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Crónica 379 A arte de viver em toda a sela 21.1.21
Quando além da doença crónica da mulher sou confrontado em poucos dias, com a morte da minha mãe, dois primos e um colega de liceu vitimados pelo bicho apenas resta uma solução como a do Marquês do Pombal “Sepultar os mortos e cuidar dos vivos”. Agradeço a dádiva de ter beneficiado de 97 anos e dez meses de vida de quem me trouxe ao mundo, e que – ironicamente – dizia em tenros anos “ninguém me pediu para ser nascido”, e mais recentemente acrescentava “já que nasci, o melhor é não me queixar enquanto estou vivo”.
Em tempo de crise, o melhor é lembrar as cumplicidades com o filho mais novo Por isso perdi-me a revisitar fotos de há 24 anos e a sorrir aos momentos felizes que retratavam mesmo que nem todos estejam cá connosco para as recordarmos juntos…
Não me queixo apenas constato, desabafo e reajo com imagens de momentos de dias felizes com o mais novo, o resto é passado, ele é futuro e eu (entretanto) passei para a linha da frente.
A isto tudo assisto, ao desabar do mundo, da civilização ocidental, ao avanço da pandemia e do medo; à destruição de vidas e planos e a esta enorme impotência que a todos assola, sem respostas nem soluções para a mortandade, esta e as outras todas que deixaram de ser importantes, sejam elas o cancro ou a fome e guerra.
Assisto pouco mais do que mudo e calado – enquanto vou digerindo lentamente as vicissitudes da vida e da morte com a minha perspetiva oriental de que a morte não é senão uma fase da vida. Assim como à infância se sucede a juventude e a adolescência, a vida adulta, a madura e a terceira idade, a estas normalmente, segue-se a morte que é um estádio diferente, quando o eu se desliga das vestes terrenas, o corpo. Sem lágrimas, nem culto dos mortos, esse novo estádio pode ser encarado de várias óticas que normalmente são estigma na vida do mundo ocidental.
Também se não professam aqui crenças de 72 virgens nos céus islâmicos. Aceito-a apenas como uma etapa natural e não um fim, em si. Tanta memória e recordação que borbulharam à tona dos sentimentos, trazendo-me, de volta, à realidade da efémera passagem por esta vida e acreditem, devo sentir-me grato por ter vivido 71 outonos tão ricos e variados como os que passei em Timor, Macau, Bali, Austrália, Bragança e Açores e tantos os sítios que visitei e pelos quais me apaixonei, 26 deles na companhia da minha mulher que sempre me serviu de muralha protetora e catapulta de sonhos concretizados e com a presença deste quarto filho em 24 anos de lutas, desgostos, desilusões, alegrias e vitórias que juntos compartilhamos.
É isto o ciclo vital e não adianta derramar lágrimas como disse António Gedeão
olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists' Association MEEA] Diário dos Açores (desde 2018) Diário de Trás-os-Montes (desde 2005) Tribuna das Ilhas (desde 2019) Jornal LusoPress Québec, Canadá (desde 2020) esta e as outras crónicas em https://www.lusofonias.net/mais/as-ana-chronicas-acorianas.html