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A crise sísmica na ilha açoriana intriga os cientistas que a estudam e discutem à mesa. Os novos dados sugerem que um afastamento da falha tectónica em que assenta a ilha, mas ainda é tudo “muito complexo”. Há factos: de repente, em menos de dez dias, já ocorreram mais de 14 mil sismos em São Jorge, o dobro dos registados em todo o ano passado nos Açores. E uma certeza: “Em sismologia não é possível saber o que vem a seguir”.
Na vila de Velas, a zona mais afetada pela vaga de sismos que há mais de uma semana atinge a Ilha de São Jorge, há muitas casas fechadas e quase ninguém nas ruas. O medo levou metade da população a deixar o concelho. À noite, o pouco movimento converge para o único restaurante que se mantém aberto: é lá que jantam muitos dos cientistas que vieram monitorizar o fenómeno.
À mesa, trocam-se dados e discutem-se teorias, mas não há consenso nem certezas sobre as causas da atual crise sísmica. E muito menos sobre as consequências que pode ter.
Paulo Alves, especialista em sismologia do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), João Fontiela, sismólogo da Universidade de Évora, e Rui Fernandes, geodesista e coordenador do Colaboratório de Geociências, partilham a mesa. Já assistiram e estudaram erupções em vários pontos do globo, incluindo a do ano passado em La Palma, a mais devastadora do último século na Europa.
Rejeitam comparações.
Desde logo, porque o que aconteceu nas Canárias “era notoriamente vulcânico e fácil de interpretar”. A única dúvida era quando iria começar a erupção e quanto tempo iria durar. Mas São Jorge “é um mistério.”
“O que está a acontecer é muito complexo”, diz o técnico do IPMA. São muitas as contradições que intrigam os investigadores. A começar pelo facto de a crise sísmica estar a atingir precisamente aquela que era, até aqui, uma das ilhas com menor sismicidade do arquipélago. De repente, em menos de dez dias, já ocorreram mais de 14 mil sismos em São Jorge, o dobro dos registados em todo o ano passado nos Açores.
“Ao início pensávamos que estes sismos estavam a ser provocados por uma intrusão magmática, mas pode não ser isso. Todos os sismos que ocorreram até agora são do tipo tectónico. Ou seja, não estão a ser causados por atividade vulcânica, de ascensão do magma, mas sim por a falha (tectónica) estar ativada”, explica Rui Fernandes, professor na Universidade da Beira Interior e especialista no estudo de deformações da crosta terrestre.
As imagens recolhidas por satélite e captadas pelos instrumentos geodésicos que agora estão a ser reforçados em toda a ilha parecem indicar um afastamento progressivo da falha tectónica em que assenta São Jorge, que fica precisamente na fronteira entre duas placas (euro-asiática e africana), diz o investigador.
Resta saber se esse afastamento foi provocado por uma intrusão de magma ou se, pelo contrário, lhe deu ou ainda pode vir a dar origem. “É como o ovo e a galinha. Não sabemos o que surgiu primeiro”, diz.
De acordo com o registo dos instrumentos geodésicos que funcionam por GNSS (Global Navigation Satélite Systems), a vaga de sismos provocou uma deformação no solo com cerca de oito centímetros, que já é substancial. Mas essa é outra parte do enigma. “Os sismos estão a ocorrer a grande profundidade, entre 10 e 12 quilómetros, e isso não é muito compatível com uma deformação tão significativa à superfície. É muito estranho”, diz o sismólogo João Fontiela, que nos últimos dias instalou mais de 15 estações sísmicas na ilha.
O QUE VEM A SEGUIR?
Tendo em conta o facto de não haver, até agora, registo de atividade vulcânica na origem dos sismos, Fontiela arrisca uma previsão: “A curto prazo, isto é nas próximas semanas, não acredito que haja uma erupção. Mas relativamente a um grande sismo, não sabemos. A Natureza não é um processo linear”.
Rui Fernandes não descarta, para já, nenhum cenário. “Pode haver uma erupção submarina semelhante à de 1964, ou uma subaérea na zona de Velas. Mas tenho mais medo que haja um grande sismo do que uma erupção”.
O facto de nos últimos dois dias haver um abrandamento do número de sismos não é, necessariamente, um bom sinal. “Pode significar que a falha (tectónica) bloqueou e já não está a conseguir libertar energia. E se ela se acumular, em algum momento pode haver um sismo maior”.
A situação ainda é demasiado incerta e Paulo Alves, do IPMA, não arrisca nenhuma previsão. “Já vi de tudo. Em sismologia não é possível saber o que vem a seguir”, frisa.
A única certeza é mesmo essa. E a história comprova-o. “Na Califórnia, tentou-se fazer um sistema de previsão de sismos, que media uma probabilidade de ocorrência, mas a taxa de erro foi tão grande que isso foi posto de parte. Os sismos são fenómenos súbitos quase impossíveis de prever”, sublinha o sismólogo do IPMA.
(Texto: Joana Pereira Bastos – Foto (texto): Rúben Tiago Pereira – Expresso de 28/03/2022)

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