CRISTÓVÃO DE AGUIAR Abílio Hernandez · Aos amigos que se despedem de mim

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Aos amigos que se despedem de mim…
Ainda há poucos dias tive amigos que vieram dizer-me estou aqui e me abraçaram.
Hoje foi o Cristóvão de Aguiar que se despediu de mim e do mundo. Os abraços, fui eu que lhos dei, pedindo emprestados os braços dos filhos com quem estive, o José Manuel, o mais velho, e o Luís Aguiar-Conraria, o Luisinho dos caracóis louros, que chagava até nós pendurado na mão do pai. É assim a vida, agora vou encontrando mais vezes os filhos do que os pais.
Do Cristóvão, a quem eu chamava Luís, fica comigo a da nossa amizade e do muito que partilhamos durante anos.
Recordo-me de ter apresentado, com Paulo Quintela ao nosso lado, a , que o Luís dedicou “Ao meu amigo Abílio Hernandez, que sempre mostrou um especial carinho por esta , dedico-lhe com a amizade cimentada ao longo dos anos na nossa Coimbra e na nossa Faculdade de Letras”.
Começa assim, com a bela abertura a que chamou “Recado”:
“Às golfadas de magma que o vulcão da memória foi expelindo em dias e noites de tragédia e terramoto dei o nome de Vindima de Fogo. Uma ilha de palavras foi a pouco e pouco aflorando à superfície enegrecida das águas em fervedouro. Aqui está ela, já fria e apagada, com suas crateras tranquilas, cobertas de junça e bagacina, tão longe e diferente da erupção que lhe deu origem. Que me perdoe a outra ilha, a ilha-mulher que recolhi à sombra do sangue no princípio do tempo e se estendeu para todo o sempre nos meus sonhos e pesadelos. É nela que vou mergulhando a pena e estas minhas raízes sem chão para lhe implorar uma gota de água e de frescura. Ficou escrito que serei sempre um vagabundo interior, procurando a ilha-mulher nas coordenadas morrinhentas do meu corpo insulado. Entrego-te todavia este coágulo de sonho dia a dia estrangulado e fielmente reacendido. Toma-o em tuas mãos basálticas e, se sentires o rumor distante de uma erupção pretérita, empresta-lhe um pouco do teu fogo ainda não vindimado.”
Tenho a certeza certa de que o Cristóvão, o meu Luís, continua a alimentar o vulcão da memória, num regresso sem chegada, porque não partiu nunca.
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