” – das comunidades dos Estados Unidos.
O autor oscilará “entre o extremamente assimilacionista e o igualmente extremo preservacionismo.
O primeiro, alerta que “dentro de um quarto de século não existirão mais comunidades portuguesas nos Estados Unidos, mas sim comunidades americanas de ascendência portuguesa”.
O segundo, contrapõe que “na América moderna será impossível derreter as marcas da presença portuguesa nas regiões onde ela há dois séculos se começou a radicar”.
E vale a pena conhecer como tudo começou…
Onésimo Almeida distingue quatro períodos na história de integração das comunidades portuguesas nos Estados Unidos – portugueses que são, maioritariamente, açorianos transatlânticos.
O primeiro período, anterior a 1965:
“Os emigrantes portugueses até essa altura – e chegaram a entrar cerca de 150.000, nas primeiras três décadas do século XX – dissolveram-se praticamente por completo no imenso caldeirão americano, não restando deles sequer o apelido.”
O segundo período, de 1965 a finais da década de 80:
“É o período da maior emigração portuguesa de sempre (180.000), que encontra os Estados Unidos numa atmosfera de profunda transformação face à presença de múltiplos grupos étnicos.”
“As comunidades portuguesas passaram por uma época de exuberante vitalidade, com o florescimento de média, maioritariamente financiados pelo pequeno comércio étnico concentrado nas cidades como Fall River, New Bedford e East Providence.”
O terceiro período, de 1985 até aos nossos dias:
“Aos poucos, as comunidades portuguesas vão envelhecendo, os imigrantes mais antigos vão dando lugar aos netos.”
“Fatores ligados à política de Washington determinam um incremento considerável do número de aquisições de cidadania americana.”
“Nas universidades verifica-se considerável aumento de formaturas de alunos com nomes portugueses.”
“Gera-se uma espécie de estabilidade no seio das comunidades, onde o brio étnico ganha confiança e desenvolve um certo à-vontade no meio americano que o aceita mais facilmente.”
“Os portugueses, hoje, sentem-se em casa nos Estados Unidos, se bem que muito mais confortavelmente na L(USA)lândia do que no mar americano que circunda a décima ilha.”
O quarto período corresponde às décadas que se seguem.
Onésimo prevê que “a L(USA)lândia continuará a afirmar-se cada vez mais em duas direções:
“Por um lado, uma americanização contínua e progressiva, determinada pelas inevitáveis leis biológicas da substituição dos seus membros atuais por filhos e netos que serão americanos, quando muito, luso-americanos.” – Daí O Peso do Hífen.
“Por outro lado, a facilidade de comunicações continuará a permitir a intensificação de contatos entre os Açores e as comunidades luso-americanas em áreas de interesses comuns.”
E, agora, Onésimo Almeida em discurso (ainda mais) direto:
“No início da minha experiência luso-americana, na década de 1970, impressionava-me sobremaneira a auto-segregação operada pela comunidade portuguesa, provocada sobretudo pelo facto de uma grande maioria dos emigrantes ser de uma vaga muito recente e desconhecer tanto a língua como a cultura do país de acolhimento.”
“O termo “L(USA)lândia surgiu-me assim num contexto cultural ilhéu.”
“A L(USA)lândia era, pois, essa ilha portuguesa, cercada de América por todos os lados.”
“Povoada em especial por açorianos, era – e continua ainda em grande parte a ser – a décima ilha do arquipélago dos Açores, bem como a mais ocidental.”
“Tais enclaves na América são, na realidade, muitas ilhas, a maioria das quais situada na Nova Inglaterra e na Califórnia, e incluem uma, bastante grande, em New Jersey.”
“Referir-me-ei a todas estas terras como um arquipélago, o qual, infelizmente, foi feito de ilhas demasiado separadas entre si e também sem grande contato.”
“Os açorianos da Califórnia estão muitíssimo mais distantes dos da Nova Inglaterra do que os Açores estão de Boston.”
“Na verdade, os portugueses do Canadá têm um contato mais estreito com os seus compatriotas da Nova Inglaterra.”
É neste contexto que Onésimo aborda a problemática da aculturação.
“A defesa da necessidade de se assumir e preservar o passado não implica que o emigrante não deva alargar os seus horizontes e integrar-se o máximo possível na sociedade para onde emigra.”
