COZINHA MACAENSE

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Fernando Sales Lopes*

No mundo de cheiros e sabores que é Macau nenhuma outra cozinha, para além da macaense, reflecte tão bem a sua história e a sua maneira de estar e viver.

A cozinha macaense como resultado da diversidade de influências, que se plasmam no cruzamento de povos e culturas, e que a foram estruturando ao longo de séculos é, na verdade, uma cozinha própria de Macau.

As suas origens remontam ao tempo da fixação dos portugueses em Macau, altura em que lhes parecendo seguro o estabelecimento começaram a trazer as suas mulheres. E, se havia já uma base da comida portuguesa (embora influenciada pelos contactos estabelecidos pelo mundo que então tocavam), com a chegada das mulheres indianas, goesas, malaias, siamesas, do Pegú, de Samatra, de Java, das Filipinas e do Japão, que transportavam consigo gostos e conhecimentos culinários das suas próprias culturas, começa a nascer um novo universo de gostos, sabores, modos e formas de confecção.

Posteriormente virá juntar-se a influência das mulheres chinesas e portuguesas, que se inseriram na comunidade, e que acrescentarão – a esta cozinha em construção – novos elementos, como a harmonia e o equilíbrio entre sabores e qualidades umas, e outras, as artes da mesa e da doçaria.

As necessidades desta cozinha e os hábitos alimentares da nova população obrigaram à introdução de novos produtos agrícolas em Macau e no Guangdong, trazidos pelos europeus – nomeadamente pelos portugueses – dos continentes europeu, americano e africano. O que começou como uma necessidade alimentar de um pequeno porto, acabaria por se transformar numa revolução no interior da China, introduzindo na dieta chinesa produtos até aí desconhecidos e que rapidamente viriam a mostrar-se indispensáveis às suas cozinhas. Ou alguém se lembrará que há quatro séculos e meio ainda não se cultivavam nesta parte do mundo, entre outros, produtos tão essenciais à dieta chinesa como o milho, o amendoim, a batata-doce, a alface, o tomate, a mandioca, a papaia, a anona, a goiaba e o agrião?

Já que falámos em agrião, ele aqui designa-se sai iong tchoi, que significa hortaliça do ocidente, e no cantonês local Portugal designa-se por sai iong. Importantes as designações das coisas para compreendermos melhor todas estas aventuras da primeira grande globalização.

Aos novos produtos introduzidos localmente, e aos já existentes, acrescentemos as plantas e especiarias trazidas da Índia, Malaca, Ceilão (hoje Sri Lanka), Angola, Moçambique e Brasil, para além, naturalmente, das provenientes dos empórios marítimos do arquipélago indonésio, com os quais a China já se relacionava há séculos.

Perante todas estas misturas, não há nada como provar. Em Macau faça um roteiro pela comida macaense, e viaje pelo mundo através dos sentidos. Se não tem muito por onde escolher – já que tradicionalmente a comida macaense era uma cozinha de famílias, e os restaurantes do género não são muitos -, aqui podemos testar a verdade do adágio que sentencia “poucos, mas bons!”.
Aproveite o tempo e vá a todos. Deguste comida macaense. Vou falar-lhe de alguns pratos para lhe abrir o apetite.

Pegue na lista e escolha. Para abrir uns Camarões panados, e uma Casquinha de caranguejo.

Indispensável provar o Minchi – um dos pratos mais populares da culinária macaense, à base de carne picada. Embora o nome puxe para o inglês, as variantes locais mostram que se não nasceu aqui, foi aqui que cresceu e se fez delícia. Deve regá-lo com soja. Se não a tiver na mesa – falha imperdoável – peça ao empregado: – Sutate, por favor! Fica-lhe bem, um turista conhecedor da terra. Sutate é como se diz soja em patuá!

Embora a tradição o aconselhe para os que andam fracos, faça-se forte e peça um Caldo de retrate, se não o entenderem esforce-se nas suas capacidades linguísticas e diga lin ngau. Exótico. É um caldo de raiz de lótus. Para gente forte um Margoso lorcha, um amargoso recheado. É fel à primeira garfada, manjar à terceira.

Gosta de pato? Experimente o Ade cabidela. Como o nome indica é uma cabidela à portuguesa mas… com muitos outros aromas. Ade é pato, claro.
Já que estamos nas aves, entre as diversas galinhas dou-lhe à escolha: o Caril de galinha (pois é, lembra a Índia… a Malásia… mas vai ver que é diferente); a Galinha bafássá (estrugida, depois cozida, depois frita, açafrão… não digo mais nada); e só mais uma, a Galinha molho sutate. Há mais claro, escolha pelos menus.

E venham mais carnes. Porco balichão tamarindo, Porco báfássá, Capela, mas no seu roteiro gastronómico macaense não perca um Tacho. Muitos dizem que é um cozido à portuguesa à moda de Macau, mas o seu outro nome Chau-chau pele… este “pele” já nos diz que, pelo menos, pele de porco desidratada é um dos seus ingredientes. Pois, embora o grosso das carnes sejam a galinha, o porco, a vitela e o chispe, o pato salgado, o chouriço chinês, o lap ioc ou o cai lan, atestam a fusão.

Arroz? Massa? Um Lacassá é um bom prato, jamais se esquecerá desta massa de arroz, mas arroz para acompanhar? Peça branco, arroz branco! Porque Arroz gordo, não é acompanhamento. É um prato, e bem forte!

Estava a esquecer-me do peixe. Pois do reino de Neptuno tem boa garoupa e nairo e com eles pode comer uma boa Empada, tem Peixe cucus (é a vapor e… descubra por si) e Chatini. Sim com este prato – afinal como com todos os outros – a viagem de sabores vai tocando mares e continentes. É bacalhau. Sim, bacalhau vindo dos mares gélidos do Atlântico Norte, degustado frente ao Mar do Sul da China, com aromas do Índico. Já alguma vez comeu bacalhau com leite de coco?

Doces e bolos tem muito por onde escolher. E também aí vai ter muitas e agradáveis surpresas.

  • Licenciado em História e Mestre em Relações Interculturais
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    via HENRIQUE MANHÃO