crónica de Paula Sousa Lima

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Aqui vai, AMIGOS, a crónica deste sábado.
Acerca das palavras XXXVIII – há insultar e insultar
Caros leitores, penitencio-me, assumo as minhas culpas, peço perdão, digo mea culpa, prometo até vergastar-me em conformidade, tudo o que quiserem, mas, por vezes, Deus me perdoe esta humana fraqueza, não há como tornear o insulto. E mais direi, convocando o vosso perdão e o do Altíssimo: o direito ao insulto devia ser consagrado na Constituição, ao pequeno insulto, obviamente, ao insulto apropriado e merecido, claro está, àquele que não é mentiroso nem põe em causa a idoneidade pessoal, social e profissional do insultado.
É que, caríssimos leitores, há insultos e insultos. Se alguém é inoportuno e desagradável para connosco, se alguém nos trata mal e nos lesa, se alguém nos fere por querer, se alguém nos insulta direta ou indiretamente, podemos nós tomar as palavras do nosso grande Mestre e perdoar, o que só nos ficaria bem, ou podemos retaliar. Não aconselho que se retalie à primeira, sequer à segunda, mas à terceira… Bem, lá diz o povo que à terceira é de vez. Não nos ensina tal o Mestre, tendo, aliás, dito a Pedro que se devia perdoar setenta vezes sete (número simbólico para referenciar a enormidade do perdão que devemos conceder), mas…
Mas, digo eu, eventualmente muito afastada dos ensinamentos daquele a quem nunca me assemelharei, se alguém me ofende gravemente, não mostra o menor arrependimento nem o mais leve indício de querer mudar de conduta, que farei? Sequer o Mestre se opôs à ideia de repreensão. E é como repreensão que aqui entendo o insulto aceitável. Este, ademais, certamente concordareis, caros leitores, é terapêutico. Imaginem um senhor grosseiro e mal-educado, cuja viatura vem embater na nossa, lançando este, de imediato, palavras como: “És parva ou ceguinha, sua vaca?” Ora poderemos retorquir: “Caro senhor, eu estava estacionada, o senhor é que me abalroou, e agradeço que não me chame vaca.” Ou podemos dizer: “Sua besta.” Eu fico pela segunda hipótese, só por ser mais genuína, sem que lese propriamente o senhor em causa. Não concordo nada com insultos em que o visado deixa de o ser para que passe a ser a mãe do mesmo. Vamos ser polidos. “Sua besta.” não é rasca, não é ordinário, não convoca comportamentos sexuais ou outros, é limpinho, é certeiro.
O que também se mostra apropriado é um insulto em jeito de ironia, mas não me imagino a dizer: “O senhor tem comportamentos tais os de um ser asinino.” Conjeturo, aliás, que o ser asinino não me compreenderia, portanto nada como “sua besta”. Como digo no título, há insultar e insultar. Convém, para que o insulto surta efeito, não só que a ofensa não lese a família do visado nem a sua conduta sexual ou pessoal ou profissional ou social, mas igualmente que seja entendida pelo mesmo visado. Muitas vezes, contudo, o visado entende mal o insulto – e permitam-me relata-vos um episódio pessoal: andava eu a ser molestada verbalmente por um senhor, na rede social Facebook, e, depois de lhe perdoar quase tantas vezes mandou o Mestre, resolvi dizer-lhe: “Não me aborreça mais, o senhor é uma criatura sem princípios e malformada, vou bloqueá-lo.”, e, antes que eu o bloqueasse, o dito senhor respondeu-me, manifestando o seu colossal desagrado e descomunal repúdio pelo insulto, não por eu lhe dizer, em verdade, que tinha ele falta de princípios e era malformado, mas por eu lhe chamar criatura. Enfim.
Por isso, caríssimos que me ledes, fico por “sua besta” – limpinho, certeiro, de fácil e imediata compreensão, sem ter significados obscuros e comprometedores. Mas se os leitores encontrarem modos mais criativos, força. Creio que o Altíssimo vos perdoará, se não o fizer o insultado.
Paula Cabral, Roberto Y. Carreiro and 20 others
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