Mcgyver chamava-se na realidade José Silva: O desenrascanço

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Ana Monteiro
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Desenrascanço, uma marca nacional.

Mcgyver chamava-se na realidade José Silva. A sua história é bem conhecida: o Zé, nado e criado em Freixiosa de Baixo, sem sequer ter luz em casa, foi electricista de bordo num paquete para os Açores, onde viu pela primeira vez um motor de um carro, o de um camone nas Lajes, que ficou com o acelerador da banheira preso, quando ia de prego a fundo, a caminho de um petisco de cracas, que o Ti Alves lhe desenrascara, apesar da falta de arroz que se sentia, na Praia da Vitória. Por o ter desenrascado com um pedaço de corda da roupa, salvando do derretimento os para aí 80 cilindros do Cadillac cor de rosa, o americano, que era produtor de televisão, levou Silva para a América e foi assim que McGyver, nome artístico, chegou aos ecrãs de todo o mundo, incluindo a Freixiosa, cujo presidente da Junta, entretanto, se desenrascou tão bem com uns postes e umas baixadas para levar a electricidade à sua terra que até tem lá um busto (iluminado).
Esta história não está documentada e há de certeza quem vá dizer que foi inventada por um plumitivo luso, atrapalhado, sem saber como gabar em pouco espaço esta marca nacional, ou que não passa de um desenrasque para explicar a capacidade de resolver problemas de uma personagem de televisão que procede como um português, parecendo, no entanto, estrangeira.
Só que, uma vez desenrascado o problema, pouco interessa agora se vem nos livros ou se saiu de uma cabeça das nossas, e o rigor, não só não está incluído no preço que nós, portugueses, cobramos pelo desenrascanço, como é, nas mais das vezes, incompatível. Querem rigor, liguem a um suíço e esperem sentados.
A capacidade e desenrascanço é um traço admirável da nossa alma, reconhecido cá dentro e invejado lá fora. O português, mesmo sem meios, que nos faltam constantemente, desenrasca tudo. A única coisa mesmo que não consegue desenrascar – e é pena – é uma maneira de fazer o franchising do produto. Abrir lojas Dzenrask em Bruxelas, Nova Iorque, Munique, Moscovo: isso é que era. Mas não dá. O desenrascanço, deixado nas mãos (leia-se cabeça) de um japonês, turco, checo ou norueguês, não só não funciona, como pode causar graves desastres. Por isso, quando ele é preciso no exterior, dizemos no catálogo “n\ao tente isto no seu país” e vamos a casa do freguês, orçamentos grátis, por via da diáspora e da emigração. Foi assim que desenrascámos desenrascando-nos em barracas, muito bico de obra no bâtiment de Paris; foi assim que desenrascámos, com meia-dúzia de vísceras, o sarapatel em Goa; é assim que desenrascamos o pão nosso e deles aos habitantes de Caracas; e é assim que, de forma geral, no país e no mundo, lá (n)os vamos desenrascando.
O desenrascanço à portuguesa é um orgulho. Além de dar um jeitão.
António Costa Santos, Revista Única, 30/12/2010

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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