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Sim, há mesmo uma cultura de corrupção em Portugal.
Sim, há uma cultura de corrupção profundamente entranhada na estrutura do Estado e dos partidos políticos portugueses,
e só mesmo a absoluta inconsciência perante a evidente crise do regime
é que pode levar tantos comentadores a reduzir a dimensão devastadora da acusação do processo Tutti-Frutti ao facto de Fernando Medina e Duarte Cordeiro terem sido ilibados ao fim de vários anos sob suspeita.
Por uma vez, convinha deixar de caricaturar o trabalho do Ministério Público,
reconhecer aquilo que está em causa, e abrir os olhos à gravidade do que ali é relatado.
A ver se nos entendemos.
Dizer que há uma cultura de corrupção e de tráfico de influencia entranhada na política portuguesa não significa que todos os políticos sejam corruptos,
no sentido de meterem dinheiro ao bolso em troca de favores
– que é isso que o crime de corrupção exige.
Por aí, é evidente que não falta “gente séria” na política,
e acredito que Fernando Medina ou Duarte Cordeiro façam parte desse grupo.
O que a expressão “cultura de corrupção” significa é que nenhum político que atinja cargos de certa relevância desconhece aquilo que se passa,
até porque nem sequer consegue subir na hierarquia do partido sem, de alguma forma, estar obrigado a navegar por entre essa cultura.
Isto não começou hoje.
Se quiserem, existe uma espécie de pecado original do regime democrático,
que foi construído em cima de partidos que na sua génese precisaram de muito dinheiro muito rapidamente.
Esse dinheiro circulava em malas, das mais variadas proveniências,
instituindo-se aí uma prática de sacos azuis e infinitas manigâncias para assegurar o financiamento partidário
– manigâncias essas que todos os partidos partilham,
e que podem envolver desde grandes trocas de favores
a actos tão simples como pagar ao assessor do partido através da câmara municipal ou da Assembleia da República.
Em cima disto, as leis que os próprios partidos foram promulgando promoveram um ambiente de clube fechado,
dificultando ao máximo a vida a novos partidos e a independentes,
e resignando-se a uma militância pobrezinha:
o PS terá 70 mil militantes,
o PSD à volta de 90 mil,
e os que pagam quotas são muito menos do que isso.
Nas últimas directas do PSD, Luis Montenegro foi reeleito com 16 mil votos.
Pedro Nuno Santos obteve 24 mil na luta contra José Luís Carneiro.
Ora, estes números são tão baixos que os caciques que dominam os votos de cada concelhia tornam-se extremamente importantes.
São nomes que desconhecemos mas que têm um enorme poder,
porque conseguem mobilizar os votos que podem ditar a vitória ou a derrota de um candidato.
Essa é a razão por que Luis Newton ou Carlos Eduardo Reis são neste momento deputados do PSD,
apesar de toda a gente conhecer há anos a gravidade das suspeitas que sobre eles recaíam no âmbito da Operação Tutti-Frutti.
Porque é que Luís Montenegro os enfiou nas listas de deputados, então,
ou porque é que escolheu há escassos três meses Rodrigo Gonçalves para conselheiro nacional do PSD,
se era mais do que provável que viessem a ser acusados de corrupção?
É simples: porque são os reis das manigáncias e continuam a ter imensa influência no aparelho do PSD,
como Montenegro ou Carios Moedas poderiam testemunhar – se testemunhassem.
É por isso que tenho muito pouca pena de Medina, Cordeiro, Montenegro ou Moedas.
Eles conhecem de cor e salteado a cultura de corrupção que campeia nos partidos e nas autarquias.
Só que preferem fingir que não.
João Miguel Tavares.
Jornal Público, 5 de Fevereiro de 2025.
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