Crónica 394 vidas adiadas 9.5.2021

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Para quem acordou em 2020 jamais esperava ter de assistir a esta nova guerra mundial sem tiros e onde as bazucas de que se fala são de apoio financeiro.

Com efeito, quem acordou em 2020 fê-lo como se estivesse num estado de animação suspensa. Depois de muitas dúvidas, notícias falsas, da instauração do novo regime de medo global viria a terrível constatação de que a vida, tal como a conhecíamos, estava adiada, primeiro por umas semanas, depois por uns meses e agora toma forma o adiamento infindo, com curtas pausas para fingir que ainda vivemos e podemos sair, ir a um café ou a um restaurante ou à praia, para, de seguida, vir nova ordem de recolher a penates.

A escola intermitente, com seis semanas de aulas presenciais cria uma nova estirpe de alunos que pouco ou nada aprendem, e se, dantes já era uma desgraça aprenderem alguma coisa, muito pior será agora.

As casas passaram a ser um escritório alargado de teletrabalho que desfez todas as rotinas e ameaça minar todas as relações interpessoais, ao confinar pessoas por largas horas, dias, semanas, meses em áreas confinadas sem liberdade nem espaço, nem movimentos.

Se dantes muitos casamentos sobreviviam porque o casal mal tinha tempo de se encontrar e estava demasiado cansado pela lufa diária, agora criou-se um novo paradigma de casal à força e servirá de tira-teimas sobre a durabilidade de muitos relacionamentos.

Como todos andam covidescamente preocupados com a pandemia nem se apercebem que estão a destruir anticorpos de vida social e familiar e quando se aperceberem não há psicólogos que cheguem para tanto mal-estar. Serão feitas estatísticas sobre o aumento da violência (sobretudo doméstica) e constatar-se-á que a violência não é só endémica mas se tornou pandémica.

Como acabaram as festas, procissões e outras manifestações abertas ao público onde este podia dar largas a frustrações, medos e outros temores essa repressão de sentimentos irá encontrar novas válvulas de escape nos espaços confinados onde os colocaram.

Vivemos todos em jaulas, umas maiores outras menores e só nos falta o público para nos sentirmos num zoo, mas como o Onésimo observava há dias numa das nossas tertúlias dos colóquios da lusofonia, afinal já estamos num zoo, chama-se zoomlógico em que a câmara e o microfone nos devassam a toda a hora, como se fossemos obrigados a estar disponíveis a toda a hora para mostrar as habilidades amestradas aos que nos querem ver. E é essa imitação de vida que preenche o nosso novo quotidiano. Assim, estamos todos com a vida adiada à espera de milagres de vacinas e de bazucas que nunca remediarão o mal que já foi feito na destruição do tecido social e humano em que vivíamos, bem dizia nessa tertúlia, a Malvina Sousa “éramos tão felizes e não sabíamos”. Depois disto fica a memória desses dias e uma réstia de esperança que alguns tenham aprendido a dar valor ao que é verdadeiramente importante, enquanto a maioria se esquecerá e prosseguirá opiada com novas drogas de anestesia geral em substituição do fado, futebol e fátima do nosso descontentamento. O novo normal está magnificamente retratado na capa do livro de José Luís de La Guardia “O zoo humano” de 2018 (ed. Caligrama)

Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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