“Tem-se procurado o meio termo entre a defesa e a conservação legítima das raízes, da cultura que levam consigo, e a inserção no meio americano que lhes dá mais oportunidades de diversa ordem e lhes permitirá melhor desenvolvimento global.”
Para Onésimo Almeida, “não há nenhuma razão metafísica para uma pessoa se conversar portuguesa, nem há necessidade transcendente também de ela se fazer americana. Há, sim, leis psicológicas que condicionam o Emigrante de uma cultura e Imigrante noutra a criar mecanismos de sobrevivência e de equilíbrio entre esses dois mundos.”
No fundo, conclui, “o emigrante não emigra. Simplesmente alarga fronteiras.”
Uma última incursão neste ensaio de Onésimo Teotónio de Almeida, agora sobre o processo de aculturação associado à barreira linguística, que vem bem a propósito num Colóquio de Lusofonia.
Este imenso desafio corresponde a três variáveis.
“A primeira constatação é que, na sua grande maioria, os emigrantes não aprendem bem a língua do país para onde emigram.”
“Claro que existem diferenças de grau, visto aprenderem-na melhor aqueles que se matriculam em aulas especificamente para esse efeito, bem como aqueles que vivem em áreas onde há poucos portugueses e, por isso, se vêem na necessidade de falar com comunicantes de outra língua. Em muitos casos, essa necessidade reduz-se apenas às horas de trabalho, mas é um fator considerável.”
“Uma outra variável a afetar o nível de aquisição da nova língua é o grau de prévia instrução da pessoa. Naturalmente que, quanto mais instruída, mais facilidade terá na aprendizagem, embora isso apenas reduza os efeitos dos outros fatores.”
“Um terceiro fator condicionante da aprendizagem de uma segunda língua num país estrangeiro é a idade. Quanto mais jovem emigra a pessoa, mais fácil será a aprendizagem da língua. Quanto mais tarde emigra, menos a pessoa perde em termos de conhecimento da sua primeira língua.”
“Quer dizer, pois, que quanto mais tarde se emigra, mais se leva na mente o mundo em que se vivia.”
“É por isso que os emigrantes tentam reproduzir no seu novo mundo o que não puderem transportar consigo na bagagem.”
“Se vão para um mundo começar tudo de novo, recriam aí as instituições sociais do país que deixaram.”
Daniel de Sá sintetizou assim esse grande dilema da emigração açoriana: “Sair da ilha é a pior maneira de ficar nela…”
E Onésimo Teotónio de Almeida conclui desta forma o seu citado ensaio “Comunidades Portuguesas nos Estados Unidos: Identidade, Assimilação, Aculturação”:
“A longo prazo, será inevitável a aculturação e assimilação pelo mainstream americano, mas isso acontecerá mais facilmente nas comunidades pequenas ou entre os portugueses que se dispersaram pelo país.”
“As comunidades concentradas no Sudeste da Nova Inglaterra deverão perdurar por muito tempo, mesmo para além da sobrevivência da língua portuguesa como veículo comum de comunicação, como ainda acontece com os emigrantes, incluindo os naturalizados.”
“O inevitável desaparecimento do Português como primeira língua nas gerações nascidas já nos Estados Unidos não fará por si só desaparecer as marcas culturais das comunidades.”
“O Português continuará a ser ensinado como segunda língua nas escolas e nas universidades, sendo natural até que surja reforçado, sobretudo no Ensino Superior.”
Apesar de tudo, esta é uma boa conclusão num Colóquio de Lusofonia.
E é também um hino de louvor ao nosso homenageado, enquanto professor e cultivador da língua portuguesa no outro lado do Atlântico.
O aplauso que porventura se seguirá ao final próximo desta comunicação deve ser inteiramente dirigido a Onésimo Teotónio de Almeida.
Porque o mérito dela é dele.
Eu fui apenas o instrumento, embora cúmplice, da sua mensagem.
May be an image of 2 people, including José Andrade and text
You, Pedro Paulo Camara, Norberto Ávila and 57 others
4 comments
Like

Comment
Share
4 comments
View 1 more comment
  • Rui Faria

    Excelente nota
    • Like

    • Reply
    • 15 h
  • Active
    Nelson Ponta-Garca

    Lendário e grandioso o nosso OA. ❤️ Parabéns!
    • Like

    • Reply
    • 5 h
  • José Augusto Borges

    Tive imensa pena de não ter tido conhecimento deste evento. Parabéns ao Onésimo e à organização, pois esta homenagem é devida, uma vez que ele tem sido um arauto dos Açores por onde passa.
    • Like

    • Reply
    • 1 h

Mais artigos