dez meses sem bússola osvaldo cabral

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Na próxima semana faz dez meses que o XIII Governo dos Açores, presidido por José Manuel Bolieiro, tomou posse.
Claro que o balanço desta coligação só será feito em Outubro de 2024 (na melhor das hipóteses), mas pelo andar destes primeiros 300 dias é fácil concluir que ainda está por definir um rumo.
Na apressada composição do elenco governamental cometeram-se alguns erros de avaliação de perfis e alguns dos partidos que formam a coligação não possuíam quadros com o talento desejável para assumirem as pastas que ocupam, como se tem vindo a constatar.
São erros de ‘casting’ que certamente serão corrigidos naquilo a que chamamos ‘remodelações’ e que os governos chamam, pomposamente, de ‘acertos’.
Esta apreciação ficará para mais tarde.
O que interessa agora é o rumo ou a estratégia que este governo terá de adoptar (já devia ter adoptado) face à nova oportunidade que nos é dada pela União Europeia para uma reforma profunda na nossa economia e desenvolvimento.
Está por definir que rumo é que vai ser dado aos quase 700 milhões de euros que nos vão caber da famosa ‘bazuca’.
Este governo optou, erradamente, por não mexer no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) definido pelo governo anterior, com o argumento de que, se houvesse alterações, poderia haver atrasos e serem ultrapassados os prazos, prejudicando a região.
Como se veio a provar, o governo de António Costa demorou ainda mais de um mês a entregar o plano português a Bruxelas, pelo que teríamos tempo suficiente para alterar o documento do governo de Vasco Cordeiro, que, na sua globalidade, tem a estratégia errada, pois continuaria a apostar a maior fatia do bolo na pesada administração pública regional e nas suas empresas falidas.
É verdade que o governo de Bolieiro prometeu que fará as alterações depois da aprovação das verbas, mas o facto relevante é que, até agora, ainda não foram definidas prioridades, que modelo de aplicação das verbas, que estratégia para os sectores produtivos da região, que áreas vão beneficiar das novas políticas públicas e, não menos importante, como se vai escrutinar e fiscalizar todo este processo de financiamento com a devida agilização.
Sem uma discussão pública – que não apenas política e pelos políticos – sobre que modelo queremos para a aplicação do PRR e sem uma boa e eficaz fiscalização, é de desconfiar que as verbas sejam destinadas sempre aos mesmos e às mesmas políticas dos últimos anos, que se provaram ruinosas.
Saber o que fazer com esta “pipa de massa” é um exercício que nos chama a todos nos Açores. E quando se diz “todos” não é apenas ao governo e instituições políticas. É toda a sociedade. Principalmente a sociedade civil e as empresas.
Não sabemos que estratégia vamos ter, mas já se prepara a criação
de um longo e fastidioso órgão de coordenação política e técnica para a execução das verbas.
Lê-se o Decreto Regulamentar Regional que cria o modelo de governação (nº 23/2021/A de 3 de Setembro de 2021) e fica-se com a sensação de que vamos ter, como é hábito na administração regional, mais um monstro burocrático para complicar todo o processo.
Só o órgão de coordenação técnica vai ter 11 gestores de investimento, engrossando o vínculo à administração pública regional e indicados por membros do governo.
É de desconfiar que seja um verdadeiro maná para mais ‘boys and girls’ das jotas.
Se há razões para desconfiar é porque este governo, nestes dez meses, se prestou a nomeações duvidosas, algumas escandalosas, esperando-se que não seja este o histórico da sua caminhada daqui para a frente.
Não podemos desperdiçar tantos recursos.
Temos de chamar para esta empreitada gigantesca os melhores dos melhores, fazer aplicar estes fundos na dinamização da economia, que crie riqueza e empregos, dando oportunidade aos jovens talentos que cá vivem, mas, especialmente, chamando os mais talentosos que deixamos fugir lá para fora, num projecto comum de crescimento que dê novo alento às novas gerações.
A economia do futuro não se compadece com burocracias administrativas, como é comum entre nós, nem com negligências e incompetências públicas, muito menos com governantes desligados entre si e sem orientação comum.
Temos que ser rápidos, bons e eficientes nas políticas públicas e na escolha dos agentes que ponham em prática os novos projectos.
Envolver política – melhor dizendo, politiquice – no meio de tudo isso, é caminharmos para o fracasso, como vínhamos caminhando.
A Comissária Europeia portuguesa, Elisa Ferreira, disse há pouco tempo, com coragem, que “é penoso ver que Portugal, com estes anos todos de apoio, ainda está entre os países atrasados”.
Imagine-se nós, nos Açores, que ocupamos os piores lugares em todas as estatísticas do país.
Ou mudamos de rumo ou continuaremos a ser um gigantesco arquipélago fabricante de funcionários da administração pública.
Numa governação tipo ió-ió, com altos e baixos, este governo fez em dez meses uma mudança estrutural com estrondoso sucesso: as passagens a 60 euros.
Falta agora sabermos que modelo é que queremos para o resto da legislatura.
Uma questão de bússola.
(Osvaldo Cabral – Diário dos Açores de 15/09/2021)
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