criar uma comunidade para criativos nos Açores

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A produtora de cinema tem dois Emmy e esteve nomeada para um Óscar
Americana Bristol Baughan quer criar uma comunidade para criativos nos Açores
Correio dos Açores – Pode partilhar o seu percurso e o que a trouxe aos Açores?
Bristol Baughan – Sou originalmente da Califórnia, mas recentemente mudei-me de Montana para São Miguel. Estava a viver no rancho onde o arquitecto Frank Lloyd Wright desenhou o seu primeiro projecto de comunidade, em 1908. Tentei recriar a sua visão com um local onde as pessoas pudessem aprender sobre construção sustentável e agricultura, enquanto praticavam aquilo que significa viver em harmonia com a Terra.
A minha carreira começou com a indústria cinematográfica, onde passei dez anos a produzir documentários em Hollywood. E na última década, o meu foco passou pela transformação pessoal e no desenvolvimento de competências de liderança.
A minha mãe, de 73 anos, pediu-me ajuda para passar a sua reforma em Portugal e, quando vim com ela, decidi ficar. O sector imobiliário em Montana torna muito difícil concretizar o meu projecto de sonho, por isso tinha esperança em encontrar pessoas interessadas numa ideia de comunidade parecida.
O que inspirou a sua decisão de mudar-se para a Região?
Em Maio de 2022, eu e a minha mãe viemos a São Miguel pela primeira vez e ficamos impressionadas com a beleza e a tranquilidade da ilha. Fizemos longos almoços em Vila Franca e percorremos o trilho à volta da Lagoa das Sete Cidades. Estávamos à procura de um lugar que nos desse inspiração para abrandar, que nos fizesse conectar com a natureza e onde ela pudesse comprar a casa para passar a sua reforma. Para além disso, ficamos muito entusiasmadas com o facto de estarmos perto da Europa, de podermos visitar os lugares que adoramos e conhecer outros em que nunca estivemos. De modo geral, o que me inspirou a mudar-me para cá foi o custo acessível e a sensação de segurança. Estava à procura de um sítio em que fosse possível viver como empreendedora social e escritora.
Pode fornecer informações sobre o IDG Azores Leadership Hub e explicar a importância deste projecto?
Sim! Estou muito entusiasmada com este projecto. O “Inner Development Goals” é uma plataforma de transformação pessoal criada por uma associação de investigação da Suécia. É a resposta deles ao ritmo vagaroso dos progressos para atingir os 17 Objectivos de Desenvolvimento da ONU. É uma forma de praticar o trabalho interno das alterações climáticas, fazendo a transição de uma abordagem extractiva para uma forma mais regenerativa de ser.
Todos nós temos acesso aos dados e informações para enfrentar as alterações climáticas, mas não estamos a tomar medidas necessárias rápido o suficiente. A verdadeira questão é: em quem temos de nos transformar para mudar o nosso comportamento?
Participamos em reuniões organizadas pela Sustain Azores na primeira Segunda-feira de cada mês, na Quinta do Bom Despacho. Exploramos as cinco principais áreas dos Inner Development Goals – IDGs (Metas de Desenvolvimento Interior): Ser, Pensar, Relacionar, Colaborar e Agir. Cada um de nós lidera sessões sobre o desenvolvimento de ferramentas de liderança específicas que servem estas cinco áreas.
Na sua palestra TEDx, discutiu o tema “Sobreviver ao Culto do Trabalho Árduo e Aprender a Amar a Vida”. Acredita que os Açores proporcionam um ambiente propício para cultivar esta mentalidade? Porquê?
Por enquanto, sim. Como em qualquer parte do mundo, também está a tornar-se difícil suportar o custo de vida, mas os Açores ainda são acessíveis para quem tem beleza e a paz como prioridade. E também é um lugar que nos obriga a abrandar. O foco está muito mais em aproveitar a vida e valorizar o tempo na natureza e nas relações interpessoais, do que no dinheiro e na eficiência. Excepto na estrada, estranhamente ninguém conduz devagar.
Como evoluiu a sua prática criativa e que papel desempenha actualmente na sua vida?
Sempre tive dificuldade em dar prioridade ao meu trabalho criativo e sentia que havia sempre algo mais importante para fazer, mas agora percebo que a realização pessoal depende muito de começar a escrever e do compromisso com a minha prática criativa. E agora finalmente tenho uma!
