Crónica 371 quando os amigos mudam de dimensão

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Crónica 371 quando os amigos mudam de dimensão 13.12.20

in memoriam Pedro Freitas (Peter para os amigos)

Ao longo de toda a vida nunca fui pessoa de muitos amigos, conhecidos aos montes, mas amigos foi sempre uma classificação restrita. Alguns desses amigos são-no, há décadas, herdados da diáspora em Timor, Macau, Austrália e outras paragens, e podem passar anos, dezenas deles, que a amizade nunca se esvai e os contactos se mantêm, mais ou menos fugazes consoante a vida de cada um.

Este ano, entre muitos outros que se foram, fui particularmente tocado pela passagem a outra dimensão do meu mentor Malaca Casteleiro, do Leonel Batalha ex-secretário do Consulado-Geral em Sydney mais pai que ex-sogro e agora o Peter.

Tenho perante a morte uma atitude filosófica muito oriental

A passagem terrena é curta e o melhor a fazer é aproveitá-la bem, enquanto cá se anda. Nunca se sabe quando chega o prazo de validade de cada um. A quantidade de horas desperdiçadas em guerras, desentendimentos, amuos é enorme, considerando o já imenso tempo malbaratado a dormir e noutras atividades sem impacto na marca terrena que cada um pensa deixar. Disto é feita a matéria humana. Quem era eu, para endireitar o mundo? Já deixara de o fazer há mais de uma década. A morte, como já escrevi, por diversas ocasiões e formas, é uma noção tabu na sociedade ocidental. Não se prepara para ela nem se aceita livremente quando chega. Preferia uma maneira de ser e de estar mais em conformidade com os ritos orientais. Toda a vida é experimentada tendo em mente que a morte é o passo seguinte, o fim, o objetivo primário. A vida é a fase transiente e passageira, e não um desfecho em si. Apenas a curta etapa da passagem por este orbe que diariamente os humanos destroem.

O Peter foi um dos meus primeiros chefes na Emigração, Serviço de Intérpretes pelo Telefone (TIS) nos idos de 1984, nativo da Madeira crescido em Moçambique falava fluentemente dez línguas entre as quais russo e grego e apoiou-me na entrada para a função pública australiana onde me radiquei no Ministério do Emprego e Relações Industriais, como se chamava então.

Mantivemos sempre contacto e foi parceiro de incontáveis jogos de pingue-pongue, que detestava perder contra mim e o meu amigo angolano Jacko (então acabado de chegar à Austrália). Foi durante alguns anos, Conselheiro das Comunidades Portuguesas, mas muito crítico do papel que essa entidade tinha e que ele acusava de nada servir, pois os governantes nunca seguiam as indicações dos emigrantes.

Tal como eu tinha alguns casamentos falhados e pelo menos dois filhos que me lembre, que eram a sua maior alegria. Esta amizade de 40 anos manteve-se , e era um dos poucos e fieis leitores destas minhas crónicas, sempre me incentivando, comentando”acertaste na mouche”, “que nunca te doam as palavras” e comentários semelhantes. Quando fui casar a Sydney em 1996 foi-se despedir de mim ao aeroporto à área reservada dado seu estatuto de funcionário muito sénior da Emigração e não nos tornámos a ver. Há dias enviei-lhe votos natalícias e hoje, em resposta sei que se passou para o lado de lá, onde estou certo continuará a ler as minhas crónicas. Obrigado Peter pela tua amizade Image may contain: 1 person, text that says "As pessoas de quem gostamos e partiram amputam-nos cruelmente de partes vivas nossas, e a sua falta obriga-nos a coxear por dentro. Ars Moriendi Literatura e Poesia António Lobo Antunes"

Chrys Chrystello, Jornalista,

Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists’ Association] MEEA]

Diário dos Açores (desde 2018)

Diário de Trás-os-Montes (desde 2005)

Tribuna das Ilhas (desde 2019)

Jornal LusoPress Québéc, Canadá (desde 2020)

 

esta e anteriores em https://www.lusofonias.net/mais/as-ana-chronicas-acorianas.html

 

 

 

 

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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