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Educação com estrelas
Tenho um amigo que gosta muito de cozinhar. Não o invejo, porque sou incapaz de tal sentimento. Mas admiro-o.
Admiro o cuidado com que escolhe os ingredientes, sempre frescos e de boa qualidade. Admiro a paciência que dedica a cada prato, os seus tempos de preparação, de feitura, de finalização. E admiro o amor com que vai seguindo todo o processo, provando agora, corrigindo um tempero mais além, certo de que o sabor do produto final depende da ausência de pressa.
Vivemos tempos de enorme pressa. Queremos tudo para já, sem tempos de espera. Época de “fast food” e de facilidade. Nos consumos, nos processos, até nas relações amorosas, queremos que as coisas aconteçam depressa, sem o que passamos urgentemente à frente. E a maior parte das vezes compramos coisas que não nos satisfazem plenamente, vivemos percursos que nos cansam, aproximamo-nos de pessoas das quais nos livramos semanas ou meses depois, como se fossem uma conserva fora de prazo.
Há políticas cujas medidas, quando implementadas, têm efeitos quase imediatos. Baixamos o IRS ou o IVA e, em princípio, o consumo sobe. Baixamos o preço das passagens e as pessoas começam a viajar mais.
Não é assim, no entanto, com a Educação. Como política estrutural que é, as consequências das decisões tomadas podem levar anos até se poderem ver e avaliar. Muito mais num Mundo em constante mudança, com tecnologias que avançam dia-a-dia e com a globalização do conhecimento.
Em dia em que os partidos dialogam sobre uma Estratégia da Educação para a Década, não posso deixar de louvar a boa cozinheira que se revela cada vez mais Sofia Ribeiro. E não o faço como seu Chefe de Gabinete, por maior que seja a honra que o convite me trouxe. Faço-o como professor e como pensador, há mais de trinta anos a defender certos princípios e linhas de acção nas escolas por onde passei e nas páginas dos jornais.
A aprovação e transição dos nossos alunos não se resolve por decreto. Lembro-me das passagens administrativas decididas no período revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril. Quem olhasse para os números, sem os analisar, pensaria que a democracia tinha operado o milagre de criar um sucesso absoluto entre os alunos portugueses. Quando, na realidade, conheci advogados muito maus que beneficiaram das tais passagens administrativas na faculdade.
Do mesmo modo, a melhoria das notas ocorrida no primeiro ano da pandemia, com os alunos a serem avaliados à distância, não pode florir os arcos de quem tem o Prosucesso como a maior marcha que se descobriu. Tive alunos muito bons que não resistiram à tentação do “copy past” nos trabalhos que lhes pedi para me mandarem para o mail. Nalguns casos era fácil detectar a fraude. Noutros nem por isso, e tive de aplicar o princípio de que “in dubio pro aluno”. Mas a avaliação não reflectiu, em muitos casos, a sabedoria…
No desenvolvimento da época do “fast food”, estabeleceu-se o princípio de que o que interessa é passar. Quando, na realidade, e tratando-se de alunos, o que interessa é que aprendam.
Por tal, louvo o espírito da Secretária Regional da Educação em funções. Está no bom caminho, quando defende que é imperioso criar metas intermédias de aferição e orientação do Sistema Educativo Regional, mais do que definir-se apenas metas de final de ciclo e muito menos ainda de final de todo um percurso escolar.
As taxas de aprovação e de transição são, sem dúvida, importantes. Mas terão de ser revistas, porque resultam de todo um processo educativo. Essencial se revela ir provando e corrigindo temperos, para que o prato final agrade a todos. E para que haja cada vez menos aprendizes de culinária a abandonar precocemente a cozinha.
Comecemos pelo primeiro ciclo do ensino básico. É aí que os ingredientes são mais frescos e revelam maior qualidade. E sigamos depois, com as referidas metas intermédias, o percurso de cada cozinhado. Corrigindo temperos, já certos de cada criança é o prato mais saboroso que alguma vez embelezou as nossas mesas. E nenhum igual a outro…
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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