Durante a semana, trabalho no meu livro de memórias e num conto. E, neste momento, também estou a colaborar com um escritor de Los Angels na criação de mundos alternativos. Por exemplo, o que iria acontecer se os líderes do movimento regenerativo fossem súbita e radicalmente empoderados? Como seria esse mundo?
Sinto que o meu propósito é ajudar os outros a colocarem-se perante aquilo que está a tentar emergir criativamente através deles. Também oriento as pessoas a fazer esta transição nelas próprias
Pode recordar um momento ou experiência específica que tenha influenciado profundamente o seu percurso criativo?
Apenas recentemente é que li “Um Quarto Só Para Si” da Virginia Woolf. Um livro notável escrito em 1929, onde ela previu que, dali a 100 anos, as mulheres estariam em posição de ter um quarto próprio e ganhar o seu próprio dinheiro, o que lhes daria a liberdade para escrever o que quisessem – não apenas como mulheres, mas como seres humanos. 2029 está apenas a cinco anos de distância e a previsão de Virginia Woolf já está a acontecer.
Detalhes sobre a inspiração ou ideia por detrás do Retiro Criativo no Convento de São Francisco…
O Retiro Criativo no Mosteiro é uma ideia que surgiu, o ano passado, durante um curso de escrita online chamado “Emergent Expression(s)”. Centramo-nos em recuperar a relação com o nosso eu criativo e descobrir aquilo que nos faz sentir verdadeiramente vivos.
Ao co-orientar o curso, surgiram muitas ideias para histórias que queria escrever. Comecei a projectar como seria viver em comunidade com aqueles que também querem começar o dia com a prática espiritual (canto/ioga), passar horas a criar e, por fim, reunir-se, à noite, para partilhar aquilo que emerge criativamente em cada um de nós.
Neste momento, sinto-me fascinada por mosteiros e pela forma como as pessoas estão a renovar e preservar estes edifícios, tal como a Leonor está a fazer com o Convento de São Francisco. Adoro a ideia de encher mosteiros com músicos e a artistas e criar beleza enquanto o mundo continua em constante mudança. Acredito que as respostas para os desafios que enfrentamos estão dentro de cada um de nós, e toda a gente traz consigo uma resolução valiosa.
O que espera que os participantes retirem da experiência do retiro?
Espero que os participantes tenham espaço para sentir e simplesmente ser, que tenham um descanso do “ter de fazer” e tempo para ouvir. Quero que as pessoas se relacionem de forma profunda consigo próprias, com a Terra e com os outros. Quero que saiam do retiro com um sentido de conexão com todas as coisas. Também tenho esperança de que cuidem da semente daquela ideia criativa para a qual não tinham tempo, e que vejam o quanto ela quer ter expressão no mundo.
Fale sobre a celebração especial de Ano Novo e fornecer algumas pistas sobre o que os participantes podem esperar?
A véspera de Ano Novo vai incluir uma cerimónia com a Renske para deixar para trás 2023 e abrir a porta para aquilo que 2024 vai trazer. Vamos ter um jantar especial de cinco pratos com a chef Dalit e a participação do contador de histórias açoriano Luís Estrela.
Que transformações um retiro como este pode provocar nos participantes?
Tudo depende daquilo em que as pessoas estão a trabalhar. O melhor é entrar num retiro sem muitas expectativas e com uma intenção clara. Já participei em retiros que me ajudaram a aprofundar o trabalho que estava a desenvolver e outros que me fizeram dar a volta a padrões antigos, porque estava capaz de me concentrar e praticar novos comportamentos no ambiente do retiro. Idealmente, os participantes experienciam um sentimento de regresso a casa que podem levar consigo.
Pode fornecer informações sobre outros projectos que está actualmente a desenvolver ou iniciativas que está a considerar para a Região?
O “New Storie Collaboratory” é a comunidade regenerativa cooperativa com que tenho sonhado. Estou a falar com amigos açorianos e expatriados interessados em criar uma propriedade com uma quinta para cultivar alimentos orgânicos, onde as pessoas do mundo da escrita e do empreendedorismo social possam viver e visitar. Além disso, se alguém tiver um terreno vazio em Ponta Delgada, adorava criar um espaço de trabalho colectivo temporário para que as pessoas interessadas em questões relacionadas com o ambiente e a cultura venham colaborar.
Quais considera ser as caraterísticas distintivas dos Açores?
Os Açores têm muitas características que os distinguem. Para mim, tem de ser a beleza da luminosa e profunda paisagem verde no meio do Atlântico. É um lugar místico.
Daniela Canha
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