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“Temo pelo esforço que fiz ao longo de 10 anos para investir num espaço no centro histórico e agora não ter condições de o manter”
“Alarmante”. É esta a primeira palavra que vem à cabeça de Renato Moniz para classificar a situação que vive enquanto empresário do sector do comércio. Proprietário de um estabelecimento em Ponta Delgada que se dedica à venda de decorações e ‘souvenirs’, o responsável traça um cenário “muito negro” para o futuro do seu negócio, fortemente afectado pela crise causada pela pandemia.
“A situação é alarmante. Nos últimos meses sentimos uma quebra de cerca de 90% nas vendas”, afirma o dono da “Rosa Nicole Decorações.
Com uma colaboradora ainda em lay-off, o espaço esteve encerrado de Março a Junho. “De Junho para cá, temos vendido qualquer coisa, mas não tem nada a ver com anteriormente. As quebras são enormes”, refere.
Em declarações ao Diário dos Açores, Renato Moniz conta que fez um investimento avultado, no valor de um milhão de euros, para a aquisição do imóvel onde se localiza o estabelecimento, que está a pagar ao banco. Com a quebra na facturação, teve de recorrer à moratória bancária para fazer face a este encargo.
“Recorremos à moratória, o que é muito bom numa ajuda imediata, mas a longo prazo não é benéfico. Estes meses que ficaram por pagar vão ser pagos depois, com juros de 10 anos”, alerta. “Não é uma situação fácil, mas neste momento não há alternativa”, acrescenta.
Quanto aos apoios do Estado, refere ser “muito complicado cumprir com as directrizes dadas”. “Uma empresa que tenha um saldo negativo do ano transacto não tem direito a apoio. Ou seja, se já estava em dificuldade antes da pandemia, agora sem apoio, acabará por fechar as portas”, alerta, admitindo que este pode vir a ser o seu caso.
“Ao fazer uma compra de um milhão de euros, que estamos a pagar ao banco, enquanto o imóvel não estiver pago, dificilmente teremos um saldo positivo no final do ano. Ora, como não tivemos um saldo positivo no ano passado, não podemos beneficiar das linhas de apoio do Estado. Então… como ficamos?”, questiona, lamentando esta dificuldade no acesso aos apoios.
O responsável acrescenta que, “por mais que venda nos próximos dois meses, não vai dar para tapar o buraco” e traça, por isso, um futuro negativo: “Temo pelo meu posto de trabalho. Acima de tudo, temo pelo esforço que fiz ao longo de 10 anos, para investir num espaço no centro histórico, e agora não ter condições de o manter”.
Renato Moniz defende, por isso, a necessidade de haver medidas que apoiem as empresas que já se encontravam em dificuldades e cuja situação piorou com a pandemia. Caso contrário, “o que acontece é que as empresas que estão saudáveis vão continuar a receber apoios e as que já não estavam bem vão ficar pior e acabar por fechar as portas”. “E o que é que acontece com os funcionários que acabam no desemprego depois de a empresa falir? É uma situação muito complicada…”, lamenta.
Clientes com receio de tocar nos produtos
A Rosa Nicole Decorações abriu em 2002 e já esteve em várias zonas de Ponta Delgada até ao espaço actual, na Rua Machado dos Santos. Habituado a interagir constantemente com os clientes, Renato Moniz diz agora que as pessoas se tornaram mais receosas e menos receptivas, devido à covid-19.
“Eu sou uma pessoa muito comunicativa e gosto de falar com os clientes, mas noto que agora as pessoas têm medo. Entram, compram o essencial, mas não ficam muito tempo na loja”, conta, esclarecendo que o mesmo acontece tanto com clientes locais como com estrangeiros.
Agora encontra o seu espaço “sempre arrumado, quando antes não estava. As pessoas antes mexiam nos produtos, tocavam nas peças para apreciá-las, mas agora têm medo de tocar. Isso só demonstra que têm medo”, salienta.
Além da venda ao público na loja, Renato Moniz trabalha ainda na área da decoração de eventos. “Fazemos casamentos, comunhões, festas paroquiais, festas do Espírito Santo… mas foi tudo cancelado. A facturação ficou a zero nessa área”, lamenta.
Sem quaisquer perspectivas positivas para os próximos meses, o comerciante reitera, “com toda a certeza”, que a facturação não irá melhorar até ao final do ano. Mesmo a época de Natal é uma incógnita para o comerciante.
Sobre as iniciativas de incentivo às compras no comércio tradicional, promovidas pela autarquia e câmara do comércio, o responsável diz terem sido boas, “mas não resolvem” os problemas, pois “enquanto se cultivar a informação de pânico e medo, isto vai continuar assim”. Uma solução, defende, seria os comerciantes fazerem também testes de despiste à Covid-19 periodicamente para deixar os clientes “mais descansados”.
Renato Moniz refere que sempre foi uma pessoa “optimista” perante das adversidades da vida, mas agora só consegue ver à sua frente um “futuro muito negro”.
Por Alexandra Narciso
