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Carta à senhora Manes
A razão de ser desta carta é o facto de a senhora me ter visado num escrito seu, publicado neste jornal, na edição do dia 16 do corrente mês. Reagindo a uma crónica minha, de 8.11, na qual não referi o seu nome ou o de qualquer outro cidadão, decidiu a senhora “picar-se”, ou, dito de outra forma, assumiu que o arpão a teria como destinatária, o que de forma alguma correspondeu à minha intenção.
Algumas questões prévias, para que se entenda o timbre desta minha reacção.
Não alinho no seu estilo de intervenção. Desde logo, na forma de me expressar. Quando me refiro aos açorianos, as mulheres sabem que estão incluídas. Não preciso, como a senhora, de dizer açorianos e açorianas, cidadãos e cidadãs, e por aí adiante.
Do mesmo modo, não tenho medo das palavras. Para mim, a Branca de Neve andava pela floresta com sete anões. Não com “sete adoráveis companheiros de baixa estatura”, como a senhora escreveu há dias. Nada há de depreciativo na palavra anão, como não há em cego, manco, surdo, mudo, preto ou velho, palavras que prefiro a invisual, deficiente motor, auditivo ou vocal, pessoa de cor ou idoso. Trato os bois (e, neste caso concedendo, também as vacas) pelos seus nomes, e nunca me dei mal por tal frontalidade.
Em terceiro lugar, tento expurgar de mim o ódio e a raiva, o mesmo não acontecendo com a senhora. Um exemplo: quando o seu colega de bancada se dirigiu, numa sessão parlamentar, ao Senhor Secretário da Saúde e Desporto, o meu amigo Clélio Meneses, a senhora disse, audivelmente, “dá-lhe”. Poderá parecer irrelevante, mas, para mim, não é. Porque todo o respeito que a senhora reclama para os gays, para as lésbicas, para os precários, para as pessoas de outras raças, etc, perde-se em absoluto quando a senhora não gosta de alguém. Só porque pensa diferente? Só porque está “do outro lado”? Triste forma de incluir. E, já agora, pobre forma de encarar a democracia. Tudo isto para dizer que não lhe vou “dar”…
Por fim, nada tenho contra minorias. Toda a vida defendi que, se as maiorias tivessem sempre razão, Cristo teria sido bem crucificado. Mas a minoria política na qual a senhora se insere, pelo menos nos Açores, tem uma maneira estranha de fazer oposição. Para vós, nenhuma medida tomada pelo governo está bem e só as vossas propostas são acertadas. As pessoas não gostam disso, acredite. Tome por exemplo o que aconteceu ao seu partido a nível nacional, mesmo tendo contribuído para soluções. Imagine o que lhe acontecerá aqui, se persistir no bota-abaixo. Desaparecimento que, apesar de gostar de minorias, no vosso caso não me custará muito aceitar.
Posto isto, analisemos o seu escrito:
1 – Começar a sua narrativa falando de Bolsonaro e de Trump, tentando assim associar o meu nome ou opinião a esses dois populistas que abomino, é tremendamente ofensivo. A tal raiva de que falava acima. Bastaria ter lido o que, ao longo de anos, escrevi e publiquei sobre tais indivíduos, para entender o que deles penso. Mas atenção: populistas não existem apenas na extrema-direita. Há-os, igualmente, na estrema esquerda, como a prática do seu partido prova. Governar é tentar fazer face a necessidades ilimitadas com recursos escassos. Não é prometer resolver tudo, como se o dinheiro nascesse do chão. Contentar toda a gente, o tempo todo, só é possível no vosso discurso demagógico. Porque falar não custa…
2 – Depois, a senhora centra a sua narrativa no conceito de seriedade. Mas não esperava que desse o flanco com tanta graciosidade.
Começa a senhora por pôr em causa a seriedade do Governo Regional dos Açores, “que veio agora a público pedir para que todas as pessoas que se batem pela cultura no arquipélago sejam mais sérias”. Ora a senhora sabe perfeitamente que não sou membro do Governo Regional, nem sequer seu porta-voz. Poderia, no entanto, tratar-se de um lapso, pouco desculpável numa deputada, mas, enfim, uma distração ocasional. Só que a senhora é useira e vezeira neste tipo de coisas. Por exemplo, não é sério afirmar que a Secretária Regional da Educação e dos Assuntos Culturais não gosta de literatura, só porque decidiu que a Região não participaria este ano na Feira do Livro, por querer repensar essa forma de participação. Ou escrever que a mesma governante não gosta de cultura, também não é sério.
3 – Vem depois a senhora dizer que escrevi “um longo discurso sobre os seus imensos e autoimpostos méritos na área dos assuntos que ele gosta de chamar culturais”. Concluindo que estaria na presença de uma “candidatura a um futuro cargo de direção, ou algo do género”.
Credo, senhora Manes… Primeiro não são “imensos”, apenas alguns. Depois não são “autoimpostos”, aconteceram mesmo, são factos públicos e notórios. Não seja a sua ignorância motor para a chacota. Terceiro, não sou eu que gosto de chamar, são mesmo assuntos culturais. E, acredite, não sou candidato a qualquer cargo de direcção. Mais uma vez, este tipo de insinuação, roçando o difamatório, só retrata bem o seu conceito de seriedade…
Tudo isto, senhora Manes, porque disse que não podemos continuar a gastar o dinheiro que não temos, que devemos fazer opções racionais, anunciando ser bem-vindo quem venha por bem, com críticas construtivas e propostas viáveis? Pedindo que quem quisesse falar destes assuntos mostrasse primeiro o seu currículo?
Perdoará, mas tenho de concluir que não tem qualquer currículo nesta área e que quer que a Região continue a endividar-se para criar necessidades, mais do que usar os recursos disponíveis para fazer face às necessidades realmente existentes.
As dúvidas que tem quanto às opções da Senhora Secretária, ponha-as à senhora Secretária, em plenário da ALRAA. Para isso é deputada. Não serei eu a dissipar as suas dúvidas, faltando-me legitimidade para tal.
Ou então, dedique-se ao golfe, desporto pelo qual parece ter obsessão, tanto fala em campos do mesmo. Só lhe faria bem…
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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5 comments
- Guido RodriguesAdoro o que escreves! Carradas de razão! Abraço.
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- José FerreiraSoberbo
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Alexandra CostaGrata pela forma como escreve. Raros são os que ainda me conseguem “agarrar”!- Like
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João SilvaAdorável, enche à alma.- Like
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Marisa PereiraQuem diz o que quer sujeita-se a ouvir o que não quer…