de mátrias e pátrias

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in ChrónicAçores uma circum-navegação 2011

Foi então. Nesse dia, pela primeira vez, a escassos metros da que fora a minha casa em Bragança, frente ao castelo e ao presépio de S. Sebastião, senti um apelo inesquecível. Foi então que me senti transmontano dos quatro costados, apesar do pouco tempo contabilizado a viver na região. Não sabia dizer porquê, mas lembrar-me-ia sempre do instante exato, já era lusco-fusco, quando senti aquela picada no coração, aquela dor profunda de mágoa e alegria, em simultâneo. Tinha acabado de encontrar as raízes. Senti os pés pesados a colarem-se ao solo. Uma experiência que se assemelha ao que se sente quando uma pessoa sabe que está apaixonada e que encontrou a alma gémea para partilhar o resto da vida.

Como alguém disse, em tempos, a pátria não é o lugar onde nascemos, mas o lugar onde o coração habita. Ali estava bem visível. Descobrira-a sem a procurar, instantânea e espontaneamente nas origens e raízes. Bragança mátria. Que disso não restem dúvidas. Jamais senti um apelo emocional tão forte, em parte alguma. Estou mais apegado àquela terra do que imaginei. Inenarrável sentimento. Não se descreve a quem nunca o experimentou. Sentimentos não se partilham em palavras. Para os que têm pátria ou sempre pertenceram a um local, de nascimento, trabalho ou necessidade, esta noção não se explica. Para os apátridas, sem bússola geográfica a marcar o ritmo de pertença, é fácil entender o que atrás se disse. Um dia, tentarei explicar esta afeção. Não se define. É inexpressável.

Já há muito dizia que Sidney era a base terrena. Jamais sentira – antes deste momento mágico -, um tal sentimento de pertença. Mesmo que os coevos bragançanos me não aceitem, não preciso deles para ser aceite. Podemos não ter projetos comuns ou seguir vias díspares, mas são da família e esta não se escolhe. Tal como o meu pai, que disse sempre ser de Afife (Viana do Castelo) embora nascido no Porto, sempre me afirmei australiano. De nacionalidade. Quando me perguntarem donde sou, direi TRANSMONTANO. De Bragança.

Nem de propósito li, no jornal diário, que alguém radicado em Castelo Rodrigo, há anos, dizia sempre “Quando me perguntam donde, digo que sou donde está o coração.” De facto, em Bragança ficou a minha alma. Podia ser habitada por nazis, por espanhóis invasores, por extraterrestres ou pelos meus maiores inimigos, mas sempre a sentiria minha. Essa sensação não se apaga, nem se limpa com lixívia, que para esses sentimentos não há branqueador que chegue. Nada disto sinto em relação ao Porto natal onde vivi um terço da vida.

Nada me diz. Turisticamente, acho a Ribeira e a Foz do Douro espantosas em dia de borrasca e atraentes no período estival. Já a medieval Sé e as velhas ruas do antigo burgo me deixam indiferente, talvez por terem sido desbaratadas e maltratadas, em vez de estimadas e recuperadas. O clima cinzento, as gentes de sotaque desagradável e palavrões vernaculares incómodos. Sonoridades agrestes e demasiado vulgares para ouvidos sensíveis. Pessoas, macambúzias, preocupadas com futilidades. Vi gente em casas da Câmara, pretensamente necessitadas, com carros novos. Iam almoçar e jantar a restaurantes e marisqueiras. Vidas sem um único livro. Mas gabavam o último modelo de telemóvel e TV de plasma.

 

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já o Takas, Luis Cardoso de Noronha diz

MÁTRIA E PÁTRIA
Pediu-me uma estudante de literatura se a língua portuguesa é a minha língua Mátria. A minha língua Pátria, respondi. Timor é a minha Mátria e Portugal é a minha Pátria. A ilha de Timor deu-me à luz, o leite materno, a minha língua materna, a cultura, o culto dos antepassados e quando nasci acenderam uma fogueira onde aqueceram água para me darem o primeiro banho. Comecei a conhecer a Pátria na minha infância quando entrei para a escola. Era à luz do petromax que comecei a descobrir um outro país que aprendi a chamar Pátria, também um Deus, uma língua e uma outra cultura. Sou o fruto dessa união. Falo a minha língua Mátria e escrevo na minha língua Pátria. Fiz uma tradução livre para tétum do poema ” As velhas florestas de agora” de Fernando Sylvan que a RTP 2 brevemente transmitirá. Direi na altura própria. Bom fim de semana.